Senado cobra afastamento de Filipe Martins, e Bolsonaro procura cargo de compensação para aliado

Assessor foi flagrado fazendo gesto considerado obsceno e racista durante sessão com Ernesto Araújo

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Brasília

A cúpula do Senado fez chegar ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) o recado de que considerou inaceitáveis os gestos feitos na quarta-feira (24) pelo assessor internacional da Presidência, Filipe Martins, e que espera sua demissão do posto. A mensagem foi transmitida pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), e por outros senadores a ministros próximos a Bolsonaro.

De acordo com interlocutores, o presidente se convenceu de que dificilmente conseguirá manter seu aliado no posto e, no momento, procura um cargo de assessoria na Esplanada ou até mesmo no exterior para acomodá-lo longe do seu círculo mais próximo.

Nesta quarta, durante uma tensa sessão em que senadores cobraram a saída do chanceler Ernesto Araújo do cargo, Martins foi flagrado pelas câmeras do Senado gesticulando às costas de Pacheco.

Filipe Martins, assessor internacional da Presidência, faz gesto obsceno e racista em sessão do Senado
Filipe Martins, assessor internacional da Presidência, faz gesto obsceno e racista em sessão do Senado - Reprodução

Juntando o polegar ao indicador, ele manteve os demais dedos esticados e fez movimentos repetitivos com a mão ao lado do paletó. O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), líder da oposição, chamou a atenção dos presentes e disse que os gestos eram obscenos. Martins também foi criticado porque o gesto é ligado a movimentos racistas —ele tem histórico de uso de símbolos associados à extrema direita.

Os três dedos esticados simbolizam a letra "w", uma referência à palavra em inglês "white" (branco). Já o círculo formado representa a letra "p", para a palavra "power" (poder). Ou seja, o símbolo é apontado como simbolizando "poder branco". Pesquisadores que estudam símbolos da extrema direita alegam que o gesto é utilizado como uma mensagem codificada para que possam se identificar. A obscenidade também associada ao gesto vem de seu uso no Brasil, como uma forma de dizer "vai tomar no c.".

O assessor rechaça qualquer conotação racista no gesto e afirma que estava arrumando a lapela do terno.

Pacheco determinou que o ato seja investigado pela polícia do Senado. Embora tenha destacado que caberá à apuração tipificar a conduta de Martins, ele disparou contra o assessor nesta quinta-feira (25).

"Não podemos ter pré-julgamentos em relação ao fato, mas, verdadeiramente, vendo as imagens, nós identificamos um gesto completamente inapropriado para o ambiente do Senado", disse Pacheco.

"Queremos aqui, uma vez mais, repudiar todo e qualquer ato que envolva racismo ou discriminação de qualquer natureza, repudiar qualquer tipo de ato obsceno também, caso tenha sido essa a conotação, no Senado ou fora dele. E Senado não é lugar de brincadeira. Senado é lugar de trabalho."

A avaliação de conselheiros de Bolsonaro é a de que a situação de Martins —que já é alvo da ala militar do governo e de parlamentares ligados ao agronegócio— ficou inviável após o episódio.

O presidente conversou com o assessor e o orientou a submergir para baixar a pressão. Bolsonaro deve discutir o assunto com senadores na noite desta quinta, no Palácio da Alvorada.

Ao longo do dia, Martins conversou com cerca de dez senadores, inclusive da oposição, tentando se explicar. O auxiliar presidencial já pediu acesso a imagens de outras câmeras do local onde se deu o episódio, e ainda não prestou depoimento à Polícia Legislativa.

Segundo relatos, a cena de Martins gesticulando irritou particularmente Flávio Rocha, que acumula as chefias da Secom (Secretaria Especial de Comunicação Social) e da SAE (Secretaria de Assuntos Estratégicos). Pela estrutura do Planalto, o posto ocupado atualmente por Martins responde a Rocha.

Aliados de Martins tentaram justificar que ele teria reagido às fortes críticas direcionadas a Ernesto na audiência, mas a explicação foi considerada insuficiente por conselheiros palacianos e parlamentares.

A busca por um cargo de compensação tem sido comparada no governo ao episódio envolvendo o atual número dois da Secretaria-Geral da Presidência, Vicente Santini. Demitido da Casa Civil por Bolsonaro, em janeiro do ano passado, após usar um jato da FAB para uma viagem à Índia, Santini foi realocado meses depois numa assessoria do Ministério do Meio Ambiente. Recentemente, foi reconvocado ao Planalto para fazer parte da equipe do ministro Onyx Lorenzoni.

Discípulo de Olavo de Carvalho, Martins é um expoente da ala ideológica do governo e considerado um dos arquitetos da política externa conduzida por Ernesto. Ele acompanha Bolsonaro em praticamente todas as agendas envolvendo autoridades estrangeiras e defendeu a nova orientação dada pelo chanceler no Itamaraty: antagonismo com a China e alinhamento automático aos EUA do ex-presidente Donald Trump, além da adoção de uma pauta ultraconservadora em fóruns internacionais e apoio a Israel em temas relacionados ao conflito com os palestinos.

Não é a primeira vez que o assessor se vê em meio a um episódio envolvendo supremacistas brancos. Em abril de 2019, ele publicou em sua conta no Twitter um poema que abre o manifesto de Brenton Tarrant, autor de um ataque a tiros em uma mesquita na Nova Zelândia que matou 51 pessoas.

Tarrant é um nacionalista branco, contrário à diversidade racial, apoiador de Donald Trump e do brexit e inspirado, entre outros, pelo atirador Anders Breivik, cujos ataques em 2011 mataram 77 pessoas na Noruega.

Ao comparecer a uma corte, para responder pelos crimes cometidos, Tarrant fez o mesmo gesto que Martins repetiu no Senado.

Entre assessores de Bolsonaro, a situação em que Martins se encontra é vista como um passo anterior à saída de Ernesto do governo. O chanceler enfrenta um processo de fritura, e sua permanência na Esplanada hoje é contestada por Pacheco, pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), por um grupo de senadores e por lideranças do agronegócio e empresários.

A âncora de Ernesto no governo continua sendo o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente da República com forte influência no Itamaraty. Mas a avaliação é a de que a coalizão que se formou contra o ministro é tão ampla que Bolsonaro não terá saída a não ser demiti-lo.

De acordo com interlocutores, no entanto, o processo de substituição do chanceler deve ser mais demorado, uma vez que ele ocupa um cargo da mais alta relevância na estrutura de governo. A tendência, dizem, é que Bolsonaro conduza um processo de escolha antes de rifar Ernesto do Itamaraty.

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