Secretário de Defesa dos EUA diz apoiar mudanças em julgamentos de militares por agressão sexual

Atualmente, 7% dos casos que o comando militar leva à Justiça resultam em condenação

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Washington | The New York Times

O secretário de Defesa dos EUA, Lloyd Austin, sugeriu a parlamentares na quinta-feira (10) ser a favor de mudanças no modo como as Forças Armadas lidam com casos de violência sexual. Ele se negou, porém, a endossar uma medida promovida pela senadora democrata Kirsten Gillibrand, de Nova York, que tiraria a cadeia de comando militar do julgamento de muitos outros crimes graves.

O apoio de Austin a mudanças no tratamento dado a casos de agressão sexual representa uma transformação importante de postura da liderança militar, que há anos resiste a chamados para acabar com a prática de processar esses casos por meio de sua cadeia de comando.

Mas a oposição dele a modificações mais amplas no sistema de Justiça militar propostas por Gillibrand pode desencadear um confronto entre o Pentágono e um grupo bipartidário de senadores.

“Está claro que o que temos feito até agora não tem funcionado”, disse Austin ao Comitê das Forças Armadas do Senado. “Uma agressão que seja já é demais. O número de agressões sexuais ainda é alto, e a confiança em nosso sistema ainda é muito baixa.”

O secretário de Defesa dos EUA, Lloyd Austin, em audiência no Senado
O secretário de Defesa dos EUA, Lloyd Austin, em audiência no Senado - Jonathan Ernst-6.jun.21/Reuters

Em 2019, o Departamento de Defesa contabilizou 7.825 denúncias de agressão sexual tendo militares como vítimas, um aumento de 3% em relação a 2018. A taxa de condenações nos processos não mudou de 2018 para 2019: 7% dos casos que o comando militar levou à Justiça resultaram em condenação.

Foi o índice mais baixo desde que o departamento começou a apresentar relatórios sobre processos por agressão sexual, em 2010.

Em vez de abraçar o projeto de lei de Gillibrand, Austin aparentemente endossou as recomendações de um painel que ele próprio nomeou neste ano para estudar o assunto. O painel recomendou que advogados militares independentes assumam o papel exercido hoje por comandantes para decidir se os militares acusados de agressão sexual, assédio sexual ou violência doméstica devem ser levados à corte marcial.

Austin disse: “As questões de agressão sexual e assédio sexual são os problemas que queremos resolver e melhorar”.

O presidente Joe Biden assinalou que está a favor da abordagem mais ampla da senadora Gillibrand, pelo menos por ora. O projeto de lei dela já recebeu o apoio de pelo menos 70 senadores –incluindo muitos que votaram contra o mesmo projeto em 2014, argumentando que enfraqueceria os comandantes— e de deputados-chave.

O senador democrata Jack Reed, de Rhode Island, presidente do Comitê das Forças Armadas, considera que o projeto de lei de Gillibrand vai longe demais. Ele vem trabalhando com autoridades do Pentágono nos bastidores para limitá-lo.

“Quero ter certeza de que quaisquer modificações ao UCMJ que eu vier a recomendar ao presidente e em última análise a este comitê sejam adequadas ao problema que estamos tentando resolver, que haja um caminho claro para sua implementação e que restaurem a confiança na força do sistema”, disse Austin, aludindo ao Código Uniforme de Justiça Militar, a peça fundamental do sistema legal militar dos EUA.

“Estou engajado com isso e comprometido a trabalhar prontamente enquanto os senhores analisam propostas legislativas.”

As observações do secretário de Defesa podem desencadear uma batalha política acirrada em torno de qual abordagem o Congresso vai adotar. Essa disputa colocará à prova o poder de Kirsten Gillibrand entre seus aliados bipartidários no Senado, entre os quais o democrata Chuck Schumer, líder da maioria na Casa, que pode acabar sendo obrigado a tomar partido para determinar o destino da medida.

De uma maneira ou de outra, é praticamente certo que os comandantes militares percam o controle total sobre os processos de militares acusados de violência sexual. “Transformações estão chegando no departamento”, disse Reed.

Durante a audiência, Gillibrand e uma de suas colegas republicanas no comitê, a senadora Joni Ernst, de Iowa, pressionaram Austin para esclarecer melhor seus pontos de vista sobre a questão. Gillibrand sugeriu que se outros crimes graves não forem incluídos na medida, isso contribuirá para disparidades raciais nos casos levados à corte marcial. A sugestão parece ter feito parte de uma estratégia para convencer Austin e os parlamentares céticos remanescentes.

Mas, apesar de Austin ter elogiado o trabalho da senadora sobre essa questão nos últimos dez anos, ele também assinalou que não é a favor da natureza ampla da legislação que ela defende.

“Quaisquer mudanças que venham a ser adotadas daqui para a frente serão devidas em grande parte à sua dedicação incrível a este tema”, disse ele a Gillibrand. “Como a senhora sabe, senadora, sempre tive mente aberta para buscar soluções para qualquer problema refratário”, prosseguiu, acrescentando que sua comissão vem enfocando a agressão e o assédio sexuais.

Quando sua indicação foi confirmada pelo Senado, Austin disse que uma de suas maiores prioridades seria punir as agressões sexuais mais rigorosamente. Em fevereiro, ele nomeou uma comissão independente para analisar o assunto e propor recomendações para serem consideradas por ele e pelos comandantes das armas.

Os membros do painel querem criar uma nova carreira no Departamento de Defesa na qual advogados militares seriam formados especialmente para lidar com esses casos. Isso, por si só, já representaria uma mudança importante no modo como os militares trabalham. Austin quer que os comandantes das armas revejam as recomendações.

Lá Fora

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A vice-secretária da Defesa, Kathleen Hicks, primeira mulher a exercer o papel de número 2 no Pentágono, e o general Mark Milley, chefe do Estado-Maior Conjunto, já disseram que se convenceram de que o sistema atual não defende as vítimas.

Milley disse na quinta-feira: “Tenho algumas evidências, alguns estudos, mostrando que membros juniores das Forças Armadas, especialmente mulheres, perderam fé e confiança na capacidade de nossa cadeia de comando resolver casos de agressão sexual”.

Mas, disse ele, acrescentar outros crimes a qualquer revisão do sistema de justiça militar “requer estudos detalhados”. Ele afirmou que tem “a cabeça totalmente aberta em relação a isso”.

Um relatório vindo no ano passado de Fort Hood, no Texas, detalhando uma cultura de assédio e abusos, reforçou a medida proposta por Gillibrand e os esforços paralelos na Câmara.

Tradução de Clara Allain

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