Biden e Macron botam panos quentes em relação diplomática após crise dos submarinos

Depois da conversa, presidente francês determinou retorno de embaixador a Washington na próxima semana

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

BAURU (SP) e São Paulo

A Casa Branca e o Palácio do Eliseu divulgaram nesta quarta-feira (22) um comunicado conjunto em que afirmam que os presidentes dos EUA, Joe Biden, e da França, Emmanuel Macron, concordaram em abrir um processo de consultas aprofundadas "para garantir a confiança e propor medidas concretas em direção a objetivos comuns".

O documento diz que os dois líderes conversaram por telefone, a pedido do americano, "a fim de discutir as implicações do anúncio de 15 de setembro". Na data mencionada, os EUA divulgaram um acordo fechado com Reino Unido e Austrália para a construção de submarinos nucleares, batizado de Aukus, que deu origem a uma crise diplomática entre Washington e Paris.

O problema para os franceses é que a nova parceria representa o cancelamento de um contrato bilionário assinado em 2016 entre Austrália e França. O acordo também é um golpe para as ambições de Paris de fortalecer sua presença na região do Indo-Pacífico, palco de disputas territoriais —entre outras— envolvendo a China.

Emmanuel Macron, presidente da França, e Joe Biden, dos EUA, durante cúpula da Otan, em Bruxelas - Brendan Smialowski - 14.jun.21/AFP

O comunicado afirma que Biden e Macron concordaram que "a situação teria sido beneficiada por consultas abertas entre aliados sobre questões de interesse estratégico para a França" e outros parceiros europeus dos EUA.

Na semana passada, o líder americano havia mencionado a França como “parceiro e aliado-chave”, mas o ministro das Relações Exteriores francês, Jean-Yves Le Drian, disse que o anúncio do acordo "foi uma punhalada nas costas" e que Biden agiu como o ex-presidente Donald Trump, de maneira "unilateral, brutal, imprevisível".

Segundo a declaração conjunta desta quarta, Biden e Macron concordaram em se encontrar na Europa no final de outubro, e o francês decidiu que seu embaixador retornará a Washington já na próxima semana —gesto diplomático que bota panos quentes na relação entre os dois países. No jargão das relações internacionais, convocar um embaixador é um movimento que expressa forte insatisfação com o país que abriga os diplomatas.

É possível que os dois líderes se reúnam por ocasião da cúpula do G20 na Itália, marcada para os dias 30 e 31 de outubro, mas funcionários da Casa Branca disseram ao jornal The New York Times que o encontro pode ocorrer de forma separada, como um passo para reparar os danos provocados pela crise.

O texto pontua ainda que Biden "reafirma a importância estratégica do envolvimento francês e europeu na região do Indo-Pacífico" e que os EUA reconhecem a "importância de uma Defesa europeia mais forte" complementar à Otan (aliança militar do Ocidente).

A UE, diga-se, lançou no mesmo dia 16, um plano estratégico para atuação no Indo-Pacífico, que, entre outras coisas, inclui a implantação de um acordo comercial com a Austrália. Apesar de analistas enxergarem o plano como forma de conter a influência crescente da China, a entidade ressaltou que se trata de uma “estratégia de cooperação, não de confrontação”.

A Presidência francesa ainda não se pronunciou após o telefonema de Biden e Macron, mas, do lado americano, a secretária de Imprensa da Casa Branca, Jen Psaki, classificou a ligação de amistosa. "Estamos esperançosos, e o presidente está esperançoso que esse seja um passo para a volta ao normal de um relacionamento longo, duradouro e importante."

Questionada sobre se Biden teria se desculpado, uma das expectativas expressadas por Macron por meio de seu porta-voz, ela se limitou a dizer que o americano "reconheceu que poderia ter havido uma consulta mais aprofundada".

Apesar do clima descrito pela porta-voz de Washington, antes do telefonema, a ministra da Defesa francesa, Florence Parly, afirmou que o Aukus mostra que “não existe diálogo político” dentro da Otan, durante sessão da Assembleia Nacional.

Ainda assim, apesar da pressão de adversários políticos para que Macron deixe a aliança, a ministra rejeitou a ideia. “Vale a pena fechar a porta para a Otan? Acho que não.”

Enquanto Macron e Biden caminham para acertar as diferenças, a relação de Paris com Canberra, por outro lado, segue estremecida.

Nesta terça, o porta-voz do Ministério da Defesa, Hervé Grandjean, escreveu uma série de posts no Twitter sobre o assunto, na qual afirma que, no mesmo dia do anúncio do Aukus, a Austrália escreveu para a França para dizer que “estava satisfeita com o desempenho que o submarino pode alcançar e com o desenvolvimento do programa”. Em resumo, segundo ele, para dizer que os países "avançariam para o lançamento da próxima fase do contrato”.

As declarações vêm depois de a França, ao convocar seus embaixadores para consultas na sexta, acusar a Austrália de mentir sobre a ruptura do contrato. No domingo, o primeiro-ministro australiano, Scott Morrison, rebateu as declarações de Paris.

Nesta quarta, em Washington, Morrison disse que tem tentado marcar uma conversa com Macron, mas não obteve sucesso até o momento. "Mas vamos ser pacientes", afirmou.

No meio da troca de animosidades, Boris Jonhson, primeiro-ministro do Reino Unido, que também faz parte do acordo, pediu que a França se acalme e defendeu o acerto estratégico. Esta aliança “não é exclusiva, não tenta excluir ninguém e não pretende se opor à China, por exemplo”, disse. “Busca intensificar os laços e a amizade entre três países de uma forma que será benéfica para as coisas em que acreditamos.”

A aproximação, no entanto, é mais um sinal de que Biden resolveu acelerar a estruturação de um arcabouço visando conter estrategicamente a China nos mares por onde passam exportações e importações de Pequim.

Para Boris, o acordo é, ainda, “um grande avanço para a segurança mundial”. “São três aliados que compartilham os mesmos valores, que se unem e criam uma nova aliança para compartilhar tecnologia.”

A questão tecnológica foi justamente uma das justificativas da Austrália para abandonar o acordo com a França. A principal diferença entre os submarinos construídos por Paris e os novos propostos é a tecnologia de propulsão.

As embarcações francesas teriam motores elétricos carregados por geradores a diesel, o que exige que retornem à superfície regularmente para acionar os motores a combustível e recarregar as baterias. Já os submarinos de propulsão nuclear são construídos para durar muito, com o reator capaz de funcionar durante décadas antes de ser reabastecido.

Há outras diferenças, como a "invisibilidade" dos submarinos nucleares e a capacidade bélica que proporcionam.

Ainda assim, o porta-voz da Defesa francesa defendeu a tecnologia oferecida à Austrália. “O submarino proposto era de classe oceânica, o que significa que possui autonomia e capacidades de alcance muito altas.”

Grandjean ressaltou ainda que as primeiras embarcações seriam entregues em 2030, enquanto o Aukus prevê a conclusão em 2040. “Isso é bastante tempo quando se observa o quão rápido a China está se militarizando.”

A partir de 2014, Xi militarizou atóis e ilhotas, clamando para si 85% das águas da vasta região, no que foi desafiado em fóruns internacionais até agora com sucesso por países como as Filipinas. Na prática, contudo, a China fincou sua bandeira.

Com Reuters e AFP

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.