Descrição de chapéu Mundo leu

Biografia esmiúça vida do personagem mais extraordinário da Revolução Haitiana

Britânico Sudhir Hazareesingh levantou material inédito em França, Espanha e EUA para recontar vida de Toussaint Louverture

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Carlos Graieb
São Paulo

Segundo as frases mais do que repetidas do alemão Bertolt Brecht, os países são tristes quando não têm heróis e quando precisam deles. Se isso for verdade, a falta de heróis talvez seja a única tristeza que não se pode atribuir ao Haiti, um país infinitamente miserável e enredado em crises, que no momento lida com o vácuo de poder criado pelo assassinato do presidente Jovenel Moïse.

Na virada do século 19, a Revolução Haitiana produziu alguns dos personagens mais extraordinários da história do chamado mundo Atlântico. O mais singular entre eles foi, sem dúvida, Toussaint Louverture.

No final de 2020, Louverture ganhou uma nova biografia em inglês, "Black Spartacus" (O Espártaco Negro). Ela tem sido indicada para um punhado de prêmios. Seu grande mérito está na pesquisa: o historiador britânico Sudhir Hazareesingh, da Universidade Oxford, levantou material inédito em arquivos da França, da Espanha e dos Estados Unidos.

Capa da biografia 'Black Spartacus', escrita por Sudhir Hazareesingh, sobre o revolucionário Toussaint Louverture
Capa da biografia 'Black Spartacus', escrita por Sudhir Hazareesingh, sobre o revolucionário Toussaint Louverture - Divulgação

Do ponto de vista documental, escreveu a melhor biografia disponível sobre o soldado e estadista negro, que liderou a guerra de emancipação dos escravos na então colônia francesa de Saint-Domingue invocando um ideal de liberdade que, naquele momento, até os filósofos mais brilhantes do iluminismo reservavam somente aos homens brancos.

É curioso que Louverture seja pouco lembrado no Brasil. Movimentos negros do mundo todo o mencionam com frequência. O único livro a seu respeito disponível por aqui é o clássico "Os Jacobinos Negros" (Boitempo), publicado em 1938 pelo trinidadiano C.L.R. James.

Marxista, James pintou Louverture como precursor do anti-imperialismo. Hazareesingh põe ênfase muito maior na adesão de Louverture ao princípio republicano da igualdade, indiferente a raça, credo ou cor. Impedir que a escravidão fosse restaurada no Haiti teria sido, para Louverture, a meta inegociável. Mais do que assegurar a soberania da ilha.

Lá Fora

Receba toda quinta um resumo das principais notícias internacionais no seu email

É verdade que a Constituição redigida em 1801, sob os olhos atentos de Louverture, dava enorme autonomia ao Haiti. Segundo Hazareesingh, contudo, o soldado não tinha ilusões: esperava que Napoleão Bonaparte, que então governava a França, rejeitasse aquela ideia. Estava pronto a negociar.

O fato de Louverture não ter desmontado o sistema de agricultura colonial seria a prova de que ele pretendia preservar, em grande medida, os interesses franceses no Haiti.

Em vez de dividir as fazendas de cana e algodão em propriedades menores, ele convenceu, ou mesmo forçou os ex-escravos a retornar às plantações. Vem daí a principal crítica ainda hoje feita a ele. Mesmo que agora remunerados, os trabalhadores continuaram a odiar o velho modelo de produção —o que levaria a novas convulsões sociais no futuro.

Hazareesingh, contudo, não permite que essa crítica diminua Louverture. Segundo ele, obrigado a levar em conta tanto os interesses da França quanto as carências locais, após mais de uma década de guerras, Louverture fez uma escolha lógica ao reativar as plantações que haviam tornado a colônia a mais próspera do Caribe.

Napoleão não deu a Louverture a oportunidade de negociar. Enviou um grande aparelho de guerra ao Haiti. Suas tropas sairiam derrotadas dessa guerra, em 1804. Mas, antes disso, Louverture foi capturado e levado a um calabouço na metrópole, onde morreu.

O martírio, obviamente, compõe o mito de Toussaint Louverture. Juntamente com a incrível resistência física, a coragem em combate, o gênio militar, a astúcia diplomática, a habilidade retórica e o poder de conciliar pragmatismo e idealismo. Hazareesingh procura demonstrar que todas essas qualidades têm base na realidade. Em "Black Spartacus", o Haiti mantém o seu herói.

Black Spartacus

  • Preço R$ 103 (e-book, na Amazon)
  • Autor Sudhir Hazareesingh
  • Editora Farrar, Straus and Giroux
  • Págs. 447
  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.