Descrição de chapéu Coronavírus

Palco da primeira morte na Itália, Vo' virou laboratório para estudar avanço da Covid

Cidade foi completamente isolada, e os 3.000 moradores foram testados para o vírus

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Marco De Vidi
Vo' (Itália)

Vo' è uma pequena cidade italiana na província de Pádua, a 50 quilômetros de Veneza, conhecida principalmente pelos bons vinhos. Um ano atrás, no entanto, foi o cenário da primeira morte pelo coronavírus na Itália: Adriano Trevisan morreu no dia 21 de fevereiro, aos 77 anos, após dez dias de internação.

As notícias havia semanas falavam sobre o vírus que surgira em Wuhan, na China. Poucos dias antes, um turista chinês havia morrido na França em decorrência da doença. Mas a morte do primeiro cidadão europeu confirmou o pior medo: o coronavírus estava se espalhando pelo continente. O que estava acontecendo na Itália era a antecipação do que seria visto em muitos outros lugares do mundo: lockdown, fechamentos, testes para toda a população.

Mas Vo' era um caso atípico: em uma cidade isolada de 3.000 habitantes, foi possível testar a população inteira, dando origem a uma pesquisa sem precedentes sobre a doença.

Poucas horas antes da morte de Trevisan, a primeira infecção por coronavírus havia sido confirmada em um paciente de 38 anos em Codogno, na Lombardia. As pessoas que tiveram contato com esses dois pacientes foram rapidamente testadas, e em pouco tempo os casos aumentaram, principalmente nas regiões da Lombardia e do Vêneto —esta última, onde fica Vo'.

Para tentar conter a propagação do vírus no país, o governo italiano isolou Vo' e Codogno ainda no dia 22 de fevereiro: os municípios foram declarados zonas vermelhas. Postos de controle foram instalados nas várias entradas de Vo' —ninguém podia entrar nem sair, e as empresas e os comércios considerados não essenciais foram fechados.

"Depois que o primeiro caso foi detectado, a região do Vêneto decidiu testar todos os habitantes de Vo'. Isso gerou uma situação epidemiológica única. Nos perguntamos se uma segunda triagem poderia ser feita dez dias depois para medir o efeito das medidas de controle tomadas", explica o epidemiologista Andrea Crisanti, chefe da equipe da Universidade de Pádua, que realizou os testes em colaboração com o Imperial College de Londres. "Foi o primeiro screening de uma população inteira no mundo. Isto foi muito importante, porque pudemos analisar toda a população sem fatores de confusão."

Muitas das observações feitas naquela época acabaram sendo valiosas na gestão do vírus no mundo todo. Uma primeira parte dos resultados dessa pesquisa foi revelada em um artigo publicado pela revista científica Nature em junho de 2020.

"Mostramos que numa situação em que se testa toda uma comunidade, ou se testa um grupo de relações e todos os positivos são isolados, a transmissão do vírus fica praticamente bloqueada. Também mostramos que indivíduos assintomáticos contribuem em uma medida importante para a transmissão viral. Foi um estudo fundamental para compreender a dinâmica de transmissão do vírus e alguns aspectos que então se revelaram fundamentais para implementar medidas de controle", diz Crisanti.

A eficácia das medidas adotadas prontamente em Vo', baseadas no rastreamento dos contatos e no isolamento dos casos confirmados, ainda que assintomáticos, foi a base do modelo então adotado pela região do Vêneto. E tornou possível limitar as infecções e mortes por coronavírus, especialmente na primeira onda da pandemia.

Vo', em particular, registrou até agora um número muito baixo de mortes por coronavírus: foram apenas cinco, sendo três na primeira onda da pandemia, segundo o prefeito Giuliano Martini.

A segunda morte que atingiu a pequena comunidade foi a de Renato Turetta, no dia 10 de março. Ele tinha 67 anos e frequentava um dos muitos bares da cidade onde costumava jogar cartas e se encontrar com amigos —entre eles, Trevisan e Mario Dalbetto, que teve a doença e se recuperou.

Logo após o diagnóstico, Turetta foi internado e ficou completamente isolado até de sua família. "Todos os dias, o médico-chefe de Pádua ligava-me para dizer como ele estava", explica sua mulher, Cristina Tosetto. Turetta foi intubado e morreu após três semanas na UTI.

Segundo ela, nem os médicos e nem os enfermeiros sabiam como se comportar diante da doença. "Eles guardaram suas roupas e objetos pessoais no hospital para queimar tudo."

Cristina conta que o mairdo não teve um funeral apropriado. "Éramos só eu, minha filha, o padre e a irmã do Renato. Somente nós. Aqui, no cemitério, não na igreja."

Os templos religiosos haviam sido fechadas devido às restrições da zona vermelha.

O corpo de Turetta foi enterrado no cemitério de Cortelà, uma das quatro aldeias de Vo', e recebeu uma homenagem dos companheiros de Exército. "Ele era um ex-alpino, e as tropas alpinas fizeram uma pequena comemoração na praça, pedindo autorização porque as reuniões não eram permitidas", diz a filha, Manuela Turetta.

O susto dos primeiros dias, no entanto, fez com que Vo' se tornasse um exemplo importante na gestão da infecção. "Nos primeiros meses, fomos considerados infecciosos. Lembro-me que os vinhos enviados de uma adega local eram devolvidos ao remetente. Pensavam que as garrafas contivessem o vírus", conta o prefeito da cidade.

"Mas após esses primeiros momentos difíceis, a comunidade sentiu-se ainda mais unida, e a prevenção foi implementada de forma séria."

A cidade registrou seis novos casos na última semana, e os dados estão diminuindo constantemente. Nas cidades próximas, há pelo menos 50 ou 60 pessoas infectadas.

Segundo o prefeito, o maior número que a cidade registrou foi de 19 casos. "Nós continuamos a publicar nossos dados. Tudo isso contribuiu para mudar a imagem negativa que Vo' tinha no início da pandemia."

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