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Pedro Castillo tem gabinete aprovado no Peru depois de maratona no Congresso

Após pressão para trocar ministros, esquerdista passa por prova de fogo e consegue aprovação

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Buenos Aires

Após uma maratona de duas longas sessões —uma de 12 horas na quinta (26) e outra de 6 nesta sexta (27)—, o Congresso peruano aprovou o gabinete ministerial nomeado pelo presidente esquerdista Pedro Castillo.

A votação era uma espécie de primeira prova de fogo para Castillo. O Parlamento concedeu a confiança com 73 votos a favor e 50 contra —eram necessários 66 apoios. Nenhum dos congressistas se absteve.

A votação ocorreu em ambiente tenso, com manifestantes pró e antigoverno organizando protestos do lado de fora do edifício legislativo, em Lima, desde o dia anterior. Em alguns momentos de maior tensão, a polícia teve de agir e dispersou a multidão com o uso de gás lacrimogêneo.

O presidente peruano, Pedro Castillo (de chapéu), com o primeiro-ministro Guido Bellido e os demais integrantes de seu gabinete, a caminho do Congresso nesta quinta - Mariana Bazo - 26.ago.21/Xinhua

O partido de Castillo, o Perú Libre, é dono da maior bancada do Congresso, com 37 parlamentares, mas não possui maioria. A segunda maior legenda é o direitista Ação Popular, com 24 cadeiras. Com a aprovação, o governo pode atuar normalmente; caso a confiança não fosse concedida, os ministros deveriam se demitir, e o presidente precisaria nomear uma nova equipe em 72 horas.

Um dos pontos de tensão era a figura mais polêmica do gabinete, o primeiro-ministro Guido Bellido Ugarte. Alvo de críticas, ele responde a um processo por apologia do terrorismo e já deu declarações em defesa do grupo guerrilheiro Sendero Luminoso.

Especulou-se que Bellido poderia se demitir um dia antes da votação, por causa dessa pressão da oposição, que pedia ainda a saída de outros três ministros. Castillo não cedeu e manteve os nomes.

Na manhã de quinta, o primeiro-ministro apresentou por mais de três horas o programa de governo. Ao iniciar sua fala em quéchua e aimará, ele já criou fricções. A presidente da Casa, María del Carmen Alva Prieto, do partido opositor Ação Popular, o interrompeu: "Premiê, eu agradeceria se o senhor não fosse tão longo em sua exposição em quéchua".

Bellido afirmou que estava "apenas cumprimentando os presentes" e logo passou a falar em castelhano. O debate sobre os idiomas voltou a ser citado ao longo do debate. Segundo a lei peruana, é necessário que o Parlamento tenha tradutores das línguas dos povos originários.

Seu discurso centrou-se em apresentar programas assistenciais, nas áreas de saúde, educação e trabalho. O Peru é um dos países mais impactados pela Covid-19 na região, e Bellido disse que uma das prioridades será produzir vacinas contra o coronavírus no próprio país.

Depois, enumerou outros planos de assistência a grupos vulneráveis e enfatizou a prioridade na educação. Afirmou que o governo de Castillo pretende realizar uma reforma agrária. "Não se trata de expropriar terras, mas de dar serviços de qualidade ao campo, promover o cooperativismo e ampliar o acesso dos agricultores aos mercados nacional e internacional", disse.

Bellido mostrou um tom linha-dura em questões de segurança, prometendo "prisão perpétua aos corruptos que roubam a esperança de crianças e suas mães", mas não falou sobre diversidade e questões de gênero. Disse, ainda, que o presidente não pretende copiar modelos de outros países.

"Nossa principal aspiração é alcançar mudanças importantes na estrutura estatal e econômica." O primeiro-ministro foi aplaudido por seus partidários, mas a oposição considerou o discurso populista e com poucos detalhes sobre como programas sociais seriam financiados.

Houve discursos de rejeição total, como o de Javier Padilla, do Renovação Popular. "Não podemos deixar passar as sérias acusações que turvam esse governo. Não se trata de desmerecer os nomes, mas de colocar pessoas adequadas nos cargos adequados, de acordo com seu perfil profissional e com qualidade moral e técnica."

Governistas, como Elizabeth Medina, do Perú Libre, rebateram: "Vamos falar com o coração, defendendo esse querido povo que confiou em nós com seu voto. Tragamos o que o povo pediu. Se não escutarmos o povo, que se feche este Congresso".

Não é comum que um gabinete seja rejeitado na primeira oportunidade. Nos últimos dias, apesar da pressão, havia sinais de que a oposição, dividida, daria uma trégua ao presidente.

Na votação, alguns discursos apontavam para um voto de confiança com tom crítico, como o de Héctor Valer, da coalizão de centro-esquerda Somos Perú/Partido Morado. "Apesar de o primeiro-ministro não ter detalhado como seriam custeadas as promessas que fez ao país, confio que o ministro da economia, Pedro Francke, possa cumpri-las, e o gabinete pode ir melhorando com o tempo".

Considerado de perfil conciliador e próximo ao mercado, o economista Francke tem como modelo político e econômico o Uruguai governado pela Frente Ampla de 2005 a 2020.

No Congresso, os principais opositores ao voto de confiança a Castillo foram do partido fujimorista, o Força Popular, e o segundo mais numeroso no Congresso, o Ação Popular —ambos de direita. Os apoios ao governo vieram de congressistas do Nuevo Perú (esquerda moderada) e do Morado (centro), além do próprio Perú Libre.

No último domingo, uma pesquisa do Instituto de Estudos Peruanos indicava que 79% dos cidadãos desejavam uma mudança no gabinete ministerial. Destes, 52% querem uma mudança parcial, e 27%, uma mudança completa. A mesma sondagem afirmava que 38% aprovam o modo como Castillo está atuando, e 46% desaprovam —16% não quiseram opinar.

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