Descrição de chapéu Itamaraty senado

No Senado, assessor da Presidência faz gesto obsceno e racista

Filipe Martins, expoente da ala ideológica do governo, foi flagrado gesticulando às costas de Pacheco

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Brasília

Em meio a uma sessão do Senado, o assessor internacional da Presidência da República, Filipe Martins, foi flagrado nesta quarta-feira (24) fazendo gestos obscenos e racistas às costas do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG).

Randolfe Rodrigues (Rede-AP), líder da oposição, queixou-se dos gestos feitos por Martins e pediu que ele fosse retirado das dependências da Casa.

Em países que vivenciam o crescimento de movimentos de extrema direita, o gesto feito é ligado ao movimento supremacista branco. Os três dedos esticados simbolizam a letra "w", que seria uma referência à palavra em inglês "white" (branco). O círculo formado representa a letra "p", para a palavra "power" (poder). Ou seja, o símbolo é apontado como simbolizando "poder branco".

Em meio a uma sessão do Senado, o assessor internacional da Presidência da República, Filipe Martins, é flagrado fazendo gesto ligado ao movimento supremacista branco às costas do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco
Em meio a uma sessão do Senado, o assessor internacional da Presidência da República, Filipe Martins, é flagrado fazendo gesto ligado ao movimento supremacista branco às costas do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco - Reprodução

Pesquisadores que estudam as simbologias da extrema direita alegam que o gesto vem sendo utilizado como uma mensagem codificada com o intuito de que membros de grupos racistas possam identificar uns aos outros.

A Liga Antidifamação, órgão americano que monitora crimes de ódio, também inclui o gesto feito por Martins entre os símbolos usados por esses grupos. A organização faz uma ressalva, porém, de que não se deve pressupor que qualquer pessoa que faça esse gesto esteja agindo em defesa da supremacia branca, já que, mais comumente, ele pode simbolizar um "OK".

A obscenidade também associada ao gesto vem de seu uso no Brasil como uma forma de dizer "vai tomar no c.".

No Twitter, Martins afirmou que estava ajeitando a lapela do terno e negou que tenha feito um gesto racista. "Um aviso aos palhaços que desejam emplacar a tese de que eu, um judeu, sou simpático ao 'supremacismo branco' porque em suas mentes doentias enxergaram um gesto autoritário numa imagem que me mostra ajeitando a lapela do meu terno: serão processados e responsabilizados; um a um."

O assessor do Planalto também publicou imagens do ex-presidente Lula e do youtuber Felipe Neto fazendo o mesmo gesto com a mão. "A oposição ao Governo atingiu um estado de decadência tão profundo que tenta tumultuar até em cima de assessor ajeitando o próprio terno", escreveu.

Martins acompanhava o chanceler Ernesto Araújo, que participava de sessão temática do Senado para explicar os esforços do Ministério das Relações Exteriores para obter vacinas contra o novo coronavírus .

O assessor estava sentado logo atrás de Pacheco. Em um momento em que o presidente do Senado discursava, Martins fez um gesto com as mãos, com o dedo indicador e o dedão fazendo um círculo, enquanto os demais dedos ficaram esticados.

Em um forte discurso, demonstrando revolta, o líder da oposição, o senador Randolfe Rodrigues, pediu que o assessor internacional da Presidência fosse autuado durante a sessão.

"Tenho conhecimento de que, durante a fala de Vossa Excelência [presidente Rodrigo Pacheco], o senhor que estava localizado logo atrás do senhor, e tenho um vídeo disso, o senhor Filipe Martins, que é assessor especial para assuntos internacionais do presidente Jair Bolsonaro, estava durante vossa fala proferindo, demonstrando gestos obscenos, no meu sentir", afirmou Randolfe.

"Eu não sei qual o sentido do gesto do senhor Filipe. Era bom que ele explicasse, mas isso é inaceitável. Em uma sessão do Senado, durante fala do presidente do Senado, um senhor está procedendo de gestos obscenos, está ironizando o pronunciamento do presidente da nossa Casa", continuou o senador.

"Isso é inaceitável, é intolerável. Eu peço, em questão de ordem, que conduza imediatamente esse senhor, se ele ainda estiver aí, para fora das dependências do Senado Federal. Essa sessão não tem como continuar, não temos como ouvir enquanto esse senhor que ofendeu o presidente do Senado e que ofendeu este plenário, os senhores senadores, as senhoras senadoras. Solicito, requeiro a Vossa Excelência, que ele seja retirado das dependências do Senado e inclusive autuado pela Polícia Legislativa."

Pacheco, no entanto, decidiu prosseguir com a sessão, afirmando que o caso seria analisado posteriormente. "Eu pedirei à Secretaria-Geral da Mesa, igualmente à Polícia Legislativa, que identifiquem o fato apontado, mas não prejudicarei o andamento desta sessão do Senado Federal, porque é muito importante nós ouvirmos o ministro de Estado das Relações Exteriores, que aqui comparece para poder fazer os esclarecimentos necessários aos senadores", afirmou Pacheco.

O presidente do Senado decidiu instaurar procedimento de investigação para apurar o fato e Martins deve ser ouvido pela polícia da Casa. De acordo com uma fonte do Planalto ouvida pela coluna Mônica Bergamo, Pacheco está exigindo a demissão imediata do assessor.

