Descrição de chapéu Entrevista da 2ª

Cultura do cancelamento levará à radicalização, diz jornalista que se demitiu do NYT

Para Bari Weiss, geração de fanáticos em Redações impede que imprensa retrate a verdade

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São Paulo

Para a jornalista Bari Weiss, 36, veículos tradicionais de imprensa como o New York Times fazem mais realismo socialista do que retratam o mundo como ele é.

A referência à escola artística do período soviético pode parecer exagerada, mas é própria do estilo combativo de Weiss, que causou barulho em julho deste ano ao publicar uma carta de renúncia de seu emprego como articulista do NYT.

A jornalista Bari Weiss em entrevista à Fox News - Reprodução

No texto, endereçado ao publisher, A.G. Sulzberger, ela acusa o jornal de ser editado com base no Twitter e menciona um macartismo de sinal invertido, referência à caça aos comunistas nos anos 1950.

Crítica a movimentos como Black Lives Matter, ela havia sido contratada em 2017 pelo jornal, bastião da esquerda progressista americana, para ampliar o espectro ideológico de vozes oferecidas aos leitores.

Mas disse ter percebido que isso seria impossível depois da demissão do editor de Opinião do NYT, James Bennet, após pressão da Redação, sobretudo pessoas mais jovens. A seção havia publicado um artigo do senador Tom Cotton, em que pedia a ação de tropas federais contra manifestações violentas contra o racismo.

Desde que deixou o jornal, Weiss tem se dedicado a palestras e a escrever um livro. Judia e com visões pró-Israel, ela participou no mês passado da conferência anual da Conib (Confederação Israelita do Brasil).

Morando em Los Angeles, diz que tem aproveitado o isolamento da pandemia para também aperfeiçoar seus dotes culinários para a noiva, repórter do jornal que ela deixou.

*

Em sua carta de demissão, a sra. fala que o Twitter tornou-se o editor do NYT. A mídia capitulou às novas formas de comunicação? Antes da internet, o chefe era o anunciante. Esse modelo se desintegrou. Agora é o assinante, o leitor, e os que são estridentes em lugares como o Twitter têm influência desproporcional. O público do NYT é formado por liberais ou democratas, mais de 90%. O incentivo passa a ser dar aos leitores o que eles querem. Toda pressão empurra para publicar mais um artigo sobre como Trump é um monstro ou um palhaço. Há um desincentivo para contar verdades inconvenientes contra noções pré-concebidas. Cada vez mais, o NYT e outros veículos mostram uma pequena faixa do país, um mundo como os editores ou os leitores gostariam que fosse. É mais realismo socialista do que relatar as notícias.

Quando o NYT a contratou, a razão foi tornar o jornal mais diverso. Acha que era um desejo genuíno? As pessoas que dirigem o NYT sentiram, após a eleição de Trump, que haviam errado numa grande história. Você pode me chamar de ingênua, mas acho que eram genuínas no desejo de expor seus leitores a um espectro mais amplo. O problema é que muitas das pessoas mais jovens que contrataram têm uma visão diferente. Entraram no jornalismo para advogar coisas, estar do lado certo da história. Era inevitável que isso fosse resultar em algum tipo de conflito.

É algo geracional? Em grande medida, sim. Essas pessoas jovens, inteligentes, estudaram nas faculdades mais respeitadas do país. Mas essas faculdades são o ponto de origem desta nova ideologia. E as pessoas levam suas ideias para empregos em editoras, museus, jornais. Em vez de essas instituições transformarem os jovens, são os jovens que as transformam. Esse pequeno grupo fanático e moralmente justo maneja as mídias sociais e faz acusações de intolerância com total descaso. Aterroriza os que acreditam nos métodos tradicionais.

Universidades de esquerda sempre existiram. O que mudou agora? É a internet? Se eu quero ir à mídia social e ganhar pontos com meus amigos, é muito fácil, não leva dois segundos e não custa nada. Funciona quase como um movimento religioso. É capaz de, como muitas religiões em seus estágios iniciais, queimar muita coisa para conseguir o que quer. Essas ideias, tenham o nome que tiverem —política identitária, teoria racial crítica, justiça social— estavam contidas em departamentos periféricos de universidades. Mas como disse Andrew Sullivan [escritor britânico], todos nós vivemos num campus agora. Estamos vivendo no mundo dos departamentos de estudos de gênero.

O que a imprensa deveria fazer? A primeira coisa é empregar pessoas sem diploma universitário, que venham de lugares fora de Califórnia e Nova York. Pessoas com diferentes perspectivas do mundo, que não acham loucura ter eleitores de Trump em suas famílias. Há uma enorme abertura para esse tipo de jornalismo, mas não estou certa de que vai acontecer na imprensa tradicional. Pode ocorrer em newsletters mais independentes, podcasts etc, ou em novas instituições.

