Descrição de chapéu
Marcos Caramuru

Insegurança no cenário internacional marca 2021

Brasil não pode perder a ideia de, mais adiante, voltar a ter alguma influência sobre os rumos da realidade mundial

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Marcos Caramuru

Ex-embaixador em Pequim (2016 -2018), é sócio e gestor da KEMU Consultoria e conselheiro do Cebri (Centro Brasileiro de Relações Internacionais)

O ano de 2021 termina com uma sensação de insegurança sobre o cenário internacional. A expectativa que se tinha em janeiro de que uma nova liderança norte-americana traria maior estabilidade e menores riscos de conflito no mundo está longe de ter-se tornado realidade. A paz mundial está sob suspeição, com mais de um cenário trazendo riscos que podem se tornar difíceis de administrar. O mais preocupante deles está relacionado à situação de Taiwan. Mas outros quadros são complexos, como o da Ucrânia.

O multilateralismo segue sangrando e suscita baixas expectativas quanto ao futuro. Mesmo a COP 26, a reunião que gerou maior dose de otimismo no ano, teve ausências notáveis, como a de Xi Jinping, e produziu mais acordos seletivos (o acordo sobre florestas) ou na alçada do setor privado do que um entendimento global significativo.

Emmanuel Macron e Angela Merkel durante encontro de cúpula da UE - John Thys -24.mai.2021/AFP

Em dezembro, a Cúpula da Democracia gerou mais dúvidas do que soluções. Os americanos parecem privilegiar o multilateralismo seletivo e eivado de provocações, como o convite para a reunião feito a Taiwan e a governos cujo compromisso democrático é discutível.

Muitos se perguntam neste final de ano que papel exercerá a Europa no mundo, sem a sólida Angela Merkel na Alemanha e com eleições na França em 2022. Se Macron ganhar, há alguma esperança de que os europeus se entendam sobre os temas internacionais e, sobretudo, não tomem partido permanente nas disputas entre a China e os Estados Unidos.

No campo econômico, há indagações quanto a se o Fed está lidando corretamente com os riscos de uma inflação que pode não ser temporária e quanto à extensão da desaceleração chinesa. No front comercial, a perspectiva de novos entendimentos para uma retomada dos esforços de regulação internacional é reduzida ou nula, com a OMC severamente fragilizada e o protecionismo tornando-se atraente mesmo entre os paladinos do comércio liberal, como os EUA, que parecem jogar a toalha sem cerimônia, ao determinar, por exemplo, proteção aos carros elétricos produzidos em seu território.

No nosso cenário regional, as coisas tampouco andam bem. A decisão brasileira de abandonar sua natural liderança tem ajudado a fomentar uma América Latina dividida, sem rumo próprio e com interação precária entre os países. Com a vitória de Boric nas eleições no Chile, o Brasil possivelmente abandonará o diálogo fluido com mais um país da região. Há que se reconhecer que a visão ideológica e partidária em nossa política latino-americana não se iniciou com o governo Bolsonaro. As gestões do PT inauguraram o diálogo ideologicamente motivado. Mas Bolsonaro levou ao extremo a ideia de não dialogar com quem não tenha identidade.

Dos novos desafios na ordem mundial do futuro, quatro são mais evidentes: a construção da economia de baixo carbono; a incorporação de novas tecnologias à atividade produtiva e à vida de uma maneira geral, que gerará a necessidade de discussões de padrões e regras novos; a convivência do Ocidente com uma Ásia mais forte e mais influente, que encerra um natural conflito de valores e perspectivas; e a cooperação para o desenvolvimento, cuja importância foi evidenciada nos últimos dois anos, com o baixo acesso de países de menor desenvolvimento a vacinas, enquanto os países ricos acumulavam estoques em volume maior do que suas necessidades.

Há outros temas, antigos e novos, que também exigirão cooperação, como o combate ao terrorismo, a imigração, a cooperação no campo sanitário e de saúde, por exemplo.

Nossas credenciais em alguns desses tópicos, como a construção da economia de baixo carbono ou uma nova oxigenação da cooperação para o desenvolvimento, são amplamente reconhecidas. Ao lado disso, nossa corrente comercial com os asiáticos é hoje mais densa do que a corrente com a Europa. Também aí estamos acumulando experiências relevantes.

O Brasil perdeu condições de ser ouvido internacionalmente enquanto teve a visão ideológica de Ernesto Araújo na liderança do Itamaraty. Recuperou-se parcialmente com a diplomacia isenta e profissional de Carlos França. Mas França é parte de um governo desgastado, identificado com a ideia de desconstrução da ordem interna e, de certa forma, também da ordem internacional, ainda que mais recentemente venha praticando uma diplomacia com dose mais elevada de racionalidade.

O debate da política externa está longe de ser prioridade diante dos muitos dilemas de nossa realidade interna. Mas não estamos imunes às intempéries de um mundo cheio de riscos. O que melhor podