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Eleição vai expor opositores que fizeram pacto com Maduro, diz María Corina

Opositora afirma que extradição de aliado do chavismo aos EUA pode complicar ditadura venezuelana

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Buenos Aires

Uma das opositoras mais radicais de Nicolás Maduro, María Corina Machado, 54, afirma que o regime venezuelano nem sequer deve ser visto como uma ditadura: para ela, trata-se de tirania, "uma rede criminosa que está transformando o país em uma Somália, em que estados e regiões estão fraturados".

Ex-congressista e líder do partido Vente Venezuela, Corina também afirma que o tempo de Juan Guaidó no comando da oposição já terminou e que agora é hora de líderes sociais e sindicais tomarem as rédeas do campo contrário aos chavistas. Há dois anos, ela já havia rompido com o ex-líder da Assembleia Nacional.

A líder opositora María Corina Machado durante entrevista coletiva em Caracas
A líder opositora María Corina Machado durante entrevista coletiva em Caracas - Carlos Garcia Rawlin - 15.jul.15/Reuters

Por videoconferência, de Caracas, Corina disse à Folha que "a farsa dessa eleição regional traz benefícios" a Maduro e que os opositores que aceitaram participar do pleito, marcado para o próximo dia 21, "são reféns e estão buscando cotas para eles, não aquilo que o país precisa".

Sem aliviar para os ex-aliados, afirmou ainda que a extradição do empresário Alex Saab, considerado testa de ferro do ditador venezuelano, pode trazer evidências de vínculos do chavismo com partes da oposição.

O que achou de o setor da oposição liderado por Juan Guaidó ter aceito participar das eleições? Não me estranha que existam atores políticos que se fazem passar por oposição na Venezuela hoje. O regime faz chantagem, extorsão, ameaças, e eles se transformaram em reféns. É uma pena, porque o movimento liderado por Guaidó foi uma boa oportunidade desperdiçada. Para o regime de Nicolás Maduro, a farsa dessa eleição regional traz benefícios, já que ele se mostra democrático e lava a cara, enquanto essa parte da oposição busca ser reconhecida como oposição legítima.

O fato é que, na verdade, o que estão propondo é uma rendição, uma coabitação com o regime, e não vamos apoiar isso. Esses opositores estão buscando cotas para eles, não aquilo que o país precisa.

A senhora apoiou Guaidó quando ele se proclamou presidente interino, em 2019. Eu fui a primeira pessoa da oposição a apoiar Guaidó, inclusive num momento em que muitos de seu próprio partido não queriam essa proclamação. Havia um setor que preferia que a Assembleia Nacional como um todo ocupasse o vazio de poder que se criava com a posse ilegítima de Maduro [o argumento dos opositores é o de que o cargo de presidente teria ficado vago em 10 de janeiro de 2019, quando o chavista iniciou um novo mandato depois de vencer eleições contestadas]. Meu argumento era o de que o mandato não poderia ser assumido por um grupo de pessoas, tinha de ser uma só, e a Constituição indicava que era ele.

Mas disse a Guaidó que não condicionasse suas ações aos quatro partidos que o apoiam, que não se rodeasse desses líderes e que preferisse o apoio das pessoas, da população e da comunidade internacional. O que ocorreu é que ele se resignou às exigências desses partidos, que foram envolvendo-o, com o objetivo de repartir o poder entre eles. E as pessoas sabem isso, há uma grande desconfiança da sociedade venezuelana em relação a ele.

A senhora não crê que essa eleição traga algum benefício? O que podem conseguir de fato? Vão ganhar algumas prefeituras e governos regionais, que o regime irá conceder, porque a ideia de uma eleição os ajuda fora da Venezuela, mas na prática os opositores não vão poder cumprir seus mandatos. Foi assim na eleição anterior. Os governadores de oposição tiveram de governar respondendo a um interventor.

Creio que o dia 21 de novembro vai marcar uma mudança: vamos ver de modo mais claro quem são os que estão fazendo acordos com o regime ou que já mudaram de lado. Aqueles que decidiram fazer parte dessa farsa estão ficando mais expostos. É um processo de depuração da oposição. Não há condições eleitorais na Venezuela hoje, assim como não há Estado de Direito e não há soberania nacional. Então de que estão falando? Não são eleições, é um jogo para acordos e para repartir poder.

