Itamaraty anuncia mudança de local de concurso para diplomata a cinco dias da prova

Exame para admissão à carreira já foi adiado três vezes devido à pandemia de coronavírus

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São Paulo

Em meio à pandemia de Covid-19 e a restrições adotadas em diferentes regiões do Brasil, o Itamaraty remarcou o concurso de admissão à carreira de diplomata para o domingo (13). Antes, a prova estava marcada para ser aplicada no dia 30 de maio.

O adiamento, o terceiro deste ciclo, foi anunciado em 28 de maio e teve como justificativa decretos que restringiam uma série de atividades, como o funcionamento de universidades, e até mesmo a proibição da realização da prova nos estados de Pernambuco, Alagoas e Maranhão e na cidade de Curitiba.

A mudança de data gerou confusão entre os candidatos, uma vez que, como alguns locais mantiveram as restrições, inscritos de cinco capitais terão de se deslocar para outra cidade para realizar o concurso. A alteração foi divulgada no Diário Oficial da União de terça-feira (8), a cinco dias da data da prova.

O Palácio do Itamaraty, sede do Ministério das Relações Exteriores, em Brasília
O Palácio do Itamaraty, sede do Ministério das Relações Exteriores, em Brasília - Pedro Ladeira - 9.mar.17/Folhapress

Os candidatos que sofrerão impactos devido à mudança são aqueles que se inscreveram para fazer o exame em Curitiba, Teresina, Maceió, Recife e João Pessoa. Agora, segundo o edital, eles deverão se deslocar para Pinhais (PR), São Luís, Aracaju e, no caso das duas últimas, Natal.

O aviso em cima da hora gerou reclamações devido ao prazo apertado para organizar o deslocamento e a hospedagem. Consulta em sites de passagens aéreas na terça-feira mostrou tíquetes de ida e volta com preços de R$ 2.300 no trecho entre Recife e Natal a R$ 4.000 entre São Luís e Teresina.

O deslocamento por terra também significa longos percursos na estrada —são cerca de 200 km entre João Pessoa e Natal e 450 km entre São Luís e Teresina. Somente a alteração de Curitiba foi para uma cidade de fato próxima, já que Pinhais (PR) fica na região metropolitana da capital paranaense.

Essa mudança, porém, não é certa. O próprio edital prevê uma cidade alternativa, no caso de impossibilidade da realização do exame no local indicado como segunda opção —que, em teoria, está valendo para o domingo.

Segundo relatado à Folha, os inscritos de Curitiba receberam como local da prova um endereço em São José dos Pinhais (PR), e não em Pinhais (PR), ambas na região metropolitana. Nesta quinta, a cidade foi alterada para São José dos Pinhais em comunicado com os endereços de aplicação divulgado pelo Instituto Americano de Desenvolvimento (Iades), responsável pelo exame.

De acordo com o edital, “na hipótese de caso fortuito ou de força maior”, a prova poderá ser feita nessas cidades alternativas, e os candidatos serão avisados por email ou mensagem de texto no celular. O texto, no entanto, não informa com que antecedência isso pode ocorrer.

Em quatro das cinco cidades afetadas pela mudança, o concurso voltaria para a cidade original do inscrito. A exceção é Curitiba, que, no caso de impossibilidade de a prova ser aplicada em Pinhais (PR), os candidatos devem se deslocar para Florianópolis.

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A principal queixa, segundo relatou um candidato sob condição de anonimato, é a dificuldade de se organizar em meio a tanta incerteza, justamente na última semana antes da prova, o que atrapalha os estudos. O participante também critica o que classificou de inépcia do ministério, já que o STF (Supremo Tribunal Federal) autorizou a realização de concursos no dia 21 de maio, e o governador de Pernambuco, Paulo Câmara (PSB), permitiu a realização de prova da OAB no domingo, após reunião com a entidade.

Uma manifestação no Ministério Público Federal (MPF) foi feita por outro participante, que também não quis se identificar. Por meio de sua assessoria, o MPF disse que não se pronunciaria sobre o adiamento da prova, mas solicitou nesta quarta (9) um posicionamento do Instituto Rio Branco em até 24 horas.