A sra. critica muito a mídia liberal, mas a conservadora não faz a mesma coisa? Claro. Conheço gente que olha para Fox News, Breibart ou OAN [veículos conservadores] como principal fonte de notícias, assim como conheço gente que lê o NYT ou vê a MSNBC [órgãos progressistas]. Eles vivem em diferentes universos epistemológicos. Talvez seja nosso futuro. Espero que não, porque não sei como uma democracia pode sobreviver se nós temos diferentes ideias sobre fatos básicos. Mas ainda tenho muita esperança na grande maioria que fica entre Rachel Maddow [apresentadora de esquerda] e Tucker Carlson [âncora conservador].

A demissão de James Bennet como editor de Opinião do NYT é a vitória do neomacartismo que a sra. aponta? Há centenas de exemplos. Uma diretora de escola em Vermont foi demitida porque disse que vidas negras importam, mas que não apoiava a organização Black Lives Matter [Vidas Negras Importam]. Os pecados que levam as pessoas a serem canceladas são ideias de senso comum, como de que há diferenças entre homens e mulheres. Dizer isso faz de você transfóbico?

A cultura do cancelamento é a grande ameaça hoje para o debate de ideias? Há duas grandes ameaças. Uma é que nós estamos vivendo em um mundo pós-moderno e da pós-verdade, no qual Trump é um enorme exemplo. Mas também acho que esse estreitamento do que é aceitável no debate público não vai fazer o que seus defensores desejam. O que eles esperam é que o progresso reine, a justiça social vença e todos os que já tiveram um pensamento intolerante em suas vidas sejam transformados. O que na verdade isso vai fazer é radicalizar as pessoas.

É possível vencer essa cultura? Claro que é. Diga: foda-se. Desculpe, não é para dizer isso. Diga que há coisas mais importantes do que ser convidado para a festa certa, ou conseguir uma promoção, ou mesmo manter o emprego. Essas coisas são não abandonar amigos à própria sorte, contar a verdade, lutar pelo espírito do liberalismo, ter tolerância à diferença, generosidade.

A sra. se sente cancelada? Não. Com certeza houve uma tentativa de me cancelar. Tenho pessoas que eu considerava amigas e me deixaram. Eu poderia ter ficado no NYT e tornar-me uma versão pela metade de quem eu sou. Minha decisão de sair foi porque não conseguia exercer o tipo de trabalho que eu queria. Não me importo com o que uma cabala fanática de ideólogos iliberais pensa sobre mim, meu trabalho ou minha vida.

Qual sua opinião sobre movimentos como Black Lives Matter e Me Too? Minha opinião é... [pausa de 5 segundos]. Estou pensando na melhor forma de dizer isso [pausa de mais 7 segundos]. Sou a favor de qualquer movimento que tente expandir a noção do que é possível, que mostre que pessoas foram excluídas do contrato social, que diga que temos de entender uns aos outros. O que acho perigoso em muitos dos atuais movimentos é que dizem algo muito niilista. Basicamente, que todos estamos condenados, ou restritos, ao modo como nascemos, que não há motivo para entender as outras pessoas, que estamos presos num tipo de luta de poder de soma zero de um contra o outro. É medieval dizer que alguns de nós nasceram em algum tipo de pecado original, pelas circunstâncias, ou a cor de nossa pele.

Como a sra. vê a maneira como Trump é retratado pela imprensa? O princípio para muitos é: homem laranja mau. É fácil ceder a isso, porque houve muita coisa ruim. O problema com isso é que desprezamos coisas positivas. Não é porque Trump diz que o céu é azul que eu vou dizer que é preto. Trump conseguiu o maior número de votos de minorias entre todos os candidatos republicanos desde 1960 na última eleição. Todos esses eleitores de minorias eram supremacistas brancos no armário? Ou talvez haja outra razão que os atraiu a Trump?

Alguma coisa vai mudar com Biden? Se você está perguntando se a polarização e o tribalismo vão embora, certamente não. A imprensa aprendeu as lições? Certamente não. A boa notícia é que acredito que haja uma abertura para a maioria. O dentista em Dallas ou o contador em Cleveland que não vivem no Twitter são as pessoas que estou interessada em alcançar. Há muitas coisas em que as pessoas podem concordar, como a falência do sistema de saúde, justiça criminal, salários mínimos, educação, ameaça de big techs e monopólios. Por que não começamos com elas?

A sra. se considera conservadora? Sempre me identifiquei como liberal, mas não sei o que isso significa hoje. Eu me considero centrista. Para ser honesta, não penso mais no que me considero. As definições para as coisas estão mudando muito. Estou concordando com Glenn Greenwald [jornalista de esquerda] em algumas coisas, então quem sabe?


Raio-x

Bari Weiss, 36
Graduada em jornalismo pela Universidade Columbia, trabalhou nos jornais The Wall Street Journal (2013-17) e The New York Times (2017-2020) e escreveu o livro “How to Fight Anti-Semitism” (2019)

Erramos: o texto foi alterado

Versão anterior desse texto afirmou que a jornalista Bari Weiss tinha um noivo, mas é uma noiva, a repórter Nellie Bowles. O texto foi corrigido.

 

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