O que podem significar a prisão de Alex Saab, considerado testa de ferro de Maduro, e a possível extradição de Hugo Carvajal, ex-aliado do chavismo, para os EUA? É essencial que eles estejam sendo levados à Justiça. Antes de mais nada, porque esse núcleo do poder se achava intocável. Saab tem informações muito valiosas. Era o intermediário entre vários campos de ação do chavismo, o financeiro, o criminoso e o militar. Sei que há evidências, inclusive, que mostram vínculos do chavismo com setores da oposição. Já Carvajal tem informação histórica, porque estava no chavismo desde o início.

Também creio que a extradição da Espanha de Claudia Días Guillén será muito importante na busca por justiça. Ela foi enfermeira e depois tesoureira de Chávez, uma coisa estranhíssima que tenha ocupado duas funções tão distintas, mas o certo é que conhecia com profundidade os bastidores do poder nessa época.

Há quem não reconheça o regime da Venezuela como uma ditadura. O que a senhora acha disso? Falar apenas de ditadura é não entender as redes criminosas e as dinâmicas que estão se desenvolvendo na Venezuela e que extrapolam suas fronteiras. Há alguns anos, quando falávamos da influência russa, iraniana e cubana na Venezuela, chamavam-nos de extremistas. Hoje, ninguém duvida da presença econômica, comercial, criminosa e militar desses países. Infelizmente muitos caem diante da fachada ideológica que está por trás do Foro de São Paulo, do Grupo de Puebla.

O que mantém essa tirania no poder é uma estrutura criminosa na qual foram se cruzando o crime organizado internacional e o terrorismo, num território em que encontram uma quantidade de serviços logísticos que o próprio Estado proporciona. Estão todos aqui, da guerrilha colombiana aos cartéis da droga e as redes criminosas e terroristas internacionais, que se dedicam à extração ilícita de minerais, ao narcotráfico e à prostituição infantil. É lamentável que haja atores políticos internacionais que ainda apoiem ou minimizem esse regime, porque eles sabem o que está acontecendo.

O que a comunidade internacional pode fazer além do que está fazendo? Sabemos que a maneira mais eficiente de anular um sequestrador é deixá-lo isolado. É preciso isolar a Venezuela, fazer com que não cheguem aqui as armas do Irã, a inteligência de Cuba. Até que o regime chegue a uma rendição, não teremos o que precisamos. Ele simulará diálogos, em que tudo o que fará é ganhar tempo. Foi o que aconteceu com todos os que tivemos até hoje. O que há para dialogar com Maduro a essa altura?

Já é hora de deixar de reconhecer Guaidó como presidente? EUA, Colômbia e Brasil ainda o fazem. Não se deve reconhecer Maduro, isso está claro. Mas então fica a dúvida. Se não é Maduro, se não é Guaidó, então quem? Defendo o apoio às lideranças que vêm surgindo na sociedade. Há associações de camponeses, de professores e de estudantes que estão surgindo e se organizando. Estamos vendo uma mobilização que vai além da política, porque já vimos que com essa classe política não se chega a nada. O propósito não deve ser mais o de ganhar uma corrida eleitoral, mas de desmontar um esquema de máfia.

Mas onde estão essas pessoas e por que não há mais manifestações? Há um processo de "somalização" do país, em que vemos estados e regiões se fraturando. Eu, que viajo de carro a várias regiões, sou constantemente parada por policiais, soldados e cidadãos que me dizem: "Corina, não continue a viagem, essa região está tomada". Ou seja, há partes do país totalmente sob o controle de grupos mafiosos.

E o regime também entrou nas zonas pobres, onde faz chantagens brutais. Condicionam a entrega de alimentos e medicamentos a apoio, a ida a atos, a não sair para reclamar. A população não tem água, luz, comida nem gasolina ou transporte. Nesse contexto, é uma situação de sobrevivência na qual é muito difícil retomar os protestos nas ruas como se fez há alguns anos. As pessoas pensam que não vale a pena sair para protestar se, amanhã, os atuais ditos opositores ganharem e repartirem o poder entre eles.


RAIO-X | MARÍA CORINA MACHADO, 54

Nascida em 1967 em Caracas, estudou engenharia industrial na Universidade Católica Andrés Bello e Políticas Públicas na Universidade Yale (EUA). Foi eleita deputada em setembro de 2010 e, na época, criticou as expropriações do regime de Hugo Chávez. Desde então, é uma das líderes da oposição à ditadura venezuelana.

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