Investigação expõe laços de republicanos com grupos extremistas nos EUA

Congressistas teriam ligações profundas com organizações de extrema direita que invadiram o Capitólio

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Luke Broadwater Matthew Rosenberg
Washington | The New York Times

O título do vídeo é em forma de pergunta, mas deixa pouca margem para dúvidas quanto ao que pensam os homens que o fizeram. Nos segundos iniciais do vídeo “A Guerra Civil que se Aproxima?”, Jim Arroyo, líder da divisão do Arizona da milícia de direita Oath Keepers (guardiões do juramento), declarou que o conflito já começara.

Para fundamentar sua afirmação, ele citou o deputado Paul Gosar, do Arizona, um dos membros de mais extrema direita do Congresso. Arroyo contou que alguns anos atrás Gosar visitou a divisão local do Oath Keepers e, quando lhe perguntaram se os Estados Unidos se encaminhavam para uma guerra civil, “a resposta do deputado ao grupo foi sem rodeios: ‘Já estamos nela. Ainda não começamos a atirar uns nos outros, só isso.’”

Menos de dois meses depois de o vídeo ser postado online, membros do Oath Keepers fizeram parte das pessoas vinculadas a grupos extremistas de todo o país que participaram do ataque de 6 de janeiro ao Capitólio, provocando uma investigação renovada sobre as conexões entre membros do Congresso e uma gama de organizações e movimentos que defendem posições de extrema direita.

Quase 150 deputados republicanos apoiaram as alegações infundadas do presidente Donald Trump de que a eleição lhe teria sido roubada. Mas Gosar e um punhado de outros deputados republicanos tinham vínculos mais profundos com grupos extremistas que promoveram ideias e teorias conspiratórias violentas e cujos integrantes se destacaram entre as pessoas que invadiram a sede do Congresso em um esforço para barrar a certificação da vitória do presidente eleito Joe Biden.

Esses deputados incluem Andy Biggs, do Arizona, que, como Gosar, está ligado à campanha “Stop the Steal” (parem o roubo), que apoiou o esforço de Trump para reverter o resultado da eleição.

A deputada Lauren Boebert, do Colorado, tem laços estreitos com milícias, incluindo a chamada Three Percenters, ramificação extremista do movimento pelos direitos às armas. Pelo menos um integrante da milícia invadiu o Capitólio em 6 de janeiro.

A deputada Marjorie Taylor Greene, da Geórgia, promove a teoria conspiratória QAnon, cujos aderentes estiveram entre os mais visíveis dos invasores do Capitólio. Ela apareceu num comício com grupos milicianos.

Antes de ser eleita ao Congresso no ano passado, ela usou as redes sociais em 2019 para endossar a execução de líderes do Partido Democrata. Ela já sugeriu que o massacre de 2018 no colégio Marjory Stoneman Douglas, em Parkland, na Flórida, tenha sido um ataque encenado de “bandeira falsa” (ou seja, teria sido promovido por ativistas anti-armas para dar argumentos aos que querem proibir o uso de armas de fogo).

O grupo liberal Media Matters for America divulgou na quinta-feira (28) que, em 2018, Greene especulou no Facebook que incêndios na Califórnia poderiam ter sido ateados por lasers disparados do espaço, promovendo uma teoria proposta por seguidores do QAnon.

O deputado Matt Gaetz, da Flórida, apareceu no ano passado em um evento que também teve a presença de membros da Proud Boys, outra organização extremista cuja participação no ataque de 6 de janeiro, assim como a do Oath Keepers e do Three Percenters, está sendo investigada pelo FBI.

Não está claro se políticos eleitos exerceram um papel na facilitação direta do ataque ao Capitólio, exceto por ajudar a incitar a violência através de declarações falsas dizendo que a vitória na eleição teria sido roubada de Trump.

Autoridades disseram que estão investigando denúncias de democratas segundo as quais vários deputados republicanos teriam dado tours do Capitólio e outras informações a pessoas que podem depois ter feito parte da multidão que atacou em 6 de janeiro. Até agora não vieram à tona publicamente quaisquer evidências que confirmem essas denúncias.

Boebert disse em comunicado que “nunca levou qualquer pessoa em uma turnê do Capitólio americano" além de membros de sua família que vieram à cidade para sua posse” descrevendo como “mentira irresponsável” as acusações de democratas de que ela teria levado insurgentes em uma “tour de reconhecimento”. Depois do ataque ao Capitólio, ela disse que não apoia “atos de violência ilegal”.

Andy Biggs nega ter laços com os organizadores da campanha Stop the Steal e disse que condena a violência “de qualquer tipo”.

“Você tinha conhecimento de qualquer manifestação ou tumulto planejado para acontecer no Capitólio após o comício de 6 de janeiro de 2021? Não”, disse Biggs em declaração.

Um porta-voz de Marjorie Taylor Greene disse que ela agora rejeita o QAnon e procurou distanciar a deputada de membros de milícias.

Matt Gaetz, em seu podcast, disse que os Proud Boys estavam no evento no qual ele participou para fazer a segurança e que “simplesmente porque você faz uma foto com alguém”, isso não quer dizer que “você concorde com cada opinião que esse alguém já teve na vida ou terá no futuro”.

