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Frank Bruni

O quanto nós, jornalistas, contribuímos para inflamar o tom furioso da política que tanto criticamos?

Preocupo-me também com a frequência com que jogamos de lado a ambivalência e a ambiguidade

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Frank Bruni
The New York Times

Eu preciso pedir desculpas a Ted Cruz.

Mas na verdade é para os leitores que eu deveria dizer: sinto muito.

Um dia, em 2015, eu precisava entregar uma coluna do New York Times dentro de algumas horas e não conseguia me decidir por um assunto. Então escolhi o caminho fácil de descarregar em Cruz, que era um dos vários nomes desinteressantes para a nomeação do candidato presidencial republicano.

Ben Wiseman/The New York Times

Ele era um ótimo alvo para críticas, disso não havia dúvida. Mas eu melhorei sua personalidade sombria, esclareci meus leitores ou promovi alguma causa válida ao compará-lo —repetidamente— com a entidade incontrolável do filme de terror "Corrente do Mal"?

Não. Simplesmente nadei na onda do sarcasmo. Eu fazia isso com muita frequência. Muitos colunistas fazem. Para começar, agora não sou mais um colunista. Assumi um emprego numa universidade e dividirei meu tempo entre dar aulas e escrever.

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Talvez isso seja melhor: dez anos é um longo percurso em qualquer missão, e embora esta tenha sido extremamente desafiadora e profundamente compensadora, eu sempre tive dúvidas.

Eu me preocupava, e continuo me preocupando, com o grau em que eu e outros jornalistas —especialmente os editorialistas— contribuíram para a dinâmica que criticamos: o teor tóxico do discurso americano, o tom furioso da política americana, o volume e a virulência de tudo.

Preocupo-me também com a frequência com que jogamos de lado a ambivalência e a ambiguidade. Essas não são necessariamente sinais de fraqueza ou pecados de indecisão. Podem ser reações adequadas a acontecimentos que ainda não entendemos, com resultados que não podemos prever.

Mas elas não substituem frases destemidas ou pontos de discurso ordenados. Por isso, nós, críticos, somos mercadores da certeza em um mundo onde há tanta coisa duvidosa e muitas perguntas sem uma resposta certa. Nesse caso, podemos estar encorajando a arrogância e a inflexibilidade em nossos leitores, espectadores e ouvintes. E esses atributos não precisam de incentivo nos EUA de hoje.

Não quero diminuir minha extrema consideração pelos jornalistas. A fake news sobre a qual Donald Trump uivou de modo tão incessante e conveniente não era nada falsa. Era empreendedora e infinitamente mais verdadeira que o próprio Trump. Eu continuo impressionado não só com as reportagens sobre o governo dele como pela capacidade dos repórteres de suportar os violentos ataques que sofreram.

E não sinto ambivalência quando se trata de Trump e quase nenhum arrependimento sobre minhas denúncias contra ele. Ele é um homem imoral e perigoso, inadequado para ser presidente. Isso precisava ser dito, mesmo que dizê-lo não tivesse efeito sobre seus seguidores.

Não há dois lados no que aconteceu em 6 de janeiro ou nos esforços de Trump e dos legisladores republicanos para subverter uma eleição democrática. Ambos foram condenáveis.

Mas eu qualifiquei "nenhum arrependimento" com "quase" porque há a questão do tom. A inclinação de Trump para a zombaria deu a nós que fazíamos sua cobertura um sinal verde para segui-lo, e eu fui um dos muitos que aproveitaram essa permissão. Não havia qualquer vergonha naquilo, e nos permitia voos de criatividade verbal que muitos leitores apreciavam.

Mas também não havia qualquer honra naquilo. Nós afundamos até o nível de Trump, e ele citou essa descida como a validação de sua hostilidade. A ridicularização recíproca seguiu em frente.

Seus vestígios irão poluir o jornalismo pós-Trump? Acredito que sim. E é uma pena.

Não sinto falta do caráter indigesto que definia grande parte do noticiário quando entrei no ramo, há 35 anos. Ele refletia um distanciamento emocional inatural e uma insistência na imparcialidade que produzia uma espécie de robotização moral. Mas sinto falta das nuances, que foram incineradas pelas cenas quentes de hoje. Não há tantos cliques para esfriar os ânimos e elaborar o entendimento das situações pelas pessoas quanto há para instigar sua raiva.

