Sem desistir de buscas, pais reencontram filho raptado há 24 anos na China

Durante mais de duas décadas, pai cruzou país de moto em história que virou filme

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Vivian Wang Joy Dong
The New York Times

Durante quase 24 anos, o pai cruzou a China numa motoneta. Com faixas mostrando fotos de um menino de 2 anos flutuando atrás da moto, ele viajou mais de 480 mil quilômetros atrás de um objetivo: encontrar seu filho raptado.

Nesta semana, a busca de Guo Gangtang finalmente terminou. Ele e sua mulher se reuniram com seu filho, hoje com 26 anos, depois que a polícia comparou seu DNA, segundo o Ministério de Segurança Pública da China.

Guo Gangtang e sua mulher reencontram filho Guo Xinzhen, raptado há 24 anos, quando tinha 2 anos de idade
Guo Gangtang e sua mulher reencontram filho Guo Xinzhen, raptado há 24 anos, quando tinha 2 anos de idade - 11.jul.21/China Daily/Reuters

Em uma cena captada pela televisão estatal chinesa, o trio se abraçou chorando em uma entrevista coletiva no domingo (11) em Liaocheng, a cidade natal de Guo, na província de Shandong, no norte do país. "Meu querido, meu querido, meu querido", soluçava a mulher de Guo, Zhang Wenge, enquanto abraçava o rapaz. "Nós o encontramos, meu filho, meu filho."

"Ele foi entregue em suas mãos, por isso você precisa amá-lo muito", disse Guo, tentando confortá-la enquanto sua própria voz tremia.

O aparente final feliz cativou a China, onde Guo se tornou uma espécie de herói popular. Sua odisseia através do país, durante a qual ele disse que foi derrubado da motoneta pelo menos uma vez e dormiu ao relento quando não podia pagar um hotel, inspirou o filme "Lost and Love" [perdido e amor, em tradução literal], estrelado pelo famoso ator de Hong Kong Andy Lau.

Depois da reunião, as redes sociais chinesas se encheram de mensagens de congratulação. Hashtags sobre a família Guo foram vistas centenas de milhões de vezes.

"Hoje, 'Lost and Love' finalmente teve um final feliz", disse o diretor do filme, Peng Sanyuan, em um vídeo no Douyin, um aplicativo de rede social.

O rapto de crianças é um problema antigo na China. Não há estatísticas oficiais sobre o número de crianças sequestradas a cada ano, mas as autoridades de segurança pública disseram neste mês terem localizado 2.609 crianças desaparecidas ou raptadas até agora neste ano. Várias reportagens calculam o número de crianças sequestradas anualmente na China em até 70 mil.

Historicamente, o rapto de crianças esteve ligado, pelo menos em parte, à política de filho único do país. No auge da aplicação da política, nos anos 1980 e 1990, alguns casais recorriam a comprar meninos no mercado ilegal para garantir que tivessem um filho homem, segundo estudiosos da Universidade de Xiamen, na província de Fujian. A sociedade chinesa tradicionalmente dá preferência a filhos homens.

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O filho de Guo, chamado Guo Xinzhen ao nascer, desapareceu em 21 de setembro de 1997. Ele estava brincando na porta de sua casa enquanto sua mãe cozinhava lá dentro, segundo entrevistas que o pai deu ao longo dos anos.

Ele e sua mulher, frenéticos, juntamente com parentes, vizinhos e amigos, vasculharam a região em busca do menino. Mas depois de vários meses o esforço perdeu o ânimo. Foi quando Guo prendeu grandes faixas impressas com a foto do filho atrás de uma motoneta e partiu à sua procura.

"Filho, onde você está?", diziam as faixas, juntamente com uma imagem do menino em uma jaqueta laranja. "Papai está te procurando para você voltar para casa."

Em 2012, Guo fundou uma organização para ajudar outros pais a encontrar seus filhos desaparecidos, e ele disse ter ajudado dezenas de famílias a localizar seus entes queridos, mesmo enquanto sua própria busca continuava sem sucesso. Sua história ganhou destaque nacional com o filme de 2015. No início deste ano ele também começou a promover a consciência antitráfico no app Douyin, plataforma na qual ganhou dezenas de milhares de seguidores mesmo antes de encontrar o filho.

O último capítulo da história de Guo também parece saído da imaginação de um roteirista de cinema.

Em junho, autoridades policiais de Shandong receberam a notícia de um potencial filho de Guo na província de Henan, segundo o Ministério da Segurança Pública. Não ficou imediatamente claro como as autoridades o haviam identificado, mas elas disseram que usaram "os mais novos métodos de busca e comparação". Exames de sangue posteriores confirmaram que o jovem de 26 anos, que segundo reportagens locais trabalhava como professor, era o filho de Guo.

As autoridades disseram mais tarde que tinham prendido uma mulher de sobrenome Tang e um homem de sobrenome Hu. Segundo a mídia estatal, Tang pegou o menino e o entregou a Hu, que então o vendeu. A emissora estatal CCTV disse que os dois confessaram.

Antes do reencontro, Guo, atônito, e sua mulher compraram mais de 500 quilos de doces para distribuir aos vizinhos em comemoração. Guo também limpou sua casa, jogando fora antigos objetos para celebrar um novo começo.

Em uma entrevista dada antes da reunião a Chen Luyu, âncora de um programa, os pais estavam entre jubilosos e paralisados. Sentada à sua mesa de jantar, Zhang se comoveu várias vezes, perguntando-se se o filho a culparia por não tomar conta dele direito.

Guo disse que não tem ressentimentos do casal que criou seu filho. Como o rapaz tratará o casal de agora em diante é decisão dele, disse o pai. "Se o filho quiser continuar vivendo com seus pais adotivos, é preciso aceitar isso aberta e sinceramente", afirmou.

Segundo reportagens na mídia estatal, Guo filho disse que continuará morando com o casal que o criou, que segundo ele o tratou muito bem. Mas afirmou que visitará seus pais biológicos com frequência.

Guo pai disse a Chen que estará satisfeito com o que o futuro trouxer. "Nosso filho foi encontrado", disse ele. "De agora em diante, tudo é felicidade."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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