Porém, ao assinalar apoio declarado ou tácito, um grupo pequeno mas muito ouvido de republicanos que agora são deputados conferiu legitimidade e publicidade a grupos e movimentos extremistas, fortalecendo a atuação deles no apoio aos esforços de Trump para subverter o resultado da eleição de 2020 e o ataque ao Congresso.

Aitan D. Goelman, ex-promotor federal que ajudou a condenar Timothy McVeigh, autor do atentado de Oklahoma City, disse que quando políticos eleitos —ou mesmo candidatos políticos— fazem coisas como aparecer publicamente com milícias ou outros grupos de direita, “isso confere um selo adicional de legitimidade a esses grupos”.

Uma pesquisa sobre muitos dos políticos republicanos eleitos mais destacados que têm vínculos com organizações de direita também aponta como várias vertentes de extremismo se reuniram no Capitólio em 6 de janeiro.

Em julho, Gosar, que é dentista, posou para uma foto com um integrante do Proud Boys. Dois anos antes disso ele discursou em um comício em Londres em defesa de um líder encarcerado do movimento extremista anti-imigrantes no Reino Unido, no qual qualificou imigrantes muçulmanos de “escória”. E em 2014 ele viajou ao Nevada para apoiar o enfrentamento armado entre agentes da polícia e defensores do criador de gado Cliven Bundy, que se recusara a parar de invadir terras do governo federal.

Andy Biggs, presidente do Caucus de Liberdade da Câmara, de extrema direita, foi visto como inspiração pelos líderes do Stop the Steal e já discursou em eventos promovidos por extremistas, incluindo um ato público em que um fundador do Oath Keepers pediu que o senador John McCain fosse enforcado.

Eleita deputada em novembro, Lauren Boebert disse no Twitter na manhã de 6 de janeiro que “hoje é 1776”. Ela tem vínculos com os Three Percenters, que compartilham sua visão de que o direito de uso de armas está sendo ameaçado. Pelo menos um membro do Three Percenters já foi preso por envolvimento na invasão do Capitólio.

Marjorie Taylor Greene dissemina teorias conspiratórias há anos, tendo expressado apoio ao QAnon e dado declarações ofensivas sobre negros, judeus e muçulmanos. Ela também já apareceu em um evento de campanha ao lado de membros do Three Percenters.

Os deputados vêm, em certa medida, refletindo sinais enviados por Trump.

Durante um debate presidencial em outubro, Trump fez um aceno aos Proud Boys, mandando-os “recuar e ficar de prontidão”. Dois meses antes disso, Trump descreveu seguidores do QAnon —vários dos quais já foram acusados criminalmente por homicídio, terrorismo doméstico, planejar sequestros e, mais recentemente, invadir o Capitólio— como “pessoas que amam nosso país”, acrescentando que “parece que gostam de mim”.

Stop the Steal

Poucos republicanos estão mais ligados a grupos extremistas que Gosar.

“Ele tem envolvimento com grupos antimuçulmanos e grupos de ódio”, disse o irmão do deputado, Dave Gosar, advogado no Wyoming. “Já lançou diatribes antissemitas. Ele está tão entranhado com o Oath Keepers que não chega a ser engraçado.”

Quando Paul Gosar se candidatou a deputado, em 2018, Dave Gosar e outros de seus irmãos publicaram anúncios denunciando seu irmão como extremista perigoso. Agora estão exortando o Congresso a expulsá-lo.

“Avisamos a todo o mundo quão perigoso ele é”, disse Dave Gosar.

Nos dias seguintes à eleição de 2020, Paul Gosar e Andy Biggs ajudaram a converter o Arizona num centro dinâmico do movimento Stop the Steal, encontrando causa comum com outros extremistas que até então vinham trabalhando nas sombras, como Ali Alexander. Os dois deputados gravaram um vídeo, “This Election Is a Joke” (está eleição é uma piada), que foi visto mais de 1 milhão de vezes e disseminou desinformação sobre uma suposta fraude eleitoral.

Alexander disse que “tramou” o comício de 6 de janeiro com Gosar, Biggs e outro proponente declarado do Stop the Steal, o deputado Mo Brooks, do Alabama. Biggs disse que o modo como Ali Alexander caracteriza o papel exercido pelos deputados é exagerado, mas que os parlamentares fizeram parte de uma rede maior de pessoas que ajudaram a planejar e promover o comício como parte dos esforços de Trump para reverter a vontade dos eleitores.

Embora Biggs tenha minimizado seu envolvimento com a campanha Stop the Steal, no dia 19 de dezembro Alexander exibiu uma mensagem de vídeo de Biggs para uma multidão irada em um evento em que os participantes gritaram slogans violentos contra parlamentares. No evento, a esposa de Biggs, Cindy Biggs, foi vista abraçando Alexander duas vezes e falando em seu ouvido.

Em 2019 Biggs discursou num evento promovido pelo Patriot Movement AZ, AZ Patriots e o American Guard —todos identificados como grupos de ódio pelo Southern Poverty Law Center, segundo o jornal The Arizona Republic.

