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Como a China vai reagir à variante delta?

Altamente transmissível, cepa do coronavírus desafia a estratégia 'zero caso' do país

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Depois de controlar amplamente a pandemia de Covid-19 durante 20 meses, a estratégia de "zero caso" da China enfrenta seu maior desafio até hoje: a variante delta, altamente transmissível e virulenta. Até quinta-feira (5), a China tinha 533 novos casos em 18 das 31 províncias e cidades em nível de província, todos causados pela mutação delta do coronavírus. A rápida disseminação encarece as medidas de controle e instiga o debate sobre se o governo chinês precisa recalibrar sua estratégia.

A variante delta é dez vezes mais difícil de controlar do que o vírus original, representando um enorme desafio para a estratégia de zero caso da China, disse Zeng Guang, epidemiologista-chefe do Centro de Controle e Prevenção de Doenças da China (CDC) em uma reunião recente. A abordagem conta com testes em massa, rastreamento agressivo de contatos e lockdowns comunitários.

Apesar de o número de casos na China ainda ser relativamente baixo comparado com o dos Estados Unidos e o de outros países, a capacidade da variante delta de infectar pessoas já vacinadas e se espalhar muito mais rapidamente aumenta o grau de dificuldade para contê-la. A China precisa mudar sua perspectiva sobre o controle da pandemia, disse Zeng. Isso inclui uma mudança de foco: não mais eliminar completamente o vírus e as infecções —o que hoje parece impossível— e adotar medidas de controle comuns, disse ele.

Um profissional de saúde realiza coleta para o teste de Covid em uma área residencial de Wuhan, na China
Profissional de saúde realiza coleta para o teste de Covid em Wuhan, na China - Xiong Qi - 3.ago.21/Xinhua

Até agora, a China mantém a meta de zero caso e despeja recursos em testes, rastreamento e quarentenas. Na quinta-feira, He Qinghua, integrante da Comissão Nacional de Saúde, disse que o país continuará seguindo a estratégia de "evitar casos importados e a ressurgência doméstica". As medidas são claras, concretas e se mostraram eficazes, disse ele, e o surto pode ser amplamente controlado em algumas semanas, desde que as autoridades locais implementem rigidamente medidas de controle.

Testes em massa

Enquanto isso, a rápida transmissão da variante delta significa maior necessidade de testes rápidos, aumentando o custo de controlar a doença. Essa cepa do coronavírus pode se reproduzir em dois ou três dias, o que significa que não só contatos próximos com pessoas infectadas, mas também contatos secundários, precisam ser rastreados, disse Cai Weiping, especialista em doenças infecciosas no Hospital Popular nº 8 em Guangzhou.

Os contatos próximos podem ser localizados por meio de "big data", mas o alcance dos contatos secundários pode ser enorme. "Se perdermos a janela precoce de rastreamento, tudo o que podemos fazer é testar em massa a cidade inteira", disse Cai.

Foi exatamente o que fizeram várias cidades na província de Guangzhou, com mais de 20 milhões de habitantes no total, nos últimos dois meses, depois que surgiram mais de cem casos. Nesta rodada do surto, cidades como Nanquim, Zhangjiajie, Zhengzhou, Wuhan e Yangzhou realizaram amplos testes.

Segundo uma diretriz emitida pelo Mecanismo Conjunto de Prevenção e Controle, cidades com uma população de menos de 5 milhões devem concluir os testes de ácido nucleico em dois dias, enquanto as cidades com mais de 5 milhões devem fazê-lo em três a cinco dias.

O teste em massa de ácido nucleico é caro. Atualmente o kit varia de 5,38 a 12,16 iuanes por pessoa (R$ 4,36 a R$ 9,87), e o serviço de teste custa cerca de 80 iuanes por pessoa (R$ 64,80). Isso representa pelo menos 1,3 bilhão de iuanes (R$ 1 bilhão) para testar os 15 milhões de moradores de Guangzhou.

Para garantir maior precisão, muitas cidades realizam mais de uma rodada de testes. A cidade de Nanquim, no leste, por exemplo, com 9,3 milhões de habitantes e onde o último surto começou com mais de 200 casos, fez quatro rodadas de testes em partes da cidade em duas semanas.

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Alguns especialistas afirmam que os testes em massa são necessários para evitar lockdowns prolongados, o que poderia ampliar os prejuízos econômicos. "Medindo os custos em um sentido estrito, os testes em massa certamente exigem grandes quantidades de mão de obra e dinheiro, mas é necessário se avaliado pela imagem maior", disse Zhao Dahai, diretor-executivo do Centro Conjunto para Políticas de Saúde da Universidade Jiaotong-Universidade Yale de Xangai.

Para proteger a saúde e a vida das pessoas em maior extensão, os formuladores de políticas precisam testar o mais amplamente possível para eliminar todos os riscos que possam alimentar a pandemia, disse Wang Chenguang, professor de direito na Universidade Tsinghua.

O reforço é necessário?

As vacinas eram consideradas uma arma promissora para acabar com a pandemia, mas agora parece que a variante delta pode infectar pessoas já vacinadas, e estas podem infectar outras. Quando o surto local surgiu no Aeroporto Internacional de Nanjing Lukou, onde nove trabalhadores foram infectados em julho, mais de 90% dos empregados do aeroporto tinham sido vacinados. Em Ruili, cidade na província de Yunnan, no sudoeste do país, na fronteira com Mianmar, onde cinco casos foram descobertos no mais recente surto, quase 97% da população foi totalmente vacinada.

