Não é pássaro, nem avião, mas talvez um maluco de jetpack

Pilotos alertam aeroporto de Los Angeles sobre homem voando com equipamento

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Los Angeles

“Sabe quando você sonha que está voando? É tipo isso”, explica o engenheiro britânico Richard Browning, acostumado a ser comparado ao super-herói Homem de Ferro. Na vida real, ele consegue voar por aí com um sistema que ele mesmo desenvolveu nos últimos três anos, um traje motorizado de 27 quilos que custa US$ 440 mil (R$ 2,4 milhões).

O inventor de 41 anos falou com a Folha de seu laboratório futurista em Salisbury, cidadezinha ao sul da Inglaterra, bem longe de Los Angeles (EUA), onde, 36 horas antes, uma pessoa havia sido avistada voando de jetpack a 3 mil pés de altura (914 metros).

Dois pilotos de companhias aéreas diferentes alertaram a torre ao se aproximar do aeroporto californiano em 30/8. Na semana passada [14/10], outro avistamento foi registrado por pilotos. O FBI está investigando o caso.

Richard Browning usa jetpack com cinco turbinas em demonstração realizada em 2018
Richard Browning usa jetpack com cinco turbinas em demonstração realizada em 2018 - Carl Draper/Divulgação

“Muitas pessoas estão me procurando para saber se fui eu. Realmente capturou a imaginação de muita gente”, disse Browning, negando envolvimento. “Apesar de curioso, é algo extremamente sério e muito decepcionante. Se for verdade, poderia ter causado um tremendo acidente.”

O traje que ele criou usa cinco turbinas presas nos braços e nas costas. Apesar de estar à venda, não é para qualquer um. Browning tampouco espera que o novo meio de transporte seja usado para locomoções triviais ou viagens. Ele vê o futuro em esportes de ação, como corridas de Fórmula 1 e Nascar, e também em missões de resgate e emergências.

Vestido com seu jetpack ou “jet suit”, como ele prefere chamar, Browning quebrou seu próprio recorde Guinness de velocidade em um “traje com motor a jato controlado pelo corpo". Foi em novembro passado, quando atingiu 136 km/h, num evento na praia de Brighton, Inglaterra. Em 2017, quando lançou a empresa Gravity Industries, sua marca era de 51 km/h.

“A sensação de voar é realmente chocante. É incrível sentir todo seu peso sumir dos seus pés e ficar cada vez mais leve e, então, apenas flutuar. Você se sente livre como num sonho”, disse Browning pelo Zoom.

Richard Browning demonstra uso de jetpack em evento da Gravity
Richard Browning demonstra uso de jetpack em evento da Gravity - Divulgação

O engenheiro está intrigado com o mistério de Los Angeles e aposta na possibilidade de ter sido um drone gigante carregando uma pessoa ou um manequim. Outro criador famoso de jetpacks, o australiano David Mayman, da JetPack Aviation, com sede em Los Angeles, também acredita na mesma hipótese.

“Nem David ou ninguém da sua equipe faria algo tão irresponsável. Ele é um cara muito sensível. Porém, há a possibilidade de talvez ele ter vendido para alguém e esse alguém ter feito algo estúpido”, comentou Browning.

Ele diz ser tecnicamente possível alcançar 3 mil pés com os jetpacks, mas não é o objetivo, nem mesmo algo inteligente de se fazer. “Só voamos tão alto quanto podemos aceitar a queda. Não importa a engenharia, sempre há chance de falha”, disse Browning, acrescentando que costuma atingir cerca de 80 pés (24 metros) e voar sempre sobre água. “Mesmo assim, já é bastante alto e não aconselhável.”

Para ele, não há razão para voar tão alto, como os aviões que aproveitam o ar rarefeito para ter menos resistência. E, do ponto de vista do entretenimento, principal fonte de renda da sua empresa, também não faz sentido subir tão alto e sumir da vista do público.

“Temos uma boa relação com as autoridades de aviação nos EUA e Grã-Bretanha. Não temos interesse em ir alto assim”, disse. “Tentamos vários experimentos nas mídias sociais, mas sempre de maneira a poder se recuperar de uma queda”, continua, citando seu canal popular no Youtube e Instagram (@TakeOnGravity).