Em 2015 ele assistiu em silêncio a um evento em que um fundador do Oath Keepers pediu o enforcamento do senador John McCain, chamando-o de traidor à Constituição. Biggs disse ao Republic na época que achou que não cabia a ele se manifestar para criticar os comentários.

Arroyo, do Oath Keepers no Arizona, disse que Gosar participou de duas reuniões da organização com cerca de um ano de diferença. Arroyo disse que sua entidade “não defende a desobediência às leis” e que ficou “entristecido com a invasão do Capitólio por alguns poucos indivíduos fora de controle”.

Assim como a família de Paul Gosar, dois irmãos de Andy Biggs o denunciaram publicamente, dizendo que ele foi pelo menos parcialmente responsável pela violência de 6 de janeiro. E uma deputada estadual democrata do Arizona, Athena Salman, pediu ao Departamento de Justiça que investigue as ações de Gosar e Biggs antes do ataque, dizendo que eles “incentivaram, facilitaram, participaram e possivelmente ajudaram a planejar essa insurreição antidemocrática”.

'Eu sou a milícia'

Em dezembro de 2019, centenas de manifestantes se reuniram diante da sede da Câmara de Deputados do Colorado para se oporem a uma nova lei estadual que visava impedir o acesso de pessoas emocionalmente perturbadas a armas de fogo.

Entre os presentes estavam membros do Three Percenters, que promotores federais descrevem como “grupo miliciano radical”, e uma candidata a deputada com um histórico de detenções chamada Lauren Boebert, que estava tentando angariar seus votos. Armada com sua própria pistola, ela posou para fotos com membros da milícia e, em tom desafiador, prometeu fazer oposição à lei.

Nos meses seguintes, grupos milicianos emergeriam como alguns dos aliados políticos cruciais de Boebert. Quando a campanha dela ganhou ímpeto no ano passado ela escreveu no Twitter: “Eu sou a milícia”.

Membros de milícias fizeram a segurança de seus eventos de campanha e frequentavam o restaurante do qual ela é proprietária, o Shooters Grill, em Rifle, no Colorado. Num vídeo postado recentemente, um membro do Three Percenters foi filmado dando uma pistola Glock 22 a Boebert.

Outro membro do grupo, Robert Gieswein, que no ano passado posou para uma foto em frente ao restaurante de Boebert, enfrenta acusações criminais federais por participação na invasão do Capitólio e atacar policiais.

O diretor de comunicações de Boebert, Benjamin Stout, disse em e-mail que a deputada “sempre condenou todas as formas de violência política e já deixou claro repetidas vezes que os invasores do Capitólio devem ser processados em toda a extensão da lei”.

Ele acrescentou: “O simples fato de ela ser fotografada com alguém que pede uma foto com ela não significa que ela endosse todas as posições da pessoa ou concorde com todas suas causas e declarações públicas”.

O caucus do QAnon

Uma das forças por trás do ataque ao Capitólio foi o movimento conhecido como QAnon, e esse movimento tem poucos defensores de perfil mais alto que Marjorie Taylor Greene.

O QAnon é um movimento centrado na alegação fantasiosa de que Trump, com o apoio secreto das forças armadas, foi eleito para destruir uma organização secreta de democratas, financistas internacionais e burocratas do “Estado Profundo” que adoram Satanás e praticam a pedofilia.

O movimento profetizou um grande enfrentamento apocalíptico, descrito como “A Tempestade”, que ocorreria entre Trump e seus inimigos. Durante a Tempestade, os inimigos do QAnon, incluindo Biden e muitos membros democratas e republicanos do Congresso, seriam presos e executados.

A multidão que atacou o Capitólio incluiu muitos partidários visíveis do QAnon usando camisetas e agitando bandeiras estampadas com a letra “Q”.

Um deles foi Jake Angeli, seguidor do QAnon que se descreve como o “xamã Q”. Angeli, cujo nome real é Jacob Chansley, invadiu o Capitólio usando peles de animais e chifres na cabeça. Ele deixou um bilhete ameaçando o então vice-presidente Mike Pence.

Outra foi Ashli Babbitt, seguidora do QAnon que foi baleada e morta por um policial do Capitólio quando tentava passar pelo vidro numa porta fechada com barricada perto do recinto da Câmara.

Greene foi uma das primeiras partidárias do QAnon, que descreveu como “uma oportunidade do tipo que só aparece uma vez na vida para destruir esta cabala global de pedófilos adoradores de Satanás”. Muitos dos posts dela no Facebook nos últimos anos refletiram linguagem usada pelo movimento, falando em enforcar democratas ou executar agentes do FBI.

Greene também demonstrou simpatia por alguns dos grupos milicianos cujos membros foram flagrados em vídeo atacando o Capitólio, incluindo os Oath Keepers e Three Percenters. Discursando em 2018 na Mãe de Todos os Comícios, um encontro pró-Trump em Washington, ela elogiou as milícias, descrevendo-as como grupos que podem proteger as pessoas contra “um governo tirânico”.

Tradução de Clara Allain

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