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Após atos mais intensos em décadas, líder de Cuba mira redes sociais e EUA

Díaz-Canel volta a apontar embargo como raiz dos problemas; regime corta internet em todo o país

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Buenos Aires

O líder do regime cubano, Miguel Díaz-Canel, disse, em pronunciamento na manhã desta segunda (12), que os protestos ocorridos no dia anterior, os maiores em décadas na ilha, foram realizados por “delinquentes” que “manipulam as emoções da população por meio das redes sociais”.

Em misto de reunião com a cúpula do regime, pronunciamento e entrevista coletiva, Díaz-Canel afirmou que a razão pela qual há escassez de alimentos e remédios na ilha é o bloqueio comercial imposto há 60 anos pelos EUA, o que demonstra, de certa forma, que o dirigente reconhece a existência de uma crise no país.

O líder de Cuba, Miguel Díaz-Canel, durante pronunciamento em Havana
O líder de Cuba, Miguel Díaz-Canel, durante pronunciamento em Havana - Governo de Cuba/Divulgação

O líder cubano também disparou contra os manifestantes, a quem chamou de vulgares e indecentes, afirmando que eles tiveram, “assim como na Venezuela, a resposta que mereciam”.

No dia anterior, quando fez seu primeiro pronunciamento à nação, convocou apoiadores a saírem às ruas para enfrentar o que chamou de provocações, declaração que foi vista por parte da comunidade internacional como ameaça.

José Miguel Vivanco, diretor da ONG Human Rights Watch para as Américas, afirmou que “muitos estão cansados dos abusos do regime e perderam o medo”. O presidente americano, Joe Biden, também se manifestou, dizendo em um comunicado que “os EUA pedem ao regime cubano que, em vez de enriquecerem, escute o povo e atenda às suas necessidades”.

Na reação aos ativistas que saíram às ruas de toda a ilha para protestar, algo que não se via há muitos anos, Díaz-Canel mostrou ainda imagens de saques a lojas e questionou: “Se falta comida, por que roubam geladeiras e TVs?”.

Rogelio Polanco, chefe do departamento ideológico do Comitê Central, foi na mesma toada e classificou o movimento de “muito perigoso” porque usa um “novo espaço público: as redes sociais”. Para ele, as plataformas “dão voz a pessoas mal informadas e mal intencionadas, que podem realizar uma guerra não convencional”.

Por isso, nesta segunda, o regime da ilha cortou a internet em quase 50 pontos do país, segundo monitoramento do NetBlocks, organização que monitora a internet livre pelo mundo, e plataformas como WhatsApp, Facebook, Instagram e Telegram passaram a funcionar com instabilidade —quando funcionavam.

A irritação da cúpula do regime com os usuários de redes sociais ficou expressa numa fala de Díaz-Canel, segundo a qual as pessoas que escutam “esses youtubers” estão apoiando uma mudança que “trará um sistema que não tem preocupação com o bem-estar da população”.

Em locais onde a internet é controlada, como Cuba ou China, é comum que estrangeiros e usuários locais utilizem VPNs, ferramenta que simula que o acesso à internet por outra parte do mundo, o que permite burlar o bloqueio. Artistas, ativistas e organizações de dissidentes do regime comunista cubano usaram essa via para denunciar a medida da ditadura.

Fora da internet, segundo o Movimento San Isidro, de oposição, 71 pessoas foram presas no domingo, 12 das quais foram liberadas. Já o grupo Cubalex, baseado nos EUA e com colaboradores na ilha, foram 100 os detidos. Uma delas foi Camila Acosta, correspondente do jornal espanhol ABC, de acordo com a própria publicação. Ela teria sido interceptada ao sair de casa para realizar um trâmite pessoal. Antes, no domingo e nesta segunda, enviou reportagens sobre os atos no país.

Houve agressão a outros jornalistas, como o fotógrafo Ramón Espinosa, da agência de notícias Associated Press, que levou golpes no rosto, e Hector Luis Valdés, do site ADN. A Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) condenou a prisão de Acosta e os ataques a jornalistas. Segundo a SIP, há mais casos de profissionais locais "agredidos e presos" durante a cobertura dos protestos.​

Por trás dos esforços para reprimir os protestos esconde-se uma situação econômica grave, intensificada pela pandemia de coronavírus .

No ano passado, o país viu o PIB encolher 11%. E a ilha, que importa mais de 70% do que consome, tem sofrido com a escassez de alimentos e remédios devido ao fechamento das fronteiras provocado pela crise sanitária. Postagens em redes sociais mostram o quão comuns são as filas para comprar os itens.

A falta de comida é tão grande que o regime cubano impôs condições para permitir que camponeses matem vacas ou bois para consumo próprio. No pedido ao Estado pelo direito de matar o animal, é preciso declarar quanto leite a vaca já produziu e quantos quilos tem o boi.

A carência de voos internacionais também interrompeu as remessas em dólares que cubanos radicados no exterior, principalmente nos EUA, enviam para as suas famílias. Segundo dados oficiais, 65% delas recebiam ajuda de parentes. Há, também, o agravamento da situação sanitária devido à pandemia de e à falta de estrutura hospitalar para atender toda a população.

Ainda que Cuba tenha medicina de ponta e esteja fabricando vacinas, o sistema hospitalar da ilha não tem dado conta de atender tantos casos, e as manifestações ocorreram um dia após o regime ter negado um pedido de dissidentes para que se criasse um “corredor humanitário”, viabilizando a chegada de remédios.

O governo recusou a solicitação. Por meio de um comunicado, o Ministério das Relações Exteriores reconheceu a gravidade da situação sanitária, mas afirmou que está fazendo uma campanha e recebendo apoios do exterior. Em uma postagem nas redes sociais, o chanceler Bruno Rodríguez afirmou que “Cuba recebeu doações de insumos médicos de 20 países, e outras 12 estão em processo de envio”.

No dia em que aconteceram as manifestações em massa, as maiores no país em décadas, Cuba registrou um novo recorde diário de infecções e mortes por Covid, com 6.923 casos de um total de 238.491, além de 47 mortes em 24 horas, somando, ao todo, desde o início da crise sanitária, 1.537 mortes. Essas cifras, porém, segundo opositores, não refletem a situação real dos hospitais, que estariam colapsados.

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A ilha vive há anos um apagão de informação, pois não há imprensa independente, e quem pede liberdade de expressão o faz sob censura e perseguição. Os artistas têm sido protagonistas dessa demanda.
Nos atos de domingo, os manifestantes entoavam “já não gritamos mais ‘pátria ou morte’ [slogan da revolução de 1959], mas ‘pátria e vida’”, trecho de canção lançada em fevereiro e que tem servido de motor para os protestos.

Mas apenas uma canção não levaria multidões às ruas se a situação em Cuba não fosse tão grave. Além das remessas de dólares do exterior, Cuba também perdeu, devido à pandemia, o turismo, uma de suas principais fontes de entrada da moeda americana. Essa indústria é responsável por 10% do PIB da ilha —incluindo atividades correlatas, como a gastronomia.

Assim, a depender da repressão, o país parece reunir diversos sinais que indicam a continuidade dos protestos.

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