Seu vídeo mais recente, um exercício de resgate publicado em agosto, tem mais de 17 milhões de acessos.

Nos últimos três anos, Browning já realizou 105 apresentações em 31 países, incluindo na abertura de um estádio de beisebol no Japão, num lançamento de carro na China e numa passagem pelo Rio de Janeiro em 2017. Alguns desses eventos, ele diz, pagam até US$ 100 mil, o que ajudam a pagar boa parte dos investimentos de US$ 5 milhões.

Browning estudou geologia de exploração e trabalhou por 16 anos na gigante de petróleo BP. Inventou um sistema de rastreamento de carga que mudou a indústria de commodities e rendeu bilhões. Rico e jovem, passou a competir em ultramaratonas e entrou para a Royal Marines Reserves. Na sua melhor forma física aos 36 anos, começou a pensar nas capacidades do corpo humano de alcançar voo.

A paixão por voar vem de família. Seu pai foi também um inventor apaixonado e engenheiro aeronáutico, enquanto um avô foi piloto e instrutor de guerra, e o outro avô foi presidente do conselho da fabricante britânica aeroespacial Westland Helicopters.

A Gravity Industries tem uma equipe de sete pilotos, a maioria americanos, que participam dos eventos públicos. Mas Browning prefere fazer ele mesmo as manobras mais ousadas. A ideia é que os pilotos formem o primeiro time da empresa para competir numa corrida. O evento aconteceria em março, nas Bermudas, mas foi cancelado com a pandemia. A ideia é fazê-lo no próximos meses na Inglaterra.

Em breve, é possível que o time ganhe um novo reforço. “Acabei de deixar meu filho de 13 anos voar de novo. Ele está ficando muito bom”, disse. “Ele já está da minha altura. Claro, fizemos tudo com cordas de segurança.”

O primeiro voo público de Browning aconteceu em 2017, após uma apresentação no TED, em Vancouver (Canadá).

O barulho dos propulsores eram ensurdecedores, e Browning voou menos de meio metro de altura. Ainda assim, antes do TED, numa parada estratégica no Vale do Silício, ele conseguiu investimento de Tim Draper, figura famosa por colocar suas fichas cedo na Tesla, Skype e Twitch.

“Fiz uma apresentação num estacionamento e, ao final, Tim Draper puxou uma nota de US$ 100 e escreveu uma oferta de US$ 640 mil por 10% da empresa”, contou.

O sistema atual usa cinco turbinas em miniatura de avião, movidas a combustível de jato A-1, duas em cada braço e uma nas costas. São acopladas num traje feito em impressora 3D, customizado para ficar bem ajustado ao corpo. O jetpack fica pronto para voar em 10 segundos.

“Está bem perto do tipo de performance da Marvel, voamos quase como super-heróis”, gaba-se.

Para ter controle do balanço, ele usa o próprio corpo. “É como andar de bicicleta. Pense na bicicleta, em como ela aumenta de maneira incrível nosso corpo e mente, nos permite um alcance espetacular”, disse. “Com o jet suit, temos em essência essa mesma mentalidade, algo muito simples.”

Para quem demonstra interesse em comprar o traje de US$ 440 mil, ele convida para fazer um treinamento em seu laboratório. Até hoje, só dois foram vendidos, apesar da firma receber 200 consultas por dia.

“Queremos conhecer o cliente primeiro, fazer uma pré-qualificação. Mesmo se construirmos, o jet suit fica com a gente e ele pode voltar para usá-lo quando quiser. Caso contrário, pode acontecer algo como em Los Angeles, alguém pode se machucar, e vai ser nossa culpa”, disse.

“É um pouco como ir à Ferrari e pedir para que eles construam um carro de Fórmula 1 para você. É sua reputação em jogo.”

JET SUIT
Conheça o traje motorizado de Richard Browning

O engenheiro britânico Richard Browning usa jetpack desenvolvido por ele
O engenheiro britânico Richard Browning usa jetpack desenvolvido por ele - Rich Cooper/Divulgação

Turbinas: 5 (duas em cada braço e uma nas costas)
Combustível: querosene de jato A1 ou diesel premium
Peso: 27kg (sem combustível)
Tempo de voo: de 5 a 10 minutos
Velocidade recorde: 136,8 km/h
RPM: 120,000
Potência: 1050bhp

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