Governador de Nova York assediou sexualmente 11 mulheres, mostra investigação

Joe Biden pede renúncia do democrata Andrew Cuomo, e presidente da Assembleia diz que deve abrir impeachment

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Nova York | Reuters

Uma investigação de cinco meses concluiu que o governador de Nova York, o democrata Andrew Cuomo, assediou sexualmente 11 mulheres e violou leis estaduais e federais enquanto criava um “clima de medo” no ambiente de trabalho, afirmou nesta terça-feira (3) a procuradora-geral do estado, Letitia James.

Após a divulgação do resultado do inquérito, o presidente dos EUA, o também democrata Joe Biden, afirmou que ele deveria renunciar. O presidente da Assembleia de Nova York afirmou que deve abrir um processo de impeachment contra o governador, que nega as acusações.


Segundo James, Cuomo apalpou, beijou e abraçou mulheres sem seu consentimento e fez comentários inapropriados em conversas com elas. A procuradora acrescentou que o gabinete do governador se tornou um lugar de trabalho “tóxico”, que permitiu “que ocorressem os assédios”.
O ex-governador de Nova York Andrew Cuomo
O ex-governador de Nova York Andrew Cuomo - Timothy A. Clary - 3.mai.21/AFP

"Especificamente, a investigação descobriu que o governador Andrew Cuomo assediou sexualmente ex-funcionárias e funcionárias que ainda trabalham para o estado de Nova York ao tocá-las de forma não consentida e ao fazer numerosos comentários ofensivos”, afirmou James.

Nesta terça, Cuomo negou as acusações e disse que "os fatos são muito diferentes do que foi retratado". "Quero que saibam diretamente por mim que nunca toquei ninguém de forma inapropriada nem fiz insinuações sexuais inapropriadas", disse, em um discurso televisionado. "Tenho 63 anos. Vivi toda minha vida adulta à vista do público. Isso não é o que sou. E esse não é quem fui”, afirmou.

O governador tentou explicar as situações apresentadas como sendo sua forma rotineira de mostrar afeição. Ele divulgou um vídeo com várias fotos em que aparece abraçando ou beijando homens e mulheres de diferentes idades em interações que parecem consensuais.

Segundo a procuradora Letitia James, o inquérito mostrou que o governador e assessores seniores fizeram retaliações contra ao menos uma ex-funcionária que denunciou o ocorrido.

Investigadores conversaram com 179 pessoas, incluindo denunciantes e membros atuais e antigos do gabinete. Segundo James, o inquérito, de 168 páginas, resultou em um “retrato claro e profundamente perturbador” do que ela chamou de “clima de medo” no qual Cuomo assediava sexualmente várias mulheres, muitas delas jovens.

"Essas 11 mulheres estavam em um ambiente hostil e tóxico. Devemos acreditar nelas", disse. ​

A procuradora-geral de Nova York, Letitia James, apresenta os resultados do inquérito contra o governador Andrew Cuomo
A procuradora-geral de Nova York, Letitia James, apresenta os resultados do inquérito contra o governador Andrew Cuomo - David Dee Delgado/Getty Images/AFP

A procuradora, que é democrata, contratou um escritório de advocacia externo para conduzir uma investigação civil das denúncias. Ela deflagrou o inquérito independente após ter recebido um pedido formal do escritório do governo do estado no dia 1º de março, quando o número de alegações públicas sobre o problema aumentou, colocando em risco a gestão de Cuomo e seu futuro político.

Segundo o relatório, uma ex-funcionária disse que no ano passado o governador colocou a mão embaixo de sua blusa.

Outra mulher assediada, uma policial, contou que, em um elevador, Cuomo ficou atrás dela e “desceu seu dedo do pescoço até sua coluna e disse: ‘ei, você’”. O governador também passou “sua mão aberta de seu umbigo até seus quadris, onde ela carregava a arma”, diz o inquérito.

De acordo com os investigadores, as “negações vagas e falta de memória sobre incidentes específicos” de Cuomo contrastam com “as memórias fortes, específicas e corroboradas das denunciantes”.

Cumprindo seu terceiro mandato como governador e aclamado nacionalmente no ano passado durante os primeiros meses da pandemia, Cuomo foi pressionado a renunciar por colegas de partido e sofreu uma ameaça de impeachment no início deste ano devido às investigações de assédio sexual, mas negou que deixaria o cargo.

O presidente Joe Biden disse que não falou com Cuomo nesta terça, mas que, diante do resultado do inquérito, ele deveria deixar o cargo. "Acho que ele deveria renunciar”, afirmou a repórteres.

Carl E. Heastie, presidente da Assembleia estadual de Nova York e também membro do partido democrata, chamou as descobertas da investigação de "perturbadoras" e apontam para "alguém que não é digno do cargo".

À noite, Heasti divulgou nota em que afirmou que dará andamento ao impeachment do governador. "Está mais do que claro que o governador perdeu a confiança da maioria dos democratas da Assembleia e não pode mais permanecer no cargo. Assim que recebermos toda a documentação necessária e as evidências da procuradora-geral, vamos agir rapidamente e tentar concluir nossa investigação de impeachment o mais rápido possível", disse.

