Talibã cresce nas redes sociais e desafia banimentos de plataformas

Empresas ainda não definiram diretrizes em relação ao grupo fundamentalista islâmico

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Sheera Frenkel Ben Decker
The New York Times

Enquanto o Talibã assumia o controle da capital afegã, Cabul, no domingo (15), um porta-voz do grupo carregou cinco vídeos em sua página oficial no YouTube. Com dois a três minutos de duração cada um, os vídeos mostravam líderes do movimento fundamentalista parabenizando combatentes por suas vitórias.

“É chegada a hora de servir à nação e lhe dar paz e segurança”, disse o mulá Abdul Ghani Baradar, 53, cofundador do Talibã, em pashtun —uma das línguas oficiais do Afeganistão— num dos vídeos, sentado diante de autoridades seniores em um gabinete acortinado.

Combatentes do Talibã em rua da cidade da província de Jalalabad, no Afeganistão
Combatentes do Talibã em rua da cidade da província de Jalalabad, no Afeganistão - 15.ago.21/AFP

Dezenas de novas contas pró-Talibã que pipocaram no Twitter nos últimos dias compartilharam os cinco vídeos, que alcançaram mais de 500 mil visualizações nessas postagens somadas.

Segundo pesquisadores, os vídeos integram um esforço lançado pelo Talibã para estabelecer sua autoridade e legitimar seu controle do Afeganistão por meio do uso de redes sociais. Mas, ao publicar no Facebook e no YouTube, o Talibã desafiou as proibições das plataformas, vigentes há algum tempo.

Seguindo diretrizes governamentais, a maioria das empresas de mídia social identificou o Talibã como organização terrorista e não autoriza a divulgação de conteúdos dela em seus sites.

A presença renovada do grupo colocou Facebook, Twitter e YouTube numa situação difícil. Com governos de todo o mundo tentando determinar se reconhecem o Talibã oficialmente como os novos governantes do Afeganistão, as empresas não têm respostas fáceis sobre se devem continuar a proibir o grupo online.

A situação vem atraindo críticas a elas, na medida em que, nos últimos meses, as companhias de tecnologia vêm suspendendo contas de alguns legisladores republicanos e de outras figuras, aparentemente com mais facilidade. Facebook e YouTube removeram as contas de um porta-voz do Talibã, Mohammad Naeem, na terça-feira (17), apenas depois de o New York Times ter pedido declarações das plataformas online sobre o assunto. As empresas não responderam a razão pela qual essas contas, criadas em setembro, ainda estavam disponíveis, não obstante a proibição ao grupo.

“A abordagem seguida pelas empresas de tecnologia não vem sendo muito eficaz até agora”, comentou o pesquisador independente Ayman Aziz, que estuda o Afeganistão e o Paquistão há mais de uma década. “Com seu novo regime, o Talibã está criando uma nova presença online.”

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Representantes do YouTube e do Facebook disseram ter proibido contas do Talibã e as removeram sempre que as localizaram. O Twitter, que nesta semana anunciou a proibição da glorificação da violência em sua plataforma, não respondeu a um pedido de declarações.

A dúvida quanto ao que permitir online relativo ao Talibã só deve ganhar força entre as empresas de mídia social. Segundo uma análise do New York Times, desde 9 de agosto foram abertos no Twitter e no Facebook mais de cem novas contas e páginas que afirmam pertencer ao Talibã ou apoiar a missão da organização. O jornal também identificou dezenas de contas pró-Talibã, incluindo algumas de representantes seniores do grupo, que existiam nos sites havia meses ou anos e que estavam dormentes, tendo se tornado mais ativas apenas na última semana.

Muitas das contas agora estão atuando de maneira coordenada para postar vídeos, imagens e slogans sobre o regime fundamentalista. Com frequência eles copiam as mensagens uns dos outros, disseminando discussões sobre a administração de municípios locais e multiplicando as declarações de que o Talibã trouxe a paz aos afegãos. O fio condutor comum a todas as atividades consiste em elogiar o movimento religioso como governante de direito do Afeganistão.

