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América Latina

No Peru, a polarização é representada por dois extremos antidemocráticos

Keiko e Castillo compartilham valores conservadores e o combate ao que denominam 'ideologia de gênero'

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Pedro Abramovay

É ex-Secretário Nacional de Justiça e doutor em ciência política pelo Iesp-Uerj

Miguel Lago

Cientista político, professor da Escola de Assuntos Públicos da Sciences Po (Paris) e da Escola de Assuntos Internacionais e Públicos da Universidade de Columbia (Nova York) e diretor do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS)

Os peruanos vão às urnas neste domingo (6) para fazer, essa sim, uma escolha difícil. De um lado, a candidata de extrema direita, Keiko Fujimori; do outro, o candidato de extrema esquerda, Pedro Castillo.

Keiko é filha de Alberto Fujimori, um ditador responsável pelas mais graves violações de direitos humanos dos anos 1990. Castillo, um militante anti-“ideologia de gênero" que promete romper com a ordem institucional do país.

Este segundo turno traz lições importantes para a política na região, e sobretudo para nós, brasileiros.

Os candidatos ao segundo turno no Peru, Keiko Fujimori e Pedro Castillo, durante seu último debate
Os candidatos ao segundo turno no Peru, Keiko Fujimori e Pedro Castillo, durante seu último debate - Sebastian Castaneda - 30.mai.21/Reuters

A primeira lição é a vitória do conservadorismo militante. No Peru, a base social mudou e, embora os católicos sejam majoritários, quem incide politicamente são os evangélicos —em particular os neopentecostais. Keiko e Castillo compartilham o combate ao que denominam “ideologia de gênero" e têm nos valores conservadores o carro-chefe de seus discursos políticos. Embora seja considerado de extrema-esquerda, Castillo é também “terrivelmente” ultraconservador. As pautas progressistas relativas a liberdades individuais e ao respeito aos direitos humanos estão fora do segundo turno no Peru.

A segunda lição é a de que a judicialização da política tem desestabilizado nossos sistemas políticos. Assim como no Brasil, a classe política peruana foi dizimada pelo Judiciário: dois presidentes caíram em cinco anos, um ex-presidente se suicidou, e isso abriu a porteira não para a renovação da classe política, mas para a emergência de extremistas e a infiltração de corruptos.

Tanto quanto no Brasil, a Operação Lava Jato peruana promoveu um sentimento de antipolítica que claramente flertou com um sentimento antidemocrático. O grupo político de Keiko Fujimori é reconhecidamente corrupto. No caso de Pedro Castillo, pesam contra o principal líder de seu partido e parlamentares eleitos pelo seu movimento graves denúncias de corrupção. A judicialização da política não afastou os corruptos, mas valorizou aqueles que não demonstram apreço pela democracia.

A terceira lição é a de que, em sociedades polarizadas, a fragmentação de candidaturas no primeiro turno favorece aqueles que melhor vocalizam os diferentes pólos. Pedro Castillo, um professor de escola do interior do país, totalmente desconhecido, obteve pouco mais de 19% dos votos. Fujimori ficou com 13%. Ou seja, dois terços do eleitorado votaram nos outros oito candidatos disponíveis que cobriam todo o espectro político democrático, da esquerda à direita, passando pelo centro.

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A quarta lição é a de que não se pode confundir polarização com extremismos. O fato de existirem dois polos não significa que sejam automaticamente dois extremos. No início da campanha, os meios de comunicação peruanos cometeram esse erro qualificando repetidamente de “chavista” a principal candidata de centro-esquerda. Foi surpreendentemente ultrapassada por Pedro Castillo —este, sim, um verdadeiro extremista.

O mesmo erro foi cometido aqui, em 2018, e persiste em artigos dos mais qualificados formadores de opinião de nosso país. Se de um lado o radicalismo de Keiko é comparável ao de Jair Bolsonaro (a peruana é certamente mais moderada que o brasileiro), Castillo não é da mesma natureza de Fernando Haddad ou de qualquer outro possível candidato da esquerda brasileira.

O peruano sustenta um discurso abertamente anticapitalista, propõe uma distribuição radicalmente igualitária das riquezas e prometeu fechar o Tribunal Constitucional do país. Castillo faz o PT parecer um partido conservador moderado.

No Peru, a polarização está representada por dois extremos antidemocráticos. Esse não foi nosso caso em 2018. Nem toda direita é fascista, nem toda esquerda é autoritária. Não dá para fazer de conta que candidatos democráticos não o são sem correr o risco de que o eleitorado não saiba mais diferenciar democracia de autoritarismo.

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