Veja as questões entrelaçadas da cultura do cancelamento e da livre expressão. Grande parte do que eu leio é absolutista: os lamentos agonizantes sobre a cultura do cancelamento são uma distração cinicamente exagerada da direita para as graves injustiças.

Ou os fanáticos despertaram e estão realizando uma purgação quase religiosa.

Acho que ambos podem ser verdade —dependendo das circunstâncias e dos detalhes, que variam de caso a caso e impedem qualquer julgamento sumário. Por isso, não escrevi sobre a cultura do cancelamento; não muito. Sim, é covardia. Mas, para me dar uma folga, também é uma reação racional a um mercado que não é dos mais racionais.

Acho que os campi exageraram demais ao reprimir os discursos dos quais não gostam, mas também acho que alguns discursos são tão intencionalmente injuriosos e elaboradamente cruéis que recusar-se a divulgá-los não é a derrota dos princípios constitucionais; é o triunfo da empatia. Nenhum decreto isolado pode governar todas as exigências. Mas essa é uma coluna tímida.

Quem pode realmente ter certeza de que descartar o obstrucionismo é a porta de entrada para a paz governamental? Quem pode ter certeza de que não é? Eu gostaria que alguém escrevesse uma ótima análise sobre a obstrução parlamentar que enfocasse duas verdades inegáveis: não temos ideia de qual seria o impacto final de uma mudança tão importante, e há argumentos poderosos a favor e contra ela.

Sobre essas e outras questões, opção A versus opção B é apenas uma moeda atirada para o alto. Quantos analistas dizem isso? Poucos críticos que propagaram a sabedoria em longo prazo do seguro-saúde para todos ou do impacto desprezível dos déficits orçamentários têm credenciais para tais profecias. Poucos dos analistas que afirmam o contrário têm bolas de cristal mais claras.

O que temos, com frequência, são pistas ideológicas nas quais estamos acostumados a dirigir e um conjunto de proteções laterais políticas que se estreitam no decorrer de nossas carreiras. Percebemos que somos mais bem recebidos por certas perspectivas; talvez os produtores de TV nos coloquem diante da câmera esperando certos clichês e panfletos; possivelmente somos pagos para falar em eventos com premissas, pelo menos tácitas, de que entregaremos o mesmo conteúdo que já apresentamos antes.

Por isso continuamos a servi-lo, até que paramos de reinvestigá-lo e confirmar seu mérito. É um gênero rentável. Mas também uma armadilha.

Um grande número de colunistas generaliza demais. Sei que fiz isso quando escrevi, em agosto de 2019, sobre a tenacidade do ódio e afirmei que os americanos contrários ao casamento homossexual "não suportam gente como eu" e outros gays. Um leitor chamou a minha atenção, dizendo que há uma diferença entre discordar de uma posição e detestar uma pessoa. Ele tinha razão. Mas essa distinção havia se perdido em minha prosa excitada.

Muitas colunas são menos análises sóbrias do que números de stand-up sarcásticos ou gritos primais. O stand-up e os gritos vendem. Minha coluna sobre Cruz foi um pouco de ambos, e eu gostaria de poder voltar atrás. Suas observações úteis —sobre a falta de estudos nulificadora, sobre a perigosa autoconfiança dele— foram superadas pelo meu exagero. E não posso criticar os políticos por modos indelicados e mentes grosseiras se essas inadequações também forem minhas.

Um mês e meio depois dessa arenga sobre Cruz, eu o ataquei de novo, e, embora citasse novos fatos, repeti velhas queixas. Posteriormente encontrei Dana Bash, da CNN, e depois de trocarmos as gentilezas habituais ela disse: "Você e o Ted Cruz!".

Decidi tomar isso como um elogio: ela lia e se lembrava das minhas colunas. Mas haveria uma crítica amigável misturada? Sobre como minha abordagem podia parecer automática e como esse material estava ficando desgastado? Eu gostaria de ter pensado nisso na época tanto quanto penso hoje.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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