Mais de 9.000 migrantes se aglomeram sob ponte no Texas por falta de abrigos

Acampamento temporário, com condições precárias, cresceu com velocidade surpreendente

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Del Rio (EUA) | The New York Times

Milhares de migrantes se aglomeraram embaixo de uma ponte perto da comunidade de fronteira de Del Rio na quinta-feira (16), parte de um surto maciço de migração por meio do Rio Grande que preocupou autoridades e causou atrasos significativos no processamento dos que chegavam.

A Patrulha de Fronteiras dos Estados Unidos disse que mais de 9.000 migrantes, na maioria do Haiti, estavam detidos em uma área de registro improvisada sob a ponte internacional de Del Rio, enquanto os agentes trabalhavam o mais rapidamente possível para processá-los.

O acampamento temporário, que começou com algumas centenas de pessoas no início da semana, cresceu com velocidade surpreendente. Autoridades e membros do governo local disseram que mais milhares deverão atravessar o rio de pequena profundidade entre o México e Del Rio nos próximos dias.

Imigrantes buscando asilo esperam processamento de documentos em acampamento improvisado sob ponte em Del Rio, no Texas
Imigrantes buscando asilo esperam processamento de documentos em acampamento improvisado sob ponte em Del Rio, no Texas - Verónica G. Cárdenas/The New York Times

A Patrulha de Fronteiras informou que enviará mais agentes à região, "para lidar imediatamente com o nível atual de migrantes e permitir um processamento seguro, humano e ordenado". A área de sombra embaixo da ponte, de acordo com a patrulha, serve para "evitar danos de doenças relacionadas ao calor", enquanto os migrantes aguardam para serem levados sob detenção.

A cena —multidões compactas dormindo na terra ou agitadas sob um calor de mais de 37 ºC, em condições sanitárias precárias— foi condenada por autoridades locais. O governador do Texas, o republicano Greg Abbott, ordenou que a polícia estadual e a Guarda Nacional ajudem os agentes de fronteira em Del Rio, dizendo que a reação federal não foi suficiente para conter o aumento das travessias.

"O governo Biden está totalmente confuso e lidando com a crise na fronteira tão mal quanto na retirada do Afeganistão", disse ele, referindo-se à decisão do presidente de encerrar a guerra mais longa dos EUA.

A fronteira sudoeste foi inundada nos últimos meses por uma onda de travessias não autorizadas como não se via há mais de duas décadas. Mais de 200 mil pessoas cruzaram no mês passado, elevando o total neste ano fiscal a mais de 1,5 milhão. E, nos últimos dias, as multidões crescentes na cidade de Del Rio, a cerca de 240 quilômetros a oeste de San Antonio, cercada por fazendas de gado, vegetação de cerrado e imensas árvores espinhosas, as algarobas, criaram um novo desafio humanitário.

O prefeito de Del Rio, Bruno Lozano, descreveu na quinta as péssimas condições sob a ponte, lembrando uma favela, com pouco acesso a água potável e alimentos e apenas alguns banheiros portáteis. A vasta maioria dos que chegaram parece estar fugindo do Haiti, país no Caribe que sofreu uma série de desastres naturais e o assassinato em julho de seu presidente, Jovenel Moïse. "São 9.000 pessoas estressadas e ansiosas", disse Lozano, que pediu às autoridades federais apoio para sua cidade de 35 mil habitantes.

O setor de fronteira de Del Rio teve um alto tráfego de migrantes neste ano, especialmente de haitianos que começaram a chegar em números muito mais altos a partir de junho, quando as pessoas apanhadas cruzando a fronteira ilegalmente foram mais que o dobro do mês anterior. E os números continuaram subindo em julho e agosto, segundo estatísticas recentes da fronteira.

No início desta semana, ainda mais haitianos foram detidos tentando cruzar a região, uma extensão desolada de 400 quilômetros na fronteira dos EUA com o México. Na quinta, o Departamento de Segurança Interna enviou mais autoridades à região para ajudar no registro, segundo uma autoridade informada dos planos, que falou sob a condição do anonimato porque não tinha permissão para isso.

O governo também pretende enviar alguns migrantes de avião para outras partes da fronteira que não estão sofrendo surtos como Del Rio. E voos de retorno para o Haiti deverão começar na segunda (20), o que o governo Biden espera que mostre a outros haitianos que não devem tentar cruzar a fronteira sul.

A gestão enfrenta intensa pressão de republicanos em razão da atuação na fronteira. Nos últimos meses, Abbott instruiu a polícia estadual a deter migrantes por invasão, porque, segundo ele, a administração Biden não estava agindo.

Embora o governo tenha falado em cancelar um regulamento de saúde pública adotado na gestão Trump que impede solicitantes de asilo de entrar no país, a mudança não foi adotada devido ao alto número de migrantes que cruzam a fronteira ilegalmente e ao recrudescimento do coronavírus nos últimos meses.

Mas, na quinta, um juiz do Texas ordenou que o governo pare de recusar famílias migrantes sob a justificativa do regulamento de saúde, a começar daqui a 14 dias. Devido a isenções humanitárias e outros motivos, o governo só está recusando uma fração das famílias que foram apanhadas na fronteira.

Em agosto, ele usou o regulamento para recusar cerca de 18% das famílias que cruzaram a fronteira sem autorização, segundo dados recentes da polícia. Mas qualquer aumento no processamento de migrantes no país poderá forçar o sistema já tenso. Esse último aumento da migração em Del Rio ocorre durante uma pequena reformulação da direção do Departamento de Segurança Interna, pois o chefe de gabinete do secretário, o secretário assistente para políticas de imigração e fronteiras e o principal promotor da Polícia de Imigração e Alfândega anunciaram recentemente planos de deixar o órgão no final do mês .

Agente de controle de fronteira faz o processamento de migrantes que chegaram na fronteira dos EUA com México
Agente de controle atende imigrantes na fronteira dos EUA com o México - Paul Rat Je - 30.jul.21/AFP

A cidade de Del Rio, localizada na região sudoeste do Texas no Planalto Edwards, na margem do Rio Grande em frente a Ciudad Acuña, no México, experimentou uma onda incessante de migrantes desde a última primavera, em parte porque sua localização distante facilita a travessia, segundo autoridades.

Agentes de imigração estavam liberando tantos migrantes para a cidade em março que os moradores se queixaram de que isso esgotaria os recursos limitados do município. Victor Escalon, diretor regional no sul do Texas do Departamento de Segurança Pública do estado, disse que dezenas de detenções por invasão criminosa de migrantes que cruzaram ilegalmente lotaram as cadeias locais.

"Precisamos pressionar e impedir essa atividade", disse Escalon, que chefia a Operação Estrela Solitária, programa criado por Abbott neste ano que permite que ele envie recursos e centenas de agentes estaduais para comunidades de fronteira. Tiffany Burrow, diretora de operações do Centro de Descanso de Migrantes Coalizão de Fronteira Humanitária de Val Verde, disse que se preocupa que os recursos do grupo não sejam suficientes para acomodar o fluxo desta semana.

"Não podemos ajudar tanta gente", disse Burrow. "A prefeitura não vai sustentar todas essas pessoas. A cidade embaixo da ponte poderá ficar maior que Del Rio."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves 

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