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Regime cerceia e prende ativistas para frustrar manifestações em Cuba

Locais previstos para os atos em Havana ficaram quase vazios diante da intimidação policial

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Buenos Aires

Os protestos organizados por ativistas contra o regime de Cuba, marcados para esta segunda-feira (15), foram frustrados pelo cerco policial imposto desde a véspera dos atos. Os locais de Havana que receberiam os manifestantes ficaram praticamente vazios.

Até as primeiras horas da tarde, vários dissidentes foram presos para evitar que saíssem às ruas na manifestação cuja realização foi proibida pelo regime. Os organizadores do protesto, entre eles o coletivo Archipiélago, alegam que a Constituição permite protestos pacíficos.

Os atos foram marcados para este dia 15 por ser o primeiro dia em que turistas poderiam voltar a visitar a ilha, depois do início da pandemia, e porque se trata do feriado de aniversário de Havana.

Veículos militares circulam pelo Paseo del Prado em Havana
Veículos militares circulam pelo Paseo del Prado em Havana - Yamil Lage/AFP

Entre os detidos estão Manuel Cuesta Morua, 58, vice-presidente do Conselho para a Transição Democrática. Segundo declarações de sua mulher, Nairobi Scheri, à AFP, o marido foi levado ao tentar sair de casa, por volta das 13h locais (15h de Brasília).

Também foram detidos a líder da organização Damas de Blanco, Berta Soler, e o marido, Ángel Moya. Vários ativistas e jornalistas relataram também que a internet esteve instável nos últimos dias, impedindo transmissões e comunicações. A maioria conta que suas casas foram alvo de "escraches" e de manifestações de grupos pró-governo.

Desde o domingo (14) policiais cercaram prédios e casas onde vivem dissidentes, como forma de intimidação. A ativista Saily de Amarillo, uma das líderes do Archipiélago, filmou sua tentativa de deixar sua casa no começo da tarde, em Santiago de Cuba. Do lado de fora, vizinhos gritavam ofensas e cercavam sua saída. Horas depois, conseguiu sair e postou fotos em seu Twitter.

"É preciso que as pessoas que estejam acompanhando do exterior saibam que, se não pudermos sair para protestar hoje, não é porque as causas não são importantes, mas sim que nos estão encurralando, estão fazendo demonstrações de força nas ruas, desfilando com carros militares, vigiando nossas casas", disse num grupo virtual a jornalistas de várias partes do mundo a youtuber e influencer Dina Stars.

A atriz de 25 anos foi presa na última manifestação, em julho, no meio de uma transmissão. Liberada, passou a montar programas por meio de stories do Twitter para contar o que vem ocorrendo.

Desde cedo nesta segunda-feira, seu canal reuniu depoimentos dos que estavam tentando se mobilizar para sair. "Desta vez, estou transmitindo desde a casa da minha mãe, todos aqui têm medo, mas estão me apoiando. Por enquanto, acho que a mensagem mais importante que quero passar é que, se o protesto for fraco, não é porque nos acovardamos, é porque o regime não nos está deixando fazer nada."

Cubanos no México se manifestam a favor da oposição cubana, na embaixada da Cidade do México
Cubanos no México se manifestam a favor da oposição cubana, na embaixada da Cidade do México - Rodrigo Arangua/AFP

A blogueira Yoani Sanchéz chamou a atenção para o fato de a cidade estar sendo vigiada e quase ninguém ter saído às ruas durante a manhã. "Já nos fizeram ver que o Exército armado está circulando, também os Boinas Negras circulam desde ontem. As casas dos principais líderes do protesto estão cercadas. Se não houver protesto é por pura intimidação. É impressionante como o governo se armou para derrubar até um simples smartphone da mão de um adolescente que estiver na rua."

Alguns jornalistas ameaçados no dia anterior continuaram com seu movimento limitado. Foi o caso de Abraham Jiménez Enoa, do Washington Post, que está em prisão domiciliar. Após terem suas credenciais suspensas, jornalistas da agência espanhola Efe não puderam circular, sob o risco de serem presos.

O Comitê para Proteção dos Jornalistas pediu que autoridades respeitem os jornalistas que se colocarem contra a censura e o assédio. O secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, afirmou que são "estratégias de intimidação". Em resposta, o chanceler cubano, Bruno Rodríguez, escreveu nas redes sociais: "Blinken deve aprender de uma vez que o governo cubano só se deve a seu povo e recusa em nome do povo a intromissão dos EUA. Defendemos o direito de desfrutar da paz e da normalidade e de enfrentar sem ingerência os desafios que temos adiante".Em uma live, disse que os protestos foram uma "operação fracassada" que teria sido articulada a partir dos EUA.

O diretor para as Américas do Human Rights Watch, José Miguel Vivanco, afirmou que "as informações que recebemos de Cuba são desoladoras". "O regime está usando suas forças de segurança de modo maciço. Muitos jornalistas e críticos estão sitiados em suas casas. Alguns foram detidos. A intenção é clara: suprimir qualquer tentativa de protestar."

Relatos de jornalistas que puderam circular um pouco por Havana dão conta de que áreas como as do Capitólio, o Prado e o El Vedado estavam com forte presença policial e ajuda de grupos "revolucionários", cidadãos preparados para "defender a revolução".

Às 15h locais (17h no Brasil) teve início um tuitaço com as hashtags "Cuba Libre", "Cuba Vive y Renace", "Cuba 15N" e "Cuba é uma ditadura".

Logo depois, alguns manifestantes começaram a avisar que iriam sair de suas casas, mesmo cercadas por parte dos grupos de segurança.

Fora de Cuba, houve atos de apoio aos dissidentes. Em Miami, membros da comunidade cubana saíram às ruas no domingo e nesta segunda. Em Madri, houve concentração na Puerta del Sol, e, em Buenos Aires, diante da embaixada de Cuba realizaram-se manifestações contra o regime e a favor dele.

Os atos marcados para esta segunda-feira buscavam dar continuidade às manifestações espontâneas e inéditas que ocorreram em 11 de julho e levaram milhares de pessoas às ruas para protestar contra os cortes de luz, a perseguição a dissidentes do regime e a falta de alimentos e remédios. A escassez desses produtos se agravou com a pandemia de coronavírus, que interrompeu a entrada de estrangeiros —o turismo é a principal indústria do país— e das remessas de dinheiro que chegam de cubanos no exterior.

Enquanto os protestos de julho tiveram início de modo súbito, desta vez os manifestantes buscaram apoio internacional ao pedir permissão ao regime para o protesto desta segunda. Trata-se, afinal, de um direito garantido na Constituição, e se o governo não permitisse daria sinais de que a lei é letra morta.

Foi o que ocorreu. A ditadura recusou a permissão, sob a justificativa de que, durante o período, haverá exercícios militares visando a promoção da reabertura da ilha e da chegada de turistas.

Até aqui, a repressão ao movimento já levou à prisão 1.175 pessoas, de acordo com a associação Cubalex, que monitora temas relacionados a detenções políticas na ilha. Mais da metade deles continua atrás das grades e apenas cerca de 60 julgamentos foram realizados.

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