A líder da maioria no Senado estadual, Andrea Stewart-Cousins, também divulgou uma declaração na qual afirma que o relatório detalhou um "comportamento inaceitável" de Cuomo e de sua gestão e pedindo que ele "renuncie para o bem do estado".

"Agora que a investigação está completa (...), deveria estar claro para todos que ele não pode mais servir como governador", escreveu.

No dia 3 de março, em sua primeira declaração pública desde o escândalo, disse que estava envergonhado de seus atos e pediu desculpas, mas afirmou que não renunciaria ao governo. "Agora compreendo que agi de um modo que deixou outras pessoas desconfortáveis", afirmou. "Não foi intencional, e eu realmente e profundamente peço desculpas por isso. Sinto-me péssimo a respeito e francamente envergonhado, e isso não é fácil de dizer, mas é a verdade."

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"Nunca toquei ninguém de modo inadequado", afirmou o governador. "Eu não soube no momento que estava fazendo alguém se sentir desconfortável. E certamente não quis ofender, prejudicar ou causar sofrimento a ninguém. Essa é a última coisa que eu desejaria fazer."

As denúncias

Contra o governador pesam denúncias de investidas indesejadas e comentários inoportunos. A ex-funcionária Charlotte Bennett, 25, que era uma assistente-executiva e conselheira política na área da saúde até deixar o cargo, em novembro, o acusou de assediá-la sexualmente no ano passado.

Segundo Bennett disse ao New York Times, Cuomo lhe perguntou sobre sua vida sexual e se ela já tinha feito sexo com homens mais velhos.

Ela descreveu uma situação em que estava sozinha com o governador em seu gabinete no Capitólio estadual e ele lhe perguntou se achava que a idade fazia diferença em um relacionamento romântico, o que a jovem considerou uma sugestão de relacionamento sexual.

"Eu entendi que o governador queria dormir comigo, e me senti terrivelmente desconfortável e assustada", disse Bennett ao Times. "E fiquei me perguntando como ia sair daquilo e supus que fosse o fim do meu emprego."

Bennett disse que ela relatou o ocorrido com o governador ao chefe de gabinete e foi transferida para outra função. O jornal americano confirmou o relato dela com entrevistas de amigas e parentes a quem ela contou sobre os incidentes na época e fez uma revisão de mensagens de texto e emails.

Nesta terça, após a divulgação do resultado do inquérito, ela escreveu no Twitter que não quer um pedido de desculpas, mas uma prestação de contas e o fim da culpabilização das vítimas. Ela também pediu o impeachment de Cuomo e, em outro post, que ele renuncie.

As acusações de Bennett surgiram dias depois que outra ex-assessora do governo, Lindsey Boylan, complementou denúncias anteriores de assédio sexual que havia feito contra o governador.

Boylan, que trabalhou na agência de desenvolvimento econômico do estado de 2015 a 2018, publicou na quarta-feira (24) um artigo em que detalhou vários anos de interações desconfortáveis com o democrata.

Ela afirmou que seu chefe na época lhe disse que Cuomo tinha "tesão" por ela e que o governador "se esforçou" para tocá-la "no traseiro, nos braços e nas pernas". Em outubro de 2017, durante um voo na volta de um evento no oeste de Nova York, disse Boylan, Cuomo falou que eles deviam "jogar strip poker".

E em 2018, segundo ela, Cuomo lhe deu um beijo inesperado depois de uma reunião pessoal em seu escritório em Manhattan.

"Quando me levantei para sair e caminhei para a porta aberta, ele passou na minha frente e me beijou na boca", escreveu ela. "Fiquei chocada, mas continuei andando."

Já o Wall Street Journal publicou que uma ex-funcionária disse que Cuomo às vezes a cumprimentava com um abraço e beijos nas duas bochechas, chamava-a de "querida", beijava sua mão e perguntava se ela tinha namorado.

No mesmo dia, o Washington Post divulgou que mais uma ex-assessora relatou que o governador a abraçou em um quarto de hotel após um evento de trabalho.

Governador enfrenta outro escândalo

As denúncias de assédio sexual surgiram quando Cuomo sofria ataques sobre a atuação do estado nos surtos de coronavírus em lares de idosos, com promotores federais investigando a questão e legisladores estaduais considerando isentar o governador de seus poderes especiais durante a pandemia.

O governador enfrenta denúncias de que seu governo encobriu a extensão total das mortes em lares de idosos depois de comentários feitos em particular em fevereiro por um de seus principais assessores, Melissa DeRosa, que confessou ter ocultado dados.

Um dia depois que o New York Times revelou as denúncias de Bennett, o prefeito de Nova York, Bill de Blasio, pediu investigações independentes das denúncias de assédio sexual e mortes de idosos por coronavírus.

"Os nova-iorquinos viram relatos detalhados e documentados de assédio sexual, diversos casos de intimidação e a retenção confessa de informação sobre a morte de mais de 15 mil pessoas", disse De Blasio, também um democrata, em comunicado.

"Questões dessa magnitude não podem pairar sobre a cabeça dos nova-iorquinos enquanto lutamos com uma pandemia e uma crise econômica", disse ele. "Está claro o que deve acontecer agora."

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