No Twitter, o Museu do Holocausto, primeiro espaço dedicado à memória da tragédia no Brasil, afirmou ter tomado conhecimento do gesto do assessor da Presidência com espanto. "É estarrecedor que não haja uma semana que o Museu do Holocausto de Curitiba não tenha que denunciar, reprovar ou repudiar um discurso antissemita, um símbolo nazista ou ato supremacista", escreveu. "No Brasil, em pleno 2021. São atos que ultrapassam qualquer limite de liberdade de expressão." ​

Martins, um admirador do escritor Olavo de Carvalho, guru intelectual do bolsonarismo, foi procurado pela Folha, mas não respondeu. Expoente da ala ideológica do governo, ele é considerado, ao lado do deputado Eduardo Bolsonaro, uma das principais influências hoje no Itamaraty liderado por Ernesto.

Não é a primeira vez que o assessor se vê em meio a um episódio envolvendo supremacistas brancos. Em abril de 2019, ele publicou em sua conta no Twitter um poema que abre o manifesto de Brenton Tarrant, autor de um ataque a tiros em uma mesquita na Nova Zelândia que matou 51 pessoas.

Tarrant é um nacionalista branco, contrário à diversidade racial, apoiador de Donald Trump e do brexit e inspirado, entre outros, pelo atirador Anders Breivik, cujos ataques em 2011 mataram 77 pessoas na Noruega. Na ocasião, Martins atualizou sua foto de perfil na rede social e publicou a imagem de um ataque de cavalaria. Acima dos cavaleiros, aparecia a inscrição “Do not go gentle into that good night”.

No Brasil, o poema citado por Martins, de autoria do poeta galês Dylan Thomas (1914-1953), foi traduzido por Augusto de Campos como “Não vás tão docilmente nessa noite linda”.

O poema abre o manifesto "The Great Replacement" (a grande substituição), publicado por Tarrant na internet e no qual ele explica os motivos e as influências que o levaram a cometer o massacre. O agressor transmitiu cenas do ataque ao vivo, pelo Facebook. No texto de mais de 70 páginas, ele se define como um “homem comum nascido na Austrália em uma família de classe trabalhadora e de baixo salário".

O título do manifesto é uma referência ao livro do polemista francês Renaud Camus. Na obra, Camus discorre sobre a "teoria" de que a maioria branca europeia está em curso de substituição por imigrantes não brancos da África do Norte e da África subsaariana, muitos dos quais muçulmanos.

Ao comparecer a uma corte na cidade de Christchurch, na Nova Zelândia, para responder pelos crimes cometidos, Tarrant fez o gesto racista que significa "white power".

Brenton Tarrant, autor de massacre na Nova Zelândia, faz gesto racista ao comparecer a corte em Christchurch
Brenton Tarrant, autor de massacre na Nova Zelândia, faz gesto racista ao comparecer a corte em Christchurch - Mark Mitchell - 16.mar.19/New Zealand Herald via Reuters

À época, o uso do poema por Martins foi criticado internamente no Itamaraty. Após a publicação de reportagem sobre o caso pela Folha, o assessor enviou uma nota em que afirmava que a associação de seu nome ao manifesto de Brenton Tarrant era ofensiva.

"Essa associação não é ofensiva apenas a mim, mas ao conjunto do governo brasileiro, de seu serviço exterior e, em grau ainda mais elevado, ao legado do poeta Dylan Thomas", disse. "Poucas coisas se aproximam do terrorismo, em matéria de estupidez e incivilidade. Uma delas é a predisposição de permitir que terroristas de qualquer vertente se apropriem da cultura ou de expressões artísticas, estigmatizando pinturas, poemas, músicas e filmes consagrados pelo uso indevido que fazem do patrimônio cultural em nome de suas agendas niilistas de destruição, morte e pânico psicológico", afirmou.

"Insinuar, como faz a Folha de S.Paulo, que uma menção a um dos poemas mais conhecidos do mundo expressa qualquer tipo de vínculo com o terrorismo, com a supremacismo branco e outras práticas execráveis não é apenas sinal de ignorância e de grande incultura, mas uma ofensa criminosa à minha honra e uma contribuição aos propósitos do perpetrador do massacre", ressaltou o assessor do Planalto.

Também em 2019, Martins usou um lema associado à ditadura da Espanha de Francisco Franco (1939-1975) em uma publicação nas redes sociais. Ao responder a uma mensagem de feliz aniversário do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), um dos filhos do presidente Jair Bolsonaro, o assessor terminou com o lema "¡ya hemos pasao!" (nós já passamos!).

"Valeu, irmão! É uma honra fazer parte deste momento e lutar ao lado de gente que está disposta a morrer pelo nosso país e a sacrificar tudo em nome do que é justo e bom. Que a escória continue se mordendo de raiva. ¡Ya hemos pasao!", publicou ele. A expressão é fortemente ligada ao franquismo, regime autoritário de direita que se instalou no país ibérico após o fim da Guerra Civil Espanhola (1936-39).

Historiadores calculam que o grupo de Franco tenha matado cerca de 100 mil pessoas durante a guerra, além de outras 30 mil no pós-guerra.

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