Contra o racismo, Correio espanhol lança selos acusados de racismo

Tons de pele mais claros valiam mais em cartela que foi retirada de circulação após protetos; objetivo era 'retratar injustiça que não deveria existir'

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Bruxelas

De boas intenções o inferno das redes sociais está cheio, comprovaram na semana passada os Correios da Espanha. O motivo foi uma cartela de selos lançada "para lutar contra o racismo", na qual quanto mais claro o tom de pele estampado, mais caro era o produto.

O selo de pele negra era vendido por 0,70 euro, menos da metade que o 1,60 euro cobrado pelo de pele branca. Os tons intermediários tinham preços de 0,80 (marrom) e 1,50 (bege escuro), respectivamente.

A diferença era proposital. Segundo os Correios, o objetivo era "mostrar uma realidade que não deveria existir". “Uma coleção que reflita a injusta e dolorosa realidade que enfrentam milhões de pessoas a cada dia”, afirma a campanha de lançamento.

O resultado, porém, não poderia ficar mais longe disso: além de receber críticas veementes de ativistas contra o racismo, a campanha alimentou uma onda de postagens preconceituosas nas redes sociais. Em poucos dias, mais de 26 mil pessoas encaminharam o post de lançamento da cartela.

Cartela de selos com o nome 'Selos da Igualdade', com quatro selos de diferentes cor de pele, com valor descrescente quanto mais escuro é o selo
Selos lançados pelos Correios da Espanha no Mês Europeu da Diversidade - Reprodução

Sobraram farpas até para o rapper El Chojín, ativista e autor de músicas como “Rap contra o Racismo”, que estrelou a campanha dos selos em mídias sociais. No vídeo, ele explica que o cidadão precisaria “de mais selos pretos do que brancos para sua entrega”. “Dessa forma, cada carta e cada pacote serão um reflexo da desigualdade gerada pelo racismo —um protesto."

“Uma campanha que deixa indignado aqueles que diz defender é sempre um erro", escreveu Antumi Toasije, presidente do Conselho para a Eliminação da Discriminação Racial ou Étnica. Para Moha Gerehou, ex-presidente do SOS Racismo de Madri, o vídeo de El Chojín deixa clara a intenção, mas a campanha tem um defeito de fundo irreparável: “O que transcende é que os negros valem menos que os brancos”.

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A empresa não respondeu às críticas, mas os selos desapareceram de sua loja online menos de uma semana após o lançamento. Também não está mais acessível em seu site o comunicado à imprensa em que foi anunciada a iniciativa, em parceria com a Federação SOS Racismo da Espanha.

A entidade publicou um pedido de desculpas nesta segunda (31), no qual afirma que a mensagem da cartela de selos foi “inadequada e confusa”: “Queríamos transmitir que a estrutura de todos os Estados e suas sociedades são racistas, mas falhamos”. A SOS Racismo diz também que o discurso de ódio contra não brancos desencadeado pelos selos “mostra a urgência de um debate público sobre estratégias para a luta antirracista, no curto e no médio prazo”.

Para Gerehou, a adoção na Europa da estratégia de empresas americanas de lançar campanhas antirracistas pode ser positiva, mas esconde perigos: “Se as iniciativas não são acompanhadas de mudanças profundas, servem apenas para lavar a imagem das corporações”.

Ele diz que os Correios ou qualquer outra empresa, se de fato quiserem agir contra o preconceito, precisam adotar passos concretos, como revisar a composição racial de suas equipes, repensar suas práticas de seleção e contratação e analisar desigualdades raciais na hierarquia da empresa.

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