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Em debate caótico, Biden manda Trump calar a boca e critica Brasil

Agressões pessoais e xingamentos marcam primeiro duelo entre republicano e democrata

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Washington

O primeiro debate entre Donald Trump e Joe Biden, na noite desta terça-feira (29), marcou um duelo agressivo, cheio de interrupções, xingamentos e gritaria entre os dois candidatos, que tentavam desconstruir o adversário e se consolidar como o nome mais capacitado para governar os EUA.

O presidente manteve sua estratégia diversionista, defendendo seu governo com informações falsas e tentando desconcentrar Biden, que atacou a condução do republicano diante da pandemia e também sua política ambiental, quando fez críticas, inclusive, ao Brasil.

O presidente Donald Trump e o ex-vice-presidente Joe Biden debatem pela primeira vez
O presidente Donald Trump e o ex-vice-presidente Joe Biden debatem pela primeira vez - Brian Snyder/Reuters

Ao abordar os incêndios que devastam parte da Costa Oeste dos EUA, Biden mencionou também as recentes queimadas na Amazônia e afirmou que uma de suas propostas é trabalhar com países ao redor do mundo para atacar o aquecimento global.

"A floresta tropical no Brasil está sendo destruída", criticou o democrata, que prometeu se juntar a outros países e oferecer US$ 20 bilhões [R$ 112 bilhões] para ajudar na preservação da região. "Parem de destruir a floresta e, se não fizer isso, você terá consequências econômicas significativas", completou, indicando possíveis retaliações ao governo brasileiro.

Logo nos primeiros minutos do embate, transmitido ao vivo pela TV americana, Biden perdeu a paciência ao ser interrompido diversas vezes pelo rival e pediu que Trump calasse a boca.

"Você vai calar a boca, cara?", disse o democrata, que afirmou que "todo mundo sabe que Trump é um mentiroso" e classificou o presidente como o pior líder da história do país.

"É difícil falar qualquer coisa com esse palhaço", completou Biden quando tentava responder sobre os negócios de um de seus filhos na Ucrânia.

O presidente também interrompeu o moderador, Chris Wallace, que tinha dificuldade para terminar as perguntas. Wallace precisou levantar a voz em muitos momentos para tentar controlar os ânimos.

Biden, por sua vez, tentou centrar a pauta sobre a condução errática e ineficaz do presidente diante da pandemia que já matou mais de 205 mil pessoas no país, mas não conseguiu passar muito tempo sem cair nas provocações do republicano. Por diversas vezes, o democrata ria nervosamente e gaguejava.

"Você não pode resolver a economia até que resolva a crise da Covid-19. Ele [Trump] deve começar a trabalhar e a cuidar das necessidades do povo americano, para que possamos reabrir com segurança", afirmou Biden, lembrando que Trump soube da gravidade da crise desde fevereiro.

"Ele disse que não queria criar pânico. Ele entrou em pânico."

O ex-vice de Barack Obama lembrou que Trump chegou a sugerir que as pessoas deveriam injetar desinfetantes para se proteger do coronavírus. "Eu estava sendo sarcástico", respondeu o presidente, insistindo que fez um bom trabalho, aprovado, em suas palavras, pelos governadores do país.

Trump pressionava para uma retomada de atividades que foi considerada precoce e resultou em diversos repiques de casos de Covid-19 pelo país. Diversos governadores, inclusive republicanos, precisaram rever suas reaberturas para controlar a situação em seus estados.

"Ele [Biden] vai fechar o país inteiro e destruir todo o nosso país", disse Trump, sempre tentando relacionar Biden ao que chama de esquerda radical do Partido Democrata.

O republicano diz que o ex-vice de Obama vai levar o socialismo aos EUA, numa tentativa de assustar eleitores moderados moradores dos subúrbios, que costumam variar o voto nas eleições.

Questionado pelo presidente se concordava com seu discurso da lei e da ordem, Biden respondeu: "Concordo com lei e ordem com justiça, em que as pessoas são tratadas com justiça. Os crimes violentos caíram 17% sob nossa supervisão." Como mostrou a Folha, a retórica do medo não tem tido efeito em subúrbios de estados-chave, como a Carolina do Norte.

Em outras ocasiões, o democrata tentou desmentir ideias que Trump tenta colar nele, como a de que o democrata é a favor de tirar financiamento da polícia. "Me oponho totalmente", disse Biden. "Policiais precisam de assistência."

Trump recusou-se a denunciar categoricamente os supremacistas brancos ao ser questionado pelo moderador e disse que a violência extremista "não é um problema da direita".

A estratégia de Biden era cristalizar a mensagem de que a campanha é um referendo sobre a má condução de Trump da pandemia, mas ele também investiu nas informações de sonegação de impostos por parte do presidente, divulgada pelo jornal The New York Times.

