Primeiro-ministro do Haiti é suspeito de mandar matar presidente, diz imprensa colombiana

Ideia inicial era sequestrar Jovenel Moïse e assumir comando do país

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

O primeiro-ministro interino do Haiti, Claude Joseph, passou a ser investigado como suspeito de mandar matar o presidente Jovenel Moïse para tomar o poder, segundo a imprensa colombiana. Joseph assumiu na prática o comando do país desde a morte de Moïse, na madrugada do último dia 7.

A investigação foi revelada nesta quarta (14) pelo canal de notícias Caracol, da Colômbia —mais de 20 ex-militares do país estão envolvidos no assassinato, 18 dos quais estão presos, e três, mortos. Após a publicação da reportagem, a polícia haitiana, subordinada ao atual premiê, negou a informação.

O primeiro-ministro interino do Haiti, Claude Joseph, em entrevista à imprensa após a morte do presidente Jovenel Moïse
O primeiro-ministro interino do Haiti, Claude Joseph, em entrevista à imprensa após a morte do presidente Jovenel Moïse - Ricardo Arduengo/Reuters

Joseph deixaria o cargo no dia em que Moïse foi morto. Dois dias antes, o presidente havia nomeado Ariel Henry como próximo primeiro-ministro do país —o sétimo em quatro anos—, substituindo assim o atual. Com a morte do líder haitiano, a troca não aconteceu, ainda que Henry reivindique o posto.

De acordo com a imprensa colombiana, autoridades haitianas e investigadores do FBI consideram Joseph, o ex-senador John Joël Joseph, que está foragido, e o médico Christian Sanon os mandantes do crime.

Ainda segundo a TV Caracol, os planos para o assassinato teriam sido desenhados a partir de novembro na sede da empresa de segurança CTU, com sede em Miami, nos EUA, em reunião com a participação dos supostos mandantes, de um diplomata haitiano, de dois colombianos chefes dos mercenários e do dono da CTU. O objetivo seria sequestrar Moïse para colocar Claude Joseph na Presidência.

Para chegar aos nomes, a investigação analisou fotos da reunião e chamadas telefônicas que vinculam o premiê à CTU, empresa que teria contratado os mercenários colombianos que atuaram no crime. O envolvimento de Joseph foi detalhado em depoimentos dos militares presos, também segundo a Caracol.

Lá Fora

Receba toda quinta um resumo das principais notícias internacionais no seu email

De acordo com a investigação, a CTU e outras empresas de segurança investigadas entraram em contato com ao menos 200 militares colombianos aposentados para oferecer um trabalho no Caribe.

Quase todos recusaram a proposta, mas os mandantes conseguiram recrutar 21 homens, a maioria dos quais com treinamento das forças especiais de segurança da Colômbia. Deste grupo, segundo a imprensa colombiana, apenas sete sabiam que a missão verdadeira era sequestrar o presidente.

Em entrevista à rádio local La FM nesta quinta, o presidente da Colômbia, Iván Duque reforçou a hipótese, ao dizer que "havia um grande grupo que foi levado numa suposta missão de proteção" e que, por outro lado, "havia um grupo menor que aparentemente sabia em detalhes se tratar de uma ação criminosa".

A operação começou em 6 de maio, quando os colombianos chefes dos mercenários desembarcaram na República Dominicana, país vizinho ao Haiti, vindos do Panamá. No mesmo dia, eles se encontraram com um diplomata haitiano de sobrenome Askard, segundo a TV colombiana, que se encarregou de conseguir vistos para os militares entrarem no país, o que veio a se concretizar quatro dias depois.

Em Porto Príncipe, capital haitiana, os colombianos se hospedaram na casa do médico Christian Sanon, suspeito de ser um dos mandantes, próximo da residência de Moïse. Segundo depoimentos dos presos, eles se reuniram com membros do Tribunal Supremo de Justiça do Haiti e políticos importantes, como o ex-senador John Joël Joseph, que o grupo chamava de "triplo J", além do próprio primeiro-ministro.

Nesse encontro, o premiê disse, segundo os depoimentos, que haveria uma mudança de plano: os militares não deveriam sequestrar o presidente, mas matá-lo. Ele teria dito que seria o novo presidente e se encarregaria de dar proteção e trabalho aos colombianos. Com o novo plano, dois dos militares se recusaram a seguir na operação e decidiram voltar para a Colômbia —a missão continuou sem eles.

Outra versão, também revelada nesta quinta, de acordo com relatos dos ex-militares presos à polícia colombiana, é a de eles teriam sido contratados para capturar Moïse e entregá-lo à DEA, agência antidrogas dos EUA. "Isso é o que eles dizem", afirmou o general Jorge Vargas, chefe da polícia do país.

