Índia endurece perseguição a jornalistas por cobertura de protestos de agricultores

Governo passou a processar os profissionais pela acusação de sedição

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São Paulo

O governo da Índia reforçou a ofensiva contra jornalistas críticos e políticos da oposição, em meio à intensificação de protestos de agricultores.

Na semana passada, a polícia indiana abriu um inquérito para identificar criadores e disseminadores de um “kit protesto” compartilhado no Twitter na quarta (3) pela ativista Greta Thunberg. O kit orientava como subir hashtags e organizar manifestações a favor dos agricultores.

Nos últimos dias, o governo já havia acusado jornalistas críticos de crimes como sedição e promoção da inimizade entre grupos por sua cobertura dos protestos.

No Dia da República, 26 de janeiro, os protestos dos agricultores se tornaram violentos quando manifestantes avançaram com tratores sobre as barreiras da polícia.

Manifestantes bloqueiam via em protesto contra a reforma das leis agrícolas do governo federal, em Kundli, no sábado (6)
Manifestantes bloqueiam via em protesto contra a reforma das leis agrícolas do governo federal, em Kundli, no sábado (6) - Prakash Singh/AFP

Um grupo entrou no histórico Forte Vermelho e hasteou uma bandeira Sikh, grupo religioso a que pertence a maioria dos agricultores nos protestos, que vem do norte da Índia. Um agricultor morreu.

Alguns jornalistas escreveram ou tuitaram que ele foi vítima de um tiro da polícia, a partir de fotos e depoimentos de pessoas no local. As autoridades afirmam que ele morreu quando seu trator capotou.

Esses profissionais, entre eles o editor-chefe da revista Caravan, Paresh Nath, um dos editores da mesma revista, Anant Nath, e Siddharth Varadarajan, fundador do portal de notícias The Wire, além do político oposicionista Shashi Taroor, foram acusados de crimes como sedição, criar inimizade entre grupos, provocação contra a paz, conspiração criminal e desrespeitar sentimentos religiosos.

O crime de sedição, segundo a legislação indiana, consiste em “suscitar ódio ou desprezo, por palavras faladas ou escritas, ou sinais, para gerar hostilidade e deslealdade ao governo indiano” e prevê multa e reclusão de três anos até prisão perpétua. Taroor e alguns dos jornalistas entraram com ações na Suprema Corte pedindo o fim dos inquéritos.

Os agricultores começaram a protestar em novembro contra a reforma das leis agrícolas. Segundo eles, a mudança vai privilegiar as grandes corporações e esmagar os pequenos produtores. O primeiro-ministro Narendra Modi afirma que ela é necessária para aumentar a eficiência. Os protestos preocupam o governo, porque os agricultores na Índia são muito numerosos e formam um poderoso bloco de pressão política.

“Desde que o BJP subiu ao poder em 2014, o número de processos por sedição explodiu. Este governo usa sedição como arma para desencorajar repórteres de investigar temas que podem fazer o governo parecer corrupto e ineficiente”, disse à Folha Sanjay Kapoor, secretário-geral da Editors Guild da Índia (associação dos editores).

​Hartosh Singh Bal, editor de política da revista The Caravan, que teve seu editor-chefe acusado de sedição, relata que jornalistas da publicação já foram atacados enquanto cobriam protestos contra muçulmanos e agredidos em delegacias. Um deles foi detido na cobertura de uma manifestação e a conta da revista no Twitter foi derrubada.

“No primeiro mandato de Modi, a intimidação era mais indireta, por pressão financeira sobre os donos dos veículos, o que levou a mídia mais tradicional a ceder”, disse Bal à Folha. “No segundo governo Modi, estamos vendo medidas de repressão contra a mídia independente, que continua investigando o governo e cobrindo questões sensíveis, como a da Caxemira.”

Segundo Bal, muitos jornalistas passaram a se autocensurar, temendo ser processados pelo governo. “A maior parte da mídia se transformou em braço de propaganda do governo”, diz. “Nós continuamos firmes, mas o medo é que, cedo ou tarde, o governo encontre novos motivos para abrir inquéritos contra jornalistas; por isso, é muito importante acompanhar as decisões nesses casos.”

Além de processar jornalistas, o governo vem cortando a internet em locais onde os manifestantes se reúnem, para “evitar mais episódios de violência”, segundo as autoridades indianas.

A repressão também abrange as redes sociais. A polícia de Déli afirmou ter identificado 300 contas no Twitter que estariam publicando conteúdo de ódio relacionado aos protestos. “Essas contas estão sendo usadas por organizações e indivíduos que têm interesses escusos, querem disseminar animosidade contra o governo”, disse Praveer Ranjan, comissário de polícia.

O governo americano, não mais liderado por Donald Trump, que se alinhava a Modi no populismo de direita, apoiou os protestos pacíficos dos agricultores e pediu respeito à liberdade de expressão.

Em resposta, o governo indiano comparou o protesto dos agricultores no Dia da República à invasão do Capitólio por extremistas de direita.

Depois de a polícia anunciar investigação dos autores do “kit protesto” e de várias contas nas redes sociais, a ativista Greta Thunberg postou no Twitter: “Eu #apoioosagricultores e seus protestos pacíficos. Ódio, ameaças e violações de direitos humanos nunca irão mudar isso”.

A hostilidade contra jornalistas vem crescendo. A organização Repórteres sem Fronteiras publicou um alerta pedindo proteção policial para a jornalista Neha Dixit, vencedora do Prêmio Internacional de Liberdade de Imprensa em 2019. Ela teve a casa invadida e recebeu ameaças de morte.

No ranking de liberdade de imprensa, a Índia está na 142ª posição, de 180 países. A Folha entrou em contato com o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da Índia, mas não obteve resposta.

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