A China iniciou a vacinação contra Covid-19 em dezembro. Mais de 1,7 bilhão de doses foram aplicadas no país até 3 de agosto, segundo a Comissão Nacional de Saúde. Os anticorpos nas pessoas vacinadas diminuíram abaixo do nível limítrofe cerca de seis meses após a segunda dose, segundo um estudo publicado no mês passado pelo CDC da província de Jiangsu, a Universidade Fudan e a fabricante de vacinas chinesa Sinovac Life Sciences.

Dados globais mostram que os níveis de anticorpos em pessoas que receberam as vacinas da Pfizer-BioNTech e outras também diminuíram com o tempo, levando alguns países a aplicar doses de reforço. Shao Yiming, pesquisador no CDC da China, disse que o país está considerando usar reforços para aumentar a imunidade contra a Covid, e que está com um "risco extremamente baixo" de desenvolver um surto em grande escala.

O estudo de Fudan mostrou que uma terceira dose da vacina produzida pela Sinovac resultou em aumentos significativos dos níveis de anticorpos, mas não ficou claro se o reforço seria eficaz contra variantes. Vários países, incluindo Israel, Rússia, Emirados Árabes Unidos e Bahrein, começaram a oferecer doses de reforço depois de surtos de infecção. Mas muitos outros, incluindo os Estados Unidos, evitaram tomar uma decisão sobre vacinas suplementares diante da falta de consenso científico sobre se são necessárias para manter a imunidade.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) pediu que os países ricos parem de distribuir doses de reforço, citando a desigualdade vacinal em todo o mundo.

Coexistência com o vírus

Se um país deve abandonar a estratégia de zero caso e abrir suas fronteiras em meio à pandemia não depende só de seu nível de vacinação, mas também de sua capacidade médica, disse Lu Mengji, virologista na Universidade de Duisburg-Essen, na Alemanha. "Combater uma pandemia é empurrar a curva epidêmica a um nível que a capacidade médica possa suportar."

Quando a epidemia surgiu em Wuhan, que já tinha um nível relativamente alto de recursos médicos, a cidade experimentou uma "pressão" médica e contou com o apoio de todo o país. Na última onda da variante delta, cidades como Zghangjiajie e Yangzhou, com fracos recursos médicos, têm de contar com a ajuda de outras províncias para tratar o maior número de pacientes.

A capacidade médica da China e a diferença de recursos médicos em todo o país sob pressão pandêmica precisam ser medidos com maior precisão, disse Lu. Alguns recursos médicos devem ser reservados para tratamento não relacionado à Covid, como pacientes de diálise e infarto.

A falta de unidades de tratamento intensivo (UTI) é uma grande preocupação. Os leitos de UTI nos hospitais gerais da China representam cerca de 3% do total de leitos, muito abaixo dos 15% dos EUA. A China tem apenas 3,6 leitos de UTI por 100 mil habitantes. Nos EUA, o número era de 34,2 em 2015, segundo um trabalho publicado pelo Centro Nacional de Informação de Biotecnologia.

A Alemanha tinha 29,2, segundo trabalho publicado no jornal Intensive Care Medicine com base em dados de 2012. Os leitos de UTI na maioria dos hospitais chineses estão normalmente ocupados ou mesmo superlotados, o que torna difícil responder a uma emergência de saúde pública. No surto em Wuhan, mais de 10% do pessoal médico de UTI do país foi despachado para apoiar a luta da cidade contra a pandemia, salientando a escassez de recursos de saúde pública de reserva, segundo um especialista chinês em UTI.

O maior desafio que a China enfrenta é a distribuição desigual de recursos médicos. As grandes cidades com maior capacidade podem tratar melhor os pacientes de Covid-19, mas em regiões com fracos recursos médicos a capacidade de tratamento talvez não seja suficiente, disse Lu. No entanto, a China ganhou experiência em construir hospitais improvisados. Equipados com ventiladores de oxigênio e profissionais treinados em serviços de atenção básica, esses hospitais temporários podem mitigar em muito o impacto de novos casos sobre o sistema médico, disse Lu.

Há uma opinião crescente de que a Covid-19 deverá persistir. A maioria dos virologistas no mundo concorda que ele se tornou um vírus residente e o mundo terá de aprender a conviver com ele. Portanto, é necessário fazer um planejamento em longo prazo para a alocação racional de recursos médicos e de saúde, disse Liu Guoen, diretor do Centro para Pesquisa Econômica em Saúde da Universidade de Pequim. A complexidade sem precedentes da pandemia é um aviso de que as pessoas devem ter mais respeito pelas forças da natureza e devem começar a explorar a otimização da prevenção em longo prazo e controle de uma maneira mais científica, racional e sistemática, disse Liu.

A China já deu uma resposta satisfatória nas primeiras rodadas do combate à pandemia, disse Zhang Wenhong, diretor do Centro Nacional de Doenças Infecciosas e diretor do Departamento de Doenças Infecciosas do Hospital de Huashan, afiliado à Universidade Fudan. A opção da China será uma abordagem que garanta um futuro compartilhado para a humanidade, ajude a realizar a conectividade humana e promova o retorno à vida normal enquanto protege os cidadãos do vírus, disse Zhang.

Ma Danmeng , Wang Lijun , Zhao Jinzhao , Xu Wen , Liu Denghui , Cao Yuan , Zhang Jinning e Denise Jia

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves 

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