Alguns dos militares colombianos aposentados acusados de envolvimento no assassinato de Moïse receberam treinamento militar do Departamento de Defesa dos EUA, admitiu o Pentágono nesta quinta.

"Uma revisão das nossas bases de dados de treinamentos indicou que um pequeno número dos colombianos detidos como parte da investigação participaram de treinamento militar e programas educacionais nos EUA no passado, enquanto serviam como oficiais da ativa das Forças Armadas da Colômbia", disse o tenente-coronel Ken Hoffman à agência de notícias Reuters, sem dizer quantos são.

É comum que militares americanos façam treinamentos com forças de segurança da região, disse ele, acrescentando que o treinamento "enfatiza e promove o respeito pelos direitos humanos, cumprimento do Estado de Direito e subordinação das forças aos líderes civis eleitos democraticamente".

Segundo a TV Caracol, o fato é que em 4 de junho o restante dos colombianos contratados chegou à República Dominicana em um avião vindo de Bogotá e entrou no Haiti por terra. Em quatro semanas, eles fizeram os ajustes finais da missão, executada em 7 de julho, quando sete colombianos e três haitianos invadiram a casa de Moïse. Como os agressores entraram na casa do presidente sem dificuldades, a polícia deteve quatro agentes de segurança do líder morto, incluindo o chefe da guarda. Outros 24 são investigados por suspeita de envolvimento no crime, já que poderiam ter facilitado a invasão.

Logo em seguida à morte de Moïse, Joseph declarou estado de sítio durante duas semanas, medida que ampliou os poderes do Executivo. Sua legitimidade, porém, sempre foi questionada, já que o sucessor, segundo a Constituição, seria o presidente do Tribunal Supremo de Justiça do Haiti. O cargo, porém, está vago desde que seu titular, René Sylvestre, morreu de Covid-19.

Dois dias após o assassinato, o Senado do país aprovou uma resolução para indicar Joseph Lambert, líder da Casa, como presidente. O Senado, no entanto, conta atualmente com apenas 10 dos 30 assentos preenchidos, e só oito parlamentares concordaram com a medida.

De acordo com a resolução aprovada, Lambert deveria conduzir o país até 7 de fevereiro de 2022 e teria a missão de organizar novas eleições. Assim, os senadores consideram que Joseph não pode seguir no cargo de premiê nem governar o país, pois havia sido destituído por Moïse dois dias antes de sua morte.

Em um primeiro momento, Joseph recebeu apoio dos EUA e da ONU para que seguisse na liderança do país até a realização das eleições, em setembro, sob o discurso de que a prioridade é encontrar os mandantes da morte. A revelação da imprensa colombiana colocará essa narrativa em xeque.


Quem é quem na morte do presidente do Haiti

VÍTIMA

  • Jovenel Moïse: presidente do Haiti morto em 7 de julho

MANDANTES SUSPEITOS

  • Claude Joseph: primeiro-ministro interino, é suspeito de ser um dos mandantes do crime para tomar o poder, segundo a imprensa colombiana
  • John Joël Joseph: ex-senador, opositor do Tet Kale, partido de Moïse, está foragido e é apontado pela polícia como um dos mandantes do crime
  • Christian Emmanuel Sanon: ​médico e pastor, vive na Flórida, no sul dos Estados Unidos, e também tinha pretensões políticas, segundo a polícia; está preso

OUTROS ENVOLVIDOS

  • CTU: empresa de segurança com sede em Miami; investigação aponta que foi a responsável por contratar militares colombianos aposentados para executar o crime
  • Militares aposentados colombianos: investigação indica que mais de 20 ex-militares estão envolvidos, a maioria dos quais com experiência nas forças especiais da Colômbia; 18 colombianos estão presos e três foram mortos. Autoridades dizem que a maioria deles foi contratada como guarda-costas e não sabia que a missão era matar o presidente
  • Estados Unidos: operação foi planejada a partir da Flórida, nos EUA, segundo as investigações, e dois antigos informantes da DEA (agência antidrogas dos EUA) são suspeitos no crime, um preso e um foragido; Pentágono admitiu que no passado treinou alguns dos militares colombianos
  • Seguranças de Moïse: autoridades investigam como os criminosos entraram na casa do presidente sem dificuldades. Dimitri Hérard, chefe da segurança presidencial, e três agentes foram detidos, afirma a polícia; outros 24 são investigados

OUTROS ATORES

  • Ariel Henry: havia sido nomeado primeiro-ministro e iria assumir o cargo no dia da morte do presidente, o que não ocorreu devido ao assassinato. Após o crime, Henry reivindicou o posto
  • Joseph Lambert: Líder do Senado, foi indicado pela Casa para comandar o país após a morte de Moïse, mas Claude Joseph continua como líder de fato do país
  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.