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The New York Times América Latina

Eleição imperfeita na Venezuela evidencia como Maduro se consolidou no poder

Comissão de observadores da União Europeia evitou dizer se votação foi justa ou injusta

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Isayen Herrera Anatoly Kurmanaev
Caracas | The New York Times

As eleições regionais do domingo (21) na Venezuela foram distorcidas por regras do jogo desiguais, violência e medidas liminares contra líderes oposicionistas, disseram observadores eleitorais da União Europeia na terça-feira (23).

Mas a simples presença de monitores internacionais independentes, os primeiros em 15 anos a acompanhar uma eleição no país, ressaltou o quão profundamente Nicolás Maduro se consolidou no poder desde que primeiro tomou posse, em 2013.

Depois de passar anos usando força para reprimir a dissensão e subvertendo os últimos vestígios das instituições democráticas venezuelanas, Maduro aperfeiçoou um sistema político com o qual ele já não tem muito medo da vigilância internacional quando concorre com adversários cuidadosamente avaliados, dizem analistas e líderes oposicionistas.

Presidente venezuelano, Nicolas Maduro, fala durante uma coletiva de imprensa em uma seção eleitoral, após a votação em Fuerte Tiuna, em Caracas
O ditador venezuelano, Nicolás Maduro, dá entrevista coletiva em uma seção eleitoral, após votação em Fuerte Tiuna, em Caracas - Yuri Cortez - 22.nov.21 / AFP

O regime mostrou que, impedindo as lideranças oposicionistas mais importantes e populares de concorrer a cargos eleitorais, dividindo os partidos de oposição, encorajando a apatia dos eleitores e conservando uma minoria leal dependente de doações do governo, pode vencer eleições sem recorrer à fraude direta, mesmo contando com apoio popular mínimo.

O governista Partido Socialista conquistou pelo menos 19 dos 23 governos estaduais venezuelanos e a maioria das prefeituras, apesar de dirigir uma economia destruída e, segundo indicam as pesquisas de opinião, ter o apoio de apenas cerca de 15% da população.

Sob o regime de Maduro, um em cada cinco venezuelanos abandonou o país, e 95% dos que permanecem não ganham o suficiente para cobrir suas necessidades básicas, segundo estudo feito pelas principais universidades do país.

A vitória expressiva do partido foi beneficiada fortemente pelas divisões na oposição. Alguns líderes oposicionistas boicotaram a eleição, como fez a maioria deles em outras eleições recentes. Aqueles que optaram por participar dividiram o voto oposicionista com facções que haviam fechado pactos com Maduro ou adotado uma linha mais branda em relação ao ditador para aproveitar a liberalização econômica que ele permitiu nos últimos anos.

A missão de observadores da UE disse na terça-feira que não podia descrever o pleito do domingo como livre ou justo, em parte devido às vantagens injustas desfrutadas pelo partido governista e em parte pela ausência do Estado de direito.

"Há uma situação política que, somada à conjuntura socioeconômica grave, provocou o êxodo de milhões de venezuelanos", disse na terça-feira o representante do Parlamento Europeu na missão de observadores, Jordi Cañas, numa entrevista coletiva na capital, Caracas.

Mas os observadores chamaram a atenção para várias melhorias democráticas na eleição do domingo, chegando a descrever o sistema de processamento eletrônico de votos no país como "confiável".

Os Estados Unidos, que não reconhecem Maduro como presidente, qualificaram a eleição como profundamente falha, mas elogiaram os candidatos oposicionistas que decidiram tomar parte para conservar os poucos cargos democráticos que ainda ocupavam.

Nas seções eleitorais em Caracas, no domingo, muitos eleitores manifestaram pouca confiança na justiça da eleição, mas disseram que decidiram participar assim mesmo, em alguns casos porque viram seu voto como a última ferramenta da qual dispõem na luta por transformações.

"Sei que o processo inteiro é controlado", disse o carpinteiro Blas Roa, 55, em Caracas, que votou pela primeira vez desde 2015. "Mas, se eu não votar, não estarei fazendo nada."

A maioria dos venezuelanos não se deu esse trabalho.

Apenas 42% dos eleitores foram às urnas –o menor índice de participação em qualquer eleição da qual a oposição participou nas duas últimas décadas. Após 20 anos de governo do Partido Socialista, poucas pessoas no país ainda têm esperanças de transformação radical. Em vez disso, as pessoas optam por aproveitar as novas liberdades econômicas para melhorar seus meios de subsistência precários.

Essa apatia induzida pelo governo acabou sendo a maior arma de Maduro nas eleições, disse o líder oposicionista Freddy Superlano, que concorreu ao governo do estado produtor de gado de Barinas, antigo reduto do Partido Socialista onde nasceu seu fundador, Hugo Chávez.

Na tarde da terça-feira (23), a disputa ainda estava apertada demais para que se pudesse declarar um vencedor.

O resultado teria sido diferente, disse Superlano, se as facções oposicionistas tivessem deixado suas divisões de lado e se unido numa campanha conjunta. "Estamos combatendo não apenas o candidato, mas todo o poder do Estado", ele disse, ao telefone, de Barinas.

Tradução de Clara Allain

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