“O uso de redes sociais pelo Talibã é intencional”, disse Graham Brookie, diretor do Laboratório de Pesquisas Forenses Digitais do Atlantic Council, que estuda a disseminação online de informações. “O grupo sabe que precisa apresentar uma fachada pública responsável para ganhar mais legitimidade.”

As táticas empregadas pelo Talibã nas redes sociais se assemelham cada vez mais às de outras organizações terroristas que procuraram reformar sua reputação, disseram pesquisadores. O Hamas, que controla a Faixa de Gaza, e o Hizbullah, no Líbano, utilizam redes sociais para mostrar seu lado mais soft, com vídeos que os mostram festejando feriados populares ou fazendo doações aos pobres.

Os posts do Talibã estão em pouco tempo encontrando uma audiência crescente. Os seguidores de suas páginas oficiais no Facebook aumentaram em mais de 120%, chegando a mais de 49 mil usuários até a quarta-feira (18). Os vídeos do grupo no YouTube começaram a alcançar dezenas de milhares de visualizações, sendo que anteriormente atingiam em média menos de mil.

Brookie disse que a impressão que será passada por Facebook, YouTube e Twitter provavelmente será dúbia, não importa o que façam, devido à reputação de ideologia extremista do Talibã. “Há uma discussão muito real a ser travada sobre o valor de se permitir que o Talibã continue presente nas redes sociais, à medida que a entidade se move no sentido de reprimir os direitos dos grupos que governa.”

Dentro das empresas, o Facebook nos últimos dias ativou uma equipe de resposta emergencial para acompanhar a situação no Afeganistão e avaliar o uso feito pelo Talibã de seus produtos, incluindo seu aplicativo de mensagens WhatsApp, conforme informaram funcionários da rede social.

Twitter e YouTube, por sua vez, vêm procurando ler nas entrelinhas dos telegramas diplomáticos de líderes mundiais para discernir se o governo dos EUA vai criar um relacionamento “de facto” com o Talibã, disseram funcionários que participam das discussões internas das empresas.

Mas, mesmo nos casos em que as empresas removeram contas ligadas ao regime fundamentalista, as proibições têm sido porosas. Quando, nesta semana, o Facebook bloqueou a conta de WhatsApp de Zabiullah Mujahid, um porta-voz do Talibã, ele distribuiu a jornalistas uma conta de WhatsApp nova e ainda ativa de outro líder do grupo fundamentalista.

O Talibã também anda evitando facilmente a possibilidade de suas contas serem localizadas, modificando a grafia de suas hashtags ou seus termos ativos e utilizando aplicativos encriptados, como Telegram e WhatsApp, para transmitir suas mensagens e pedir a voluntários que traduzam seus posts de mídia social para muitos idiomas, segundo Aziz.

Para agravar as dificuldades que as plataformas enfrentam, muitas das novas contas pró-Talibã vêm tomando o cuidado de postar conteúdos que não fazem a defesa aberta da violência ou do discurso de ódio, algo que violaria as regras das empresas.

Uma nova conta com o nome do Estado não reconhecido do Talibã, o Emirado Islâmico do Afeganistão, veio à tona no Twitter em 8 de agosto. Ela tem mais de 400 seguidores e já postou dois vídeos mostrando manobras militares do movimento fundamentalista. Mas nenhum dos dois inclui imagens violentas ou explícitas nem fez defesa direta do uso de violência.

Do mesmo modo, uma página de Facebook criada há seis dias que se categorizou como a de uma mercearia mas que vem postando exclusivamente conteúdos sobre o Talibã vem se limitando em grande medida a elogiar Mujahid. Em uma entrevista coletiva em Cabul na terça (17), Mujahid foi questionado sobre a liberdade de expressão. Ele acusou o Facebook de hipocrisia por promover a liberdade de expressão ao mesmo tempo em que censura o grupo ao remover as contas do Talibã.

“Essa pergunta deveria ser feita àqueles que se dizem promotores da liberdade de expressão, mas não permitem a divulgação de informações estranhas às deles”, disse Mujahid.

Tradução de Clara Allain

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