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Documentário sobre invasão do Capitólio perfila trumpistas e espelha bolsonarismo

'Four Hours at the Capitol' deixa explícito comportamento de adoração religiosa de movimentos de extrema direita

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Gabriel Trigueiro

Doutor em história comparada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro

O trumpismo —assim como o bolsonarismo— é melhor descrito como um movimento revolucionário, e não conservador. Se o conservador é alguém preocupado com mudanças bruscas que possam afetar as instituições, essa definição exclui de cara o trumpismo e o bolsonarismo. Basta assistir ao documentário "Four Hours at the Capitol", dirigido por Jamie Roberts, que esse aspecto fica claro e muito concreto.

Afinal, os insurgentes tratam o Capitólio, sede do Legislativo dos EUA, como a sua Bastilha particular. Mais uma vez, não são conservadores, mas neojacobinos em ação: no dia 6 de janeiro deste ano, em Washington, uma multidão enfurecida invadiu o Congresso americano para tentar colocar abaixo estruturas políticas que levaram séculos para serem construídas e solidificadas.

Tratava-se de uma turba persuadida pelo discurso do então presidente Donald Trump e de todo um ecossistema da extrema direita de que o próprio sistema democrático do país estava sob suspeição.

Apoiadores de Donald Trump durante invasão ao Capitólio, sede do Legislativo americano, em Washington - Samuel Corum - 6.jan.21/AFP

A principal virtude da narrativa do documentário, com foco nos invasores, é a de que a melhor maneira de compreender o que ocorreu é dando voz a essas pessoas. No entanto, ao oferecer muito espaço a grupos como os Proud Boys e os Cowboys for Trump, sem um contraponto imediato, o documentário deixa um risco: não é difícil imaginar um trumpista ou um bolsonarista assistindo ao filme como uma espécie de "O Nascimento de uma Nação" revisitado, fazendo a leitura de que o que ocorreu deve ser glorificado.

Mais para frente, a obra fica mais equilibrada, com os depoimentos dos policiais que estiveram na linha de frente e da viúva do agente Brian D. Sicknick, morto naquele dia, em ação.

O trumpismo e o bolsonarismo são aquilo que alguns chamam de uma religião gnóstica. É um cristianismo encenado: há, por exemplo, um mártir —retratado no Brasil no episódio da facada e, nos EUA, na suposta fraude eleitoral. Ambos abusam da acusação de apostasia —isto é, aos que abandonam a fé bolsonarista ou trumpista recai sempre a acusação de traição. Tayler Hanson, do Gateway Pundit, site de fake news e teorias conspiratórias de extrema direita, explica: "Trumpistas consideram Trump Jesus Cristo". Ele deixa explícito o comportamento de adoração religiosa.

No Brasil, volta e meia bolsonaristas citam a invasão do Capitólio com admiração. Não é à toa, uma vez que a direita brasileira mimetiza a americana. Hoje, a direita americana tem duas alas: uma parlamentar e outra violenta e simpática à destruição das instituições —observação válida para a direita brasileira.

Mais pontos em comum? Constantes desafios aos outros Poderes, Legislativo ou Judiciário. Foi recentemente que a bolsonarista dissidente Sara Winter declarou à Polícia Federal ter recebido incentivos do alto comando da burocracia federal para atacar o Supremo Tribunal Federal (STF).

Além disso, o bolsonarismo possui capilaridade nas polícias militares e um sistema midiático alternativo. Uma radicalização política que cresce demonstra que o bolsonarismo antecede, é maior e independe de Bolsonaro. Assim como o trumpismo é em relação ao finado governo Trump.

O ministro Alexandre de Moraes, do STF, será presidente do Tribunal Superior Eleitoral durante as eleições de 2022 no Brasil. Seria recomendável a ele assistir a "Four Hours at the Capitol". Mal não vai fazer.

Four Hours at the Capitol

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