Uma outra representação no MPF de Alagoas gerou uma recomendação do órgão publicada nesta quinta para que a prova seja realizada em todas as capitais.

O ministério entende que “a realização das provas sem levar em consideração essa heterogeneidade entre os Estados da Federação para os quais os candidatos foram redirecionados implica, inclusive, violação ao princípio da isonomia de participação entre os candidatos, [...] seja no que se refere à proteção da própria saúde, seja em relação ao cumprimento das medidas locais de enfrentamento à pandemia, seja em relação à locomoção para os locais das provas”.

As chances de o concurso ser suspenso por criar condições desiguais entre os candidatos, no entanto, são poucas, segundo Ricardo Macau, professor de direito constitucional e internacional em um curso preparatório para a prova do Itamaraty.

“Ainda que exista uma linha argumentativa em relação à possibilidade de prejuízo, porque tem candidatos no Brasil que vão fazer a prova sem gastar demais, acho muito difícil o Judiciário aceitar a argumentação de que, por violação da isonomia, o concurso teria que ser cancelado nacionalmente”, avalia.

Segundo Macau, a Justiça pode alegar que há a opção de não fazer a prova neste ano e que, ao se inscrever, o candidato assumiu o risco e os investimentos. “É lamentável, mas é algo que tem que ser considerado, porque faz parte do princípio da razoabilidade [adoção de padrões esperados]”, explica o professor. “Esse concurso tradicionalmente tem todo ano, não teve no ano passado devido à pandemia.”

Não há hierarquia entre isonomia e razoabilidade, afirma Macau, e "se o ganho maior for fazer o concurso e permitir que os cargos sejam providos, ainda que alguns candidatos não façam a prova, parece que a isonomia perde espaço e vai prevalecer a razoabilidade”.

Quando o Itamaraty remarcou o concurso no início deste ano, o professor havia dito à Folha que a carreira de diplomata apresenta déficit de profissionais. “Hoje, o quadro tem sido só de reposição, não se abrem novas vagas. Os concursos são para vagas abertas devido a aposentadoria, morte ou ainda exoneração”, explicou à época. “O universo das relações internacionais cada vez exige mais recursos, estratégia e diplomatas, e temos nos últimos anos apenas essa preocupação em preencher as vagas que já existem.”

A escassez de funcionários é um dos argumentos do Ministério das Relações Exteriores, em nota enviada à Folha, para a realização do concurso, afirmando que a não aplicação da prova traria prejuízo ao interesse público e às necessidades institucionais da pasta. No texto, o Itamaraty cita ainda outros concursos, como o da Polícia Rodoviária Federal e da Polícia Federal, realizados recentemente, e o exame da OAB, marcado para domingo. “Trata-se, ademais, de medida que visa a respeitar as legítimas aspirações dos candidatos que aguardam há quase um ano a realização das provas.”

A pasta defende ainda que as mudanças estão previstas nos editais e que foram feitas dentro dos prazos previstos. Segundo o ministério, não há registro de reclamações formais ou pedidos de mudança dirigidos ao Instituto Rio Branco. Sobre as cidades absorverem candidatos, o Itamaraty afirmou que “serão mantidos todos os protocolos sanitários” já publicados pelo Iades e que os “locais de prova e os locais alternativos são adequados para a realização do concurso, com a devida segurança para os participantes”.

Esta é a segunda vez que o concurso foi remarcado. Em junho do ano passado, quando o Brasil vivia seu primeiro pico da pandemia, o Itamaraty agendou a prova para agosto. Após ação do MPF, no entanto, o exame foi suspenso. Já em fevereiro deste ano, quando o Brasil entrava no pior momento da crise sanitária, uma nova data foi anunciada, para 11 de abril —esta adiada novamente para 30 de maio.

Nesta quarta, o Brasil registrou 84.854 novos casos e 2.484 novas mortes por Covid-19 —o maior número desde 20 de maio. A média móvel de mortes ficou em 1.727 óbitos por dia –o número está há 138 dias acima de mil mortes diárias, considerado um patamar bastante alto. Na vacinação, 51.846.929 pessoas receberam pelo menos uma dose no país —23.418.325 delas já receberam também a segunda.

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