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Jornal pró-democracia de Hong Kong fica à beira do fim após ação repressora da China

Conselho do Apple Daily decidirá futuro da publicação após operação policial que o acusa de violar lei de segurança nacional

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Hong Kong | Reuters

Depois de ter sua sede invadida por mais de 500 policiais em uma operação sob pretexto de defesa da segurança nacional em Hong Kong, o jornal pró-democracia Apple Daily pode encerrar suas atividades ainda nesta semana.

De acordo com um comunicado interno a que a agência de notícias Reuters teve acesso, o conselho editorial do jornal deve se reunir na próxima sexta-feira (25) para decidir seu futuro. "Se a diretoria decidir não continuar a operar, o envio de conteúdo online será interrompido às 23h59 [de sexta, no horário local], e o jornal encerrará suas atividades após publicação da edição de 26 de junho", diz o documento.

Segundo a imprensa local, no entanto, o fim do Apple Daily pode estar ainda mais próximo. A informação, ainda não confirmada pela Next Digital, empresa proprietária do jornal, é de que as operações podem ser encerradas já nesta quarta-feira (23), em decorrência dos pedidos de demissão da maior parte dos funcionários.

Apoiadora do Apple Daily exibe edição do jornal durante protesto em tribunal de Hong Kong - Peter Parks - 19.jun.21/AFP

O fechamento do jornal representaria o desaparecimento de uma das poucas publicações locais que ousam criticar as autoridades chinesas. Também seria uma grande vitória para as autoridades de Hong Kong aliadas ao regime central, que não escondem o desejo de silenciar o veículo.

Na semana passada, a polícia de Hong Kong invadiu a Redação do Apple Daily em uma operação que, segundo as autoridades, tratava de esclarecer possíveis violações da controversa lei de segurança nacional da ex-colônia britânica.

Cinco executivos do jornal foram presos, e dezenas de computadores e telefones usados pelos repórteres foram apreendidos. A polícia também determinou o congelamento de 18 milhões de dólares honcongueses (R$ 11,7 milhões). Segundo o secretário de segurança de Hong Kong, a Redação do jornal era uma "cena de crime" e suas reportagens eram "ferramentas para colocar em perigo" a segurança nacional.

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Entre os detidos, estão o editor-chefe Ryan Law e o diretor-executivo Cheung Kim-hung. Eles foram acusados de conluio com agentes estrangeiros —um dos quatro principais crimes previstos na lei de segurança nacional promulgada no ano passado— e tiveram pedidos de fiança negados pela Justiça no último sábado (19). Os outros três detidos durante a operação, o diretor operacional, o vice-editor-chefe e o diretor-presidente, foram libertados enquanto aguardam o desenvolvimento das investigações.

A operação policial foi o mais recente revés para o magnata da mídia Jimmy Lai, 73, dono do Apple Daily e ferrenho crítico de Pequim. Ele também teve seus bens congelados com base na lei de segurança nacional e, atualmente, cumpre pena de prisão por participar de manifestações contra o regime chinês consideradas ilegais em Hong Kong.

No memorando interno, o conselho editorial do Apple Daily diz que enviou uma carta ao Departamento de Segurança de Hong Kong pedindo que ao menos parte dos ativos bloqueados fosse liberada para que o jornal não viole leis trabalhistas ao deixar de pagar seus funcionários. A empresa teria pedido uma resposta até a próxima sexta.

Em entrevista à CNN americana, Mark Simon, consultor de Lai, disse que a operação foi uma tentativa de sufocar o jornal financeiramente. "Nosso problema não é falta de recursos, temos US$ 50 milhões [R$ 251,85 milhões] no banco. Nosso problema é que o secretário de Segurança e a polícia não nos permitem pagar nossos jornalistas, nossos funcionários e nossos fornecedores. Bloquearam nossas contas."

Procurado pela Reuters, o Departamento de Segurança disse que não comentaria o caso devido aos processos judiciais em andamento e que qualquer pedido relacionado às finanças congeladas seria tratado de acordo com a lei. Em um artigo publicado na edição deste domingo (20), o Apple Daily afirmou que considera contestar o congelamento de bens na Justiça caso as autoridades rejeitem o pedido.

Ainda no dia da invasão da Redação, o jornal publicou uma carta aos leitores em que dizia que foi vítima de um ataque direto do regime chinês, mas que sua equipe continuaria "firme em seus postos com lealdade" e lutaria "até o fim". Simon disse à Reuters na ocasião que o poder de decidir se o Apple Daily sobreviveria à repressão estava nas mãos das autoridades, e não dos executivos.

A operação foi a segunda vez que a polícia de Hong Kong invadiu o jornal. No ano passado, 200 homens entraram no prédio para prender Lai sob suspeita de conluio com forças estrangeiras —a mesma acusação que agora recai sobre os diretores do Apple Daily e que, segundo a legislação, é punível com penas que podem chegar a prisão perpétua, assim como atos que sejam considerados atividades subversivas, secessão e terrorismo.

Lai está detido desde dezembro, teve seu pedido de fiança negado e já cumpriu várias sentenças por participar de protestos não autorizados, incluindo a onda de manifestações que levou multidões às ruas em 2019.

Muito popular em Hong Kong, o Apple Daily foi fundado há 26 anos e mistura o discurso pró-democracia e as investigações jornalísticas sobre as figuras de poder na cidade à cobertura da vida de celebridades.

Entidades em defesa da liberdade de imprensa e representantes de governos ocidentais, como o secretário de Relações Exteriores do Reino Unido e o porta-voz do Departamento de Estado americano, condenaram a operação policial e deram declarações a favor da mídia independente.

O Gabinete do Comissário das Relações Exteriores da China, no entanto, disse em comunicado que a lei de segurança nacional protege a liberdade de imprensa, que, segundo o órgão, não deve ser usada como "escudo" para quem comete crimes, e alertou as forças externas para "manterem suas mãos longe de Hong Kong".

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