"Mostre-nos suas declarações de impostos", pediu Biden. "Você os verá assim que terminarem", respondeu Trump, sem responder a pergunta sobre quanto pagou ao fisco.

Segundo as reportagens, Trump ficou dez anos sem pagar impostos e pagou apenas US$ 750 (R$ 4.171) em 2016, quando venceu Hillary Clinton na corrida à Casa Branca.

O presidente nega as acusações, mas Biden aproveita o episódio para tentar afastar de Trump o eleitorado da classe trabalhadora, sob o argumento de que o presidente burla leis para manter privilégios e paga menos impostos do que muitos americanos da classe média.

Horas antes do debate, nesta terça, Biden divulgou suas declarações de imposto de renda dos últimos 22 anos, já em uma espécie de vacina que confirmava seus planos de abordar o tema diante do presidente, que se recusa mostrar seus dados fiscais.

O ex-vice-presidente e sua esposa, Jill Biden, pagaram US$ 299.346 (R$ 1,6 milhão, na cotação atual) em impostos federais no ano passado, de acordo com formulários da Receita Federal. A renda anual do casal foi de US$ 985 mil (R$ 5,5 milhões).

O debate desta terça ocorreu em torno de seis assuntos estabelecidos previamente: histórico dos candidatos, Suprema Corte, Covid-19, raça e violência nas cidades, economia e integridade das eleições.

Sobre o último tema, Trump voltou a repetir, sem apresentar provas, que a eleição será uma fraude com o voto por correio —empregado com sucesso em outros pleitos do país.

"Se for uma eleição justa, estou 100%. Mas se eu vir milhares de cédulas sendo manipuladas, não posso concordar com que .. Isso significa que você tem uma eleição fraudulenta."

Apesar do leque temático, um embate com menos propostas e mais ataques era esperado pelas duas campanhas, principalmente com o perfil de Trump, habitualmente agressivo quando quer abalar adversários e mobilizar sua base conservadora.

Nesta terça, o presidente seguiu o roteiro ao explorar temas como o envolvimento de um dos filhos do democrata, Hunter Biden, em uma empresa de gás na Ucrânia, e questionar a idade e a capacidade mental do rival para governar —Trump tem 74 anos, enquanto Biden completa 78 em novembro.

Em outra frente, o presidente também propagandeou sua indicação da juíza conservadora Amy Coney Barrett à Suprema Corte, em um dos mais importantes movimentos da corrida à Casa Branca.

Com o gesto, Trump acenou à sua base, bastante sensível à composição do tribunal, e desviou parte da atenção pública de sua condução da pandemia, além de tentar impactar em uma possível judicialização das eleições, caso a decisão final sobre o pleito fique com a instância máxima da Justiça americana.

Assessores da Casa Branca viam no debate mais uma oportunidade para Trump tentar redesenhar a disputa em que aparece sete pontos percentuais atrás de Biden na média das pesquisas nacionais —50,2% a 43,2%.

Apesar de ter melhorado seu desempenho em alguns estados-chave, como Flórida e Pensilvânia, o republicano tem cada vez menos tempo para virar o jogo —a eleição será em 3 de novembro.

Auxiliares aconselharam Biden a não perder tempo rebatendo todos os ataques e informações falsas vociferadas pelo presidente durante o debate, no diversionismo que costuma favorecer o republicano. Temiam, porém, que o democrata ficasse na defensiva e o aconselharam a responder quando se tratasse de temas importantes.

Nos bastidores, porém, os assessores de Biden não escondiam a apreensão, já que o ex-vice de Obama é conhecido por cometer gafes em público e já perdeu a paciência com eleitores que o contradisseram de alguma forma —em março, por exemplo, Biden xingou e ameaçou dar um tapa em um operário que o questionou sobre o controle de armas.

O Partido Democrata chegou a pedir que houvesse um checador dentro do estúdio para contestar ao vivo as informações ditas pelos dois candidatos, o que foi rechaçado pelo comitê organizador do evento.

No embate desta terça, o republicano queria que Biden ficasse irritado ou perdesse a linha de raciocínio, o que poderia corroborar sua tese de que o rival está senil e não tem condições de assumir a Casa Branca.

A cinco semanas da eleição, Trump e Biden tentaram dominar a atenção do eleitor cada vez menos interessado neste tipo de evento. Segundo levantamento feito pelo Wall Street Journal/NBC News, mais de 70% dos americanos dizem que não consideram o debate muito importante para decidir o voto.

Por causa da pandemia, não houve o tradicional aperto de mão entre os candidatos no início do debate, realizado em Cleveland, em Ohio —um dos estados do chamado Cinturão da Ferrugem, decisivo da disputa. A plateia, geralmente de quase mil pessoas, caiu para cerca de 80, todos de máscara e respeitando o distanciamento social, após passarem por testes para detectar Covid-19.​

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