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Hungria aprova lei que proíbe conteúdos considerados pró-LGBT para crianças

Legislação discriminatória compõe projeto político ultraconservador de primeiro-ministro em busca de reeleição

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Ribeirão Preto

Em meio a críticas de grupos de direitos humanos e da oposição ao premiê Viktor Orbán, o Parlamento da Hungria aprovou, nesta terça (15), uma lei que proíbe a disseminação em escolas de conteúdos que sejam caracterizados como meio de promoção da homossexualidade e da mudança de gênero.

O primeiro-ministro buscará um novo mandato no pleito do ano que vem, no qual tentará sua quarta vitória eleitoral consecutiva —ele comanda o país desde 2010. Para tal, tem apostado numa postura cada vez mais radical em políticas sociais, impondo restrições à comunidade LGBT, às discussões de gênero e às políticas de imigração, o que tem gerado um acirramento da polarização na Hungria.

Com uma agenda cristã conservadora, o Fidesz, partido de Orbán, apresentou o projeto de lei na semana passada como uma emenda a outra proposta que estabelece punições contra o crime de pedofilia —uma manobra legislativa que, na prática, diminuiu as probabilidades de que os parlamentares votassem contra. O resultado se traduziu em 157 votos favoráveis e um contrário, já que a oposição boicotou a votação.

Milhares de manifestantes protestam contra projeto de lei considerado discriminatório contra LGBTs em frente ao Parlamento da Hungria, em Budapeste
Milhares de manifestantes protestam contra projeto de lei considerado discriminatório contra LGBTs em frente ao Parlamento da Hungria, em Budapeste - Marton Monus - 14.jun.21/Reuters

A medida, que tenta estabelecer relações entre pedofilia e questões LGBT, desencadeou um protesto nesta segunda-feira (14), véspera da votação, às portas do Parlamento. Milhares de manifestantes se reuniram em Budapeste com bandeiras de arco-íris e palavras de ordem contra a proposta de lei.

"Isso é horrível e desumano", disse Dominika Pandzsa, funcionária de um jardim de infância, à agência de notícias Reuters. "Eles estão tentando privar as pessoas de todos os seus direitos. Isso trancaria algumas crianças no armário, e elas deveriam ter a oportunidade de se expor." De acordo com a legislação aprovada, "conteúdos que representem a sexualidade ou promovam desvio da identidade de gênero, mudança de sexo ou homossexualidade não devem ser acessíveis a menores de 18 anos".

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A lei determina a proibição da exposição de pornografia a crianças e adolescentes —mais uma forma de garantir apoio parlamentar ao projeto. Na prática, porém, segundo diversos grupos de direitos humanos, a restrição pode ser ampliada a qualquer material ou conteúdo que retrate orientações sexuais e identidades de gênero diversas, desde livros e filmes como Harry Potter até anúncios publicitários como os que a Coca-Cola veiculou no país em 2019. A propaganda do refrigerante mostrava um casal formado por dois homens e gerou uma onda de críticas e pedidos de boicote à marca por parte dos conservadores.

A nova legislação também determina a criação de uma lista restrita de organizações autorizadas a preparar palestras, oficinas ou aulas que abordem discussões de gênero e sexualidade nas escolas.

Para membros do Fidesz, a medida impedirá que esse tipo de evento seja usado para "influenciar o desenvolvimento sexual de crianças". Os correligionários de Orbán alegam ainda que os chamados "programas de sensibilização" que compõem diversas campanhas contra a discriminação na Hungria "podem prejudicar gravemente o desenvolvimento físico, mental e moral" das crianças.

A mesma linha de raciocínio foi utilizada no ano passado, quando um livro infantil chamado "Wonderland Is For Everyone" (o país das maravilhas é para todos) foi severamente criticado pelos políticos conservadores da Hungria. A obra de contos reúne histórias como a de dois príncipes que se apaixonam e de uma Branca de Neve com a pele negra. Segundo os criadores da coletânea, o livro visa a ajudar jovens a aprender a aceitar as minorias e combater o preconceito e o ostracismo social. A obra, no entanto, foi rotulada pelo governo como "propaganda homossexual" e banida das escolas.

Desde a semana passada, quando o projeto foi apresentado, grupos de defesa dos direitos humanos têm dito que a nova legislação restringe a liberdade de expressão e os direitos das crianças e põe em risco a saúde mental de jovens LGBT ao impedi-los de obter acesso a informação e apoio.

Nesta terça, a relatora do Parlamento Europeu sobre a situação na Hungria, Gwendoline Delbos-Corfield, também criticou a nova lei dizendo que "usar a proteção infantil como desculpa para atingir as pessoas LGBTQI é prejudicial a todas as crianças". Em dezembro do ano passado, uma decisão do Parlamento da Hungria de emendar a Constituição do país passou a definir "família" como "baseada no casamento e na relação entre pais e filhos". Segundo o texto modificado, "a mãe é uma mulher, o pai, um homem", e os filhos devem ser criados com um espírito conservador. Na prática, a lei húngara passou a proibir definitivamente a adoção de crianças por casais formados por dois homens ou duas mulheres.

O governo de Orbán também intensificou sua retórica anti-LGBT ao proibir pessoas transgênero, que não se identificam com o gênero atribuído no nascimento, de alterarem seus documentos pessoais. A lei aprovada em maio de 2020 substitui a categoria "sexo" no registro civil por "sexo atribuído no nascimento", definido como "sexo biológico baseado em características sexuais primárias e cromossomos".

A agenda ultraconservadora, no entanto, esbarra na impossibilidade de que leis como a aprovada nesta terça tenham algum efeito prático no sentido de "coibir" orientações sexuais consideradas não convencionais na Hungria. E exemplos disso ocorreram dentro do próprio partido do primeiro-ministro. ​

Também no ano passado, um membro do Fidesz, o eurodeputado József Szájer, foi preso em Bruxelas após participar de uma orgia enquanto a cidade adotava medidas duras de isolamento para conter uma nova alta de casos de Covid-19. Meia hora antes do toque de recolher determinado na cidade, a polícia entrou em um prédio próximo à Grand Place, um dos mais importantes pontos turísticos da capital belga, e encontrou 25 pessoas, a maioria homens e muitos dos quais sem roupa.

Estavam presentes diplomatas e políticos, e a polícia encontrou drogas no local.

Diante da repercussão do caso, Szájer deixou o partido de Orbán, para quem as ações do hoje ex-correligionário eram "indefensáveis" e iam contra os valores do Fidesz. Figura importante no cenário político do país e aliado do primeiro-ministro havia mais de 30 anos, ele ocupou uma cadeira na Assembleia Nacional da Hungria entre 1990 e 2004, quando foi eleito para o Parlamento Europeu.

A relação entre pessoas do mesmo sexo ainda é considerada um crime em 69 países, de acordo com o principal relatório mundial sobre o tema divulgado no ano passado, o "Homofobia de Estado", produzido pela ILGA (Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Trans e Intersexuais).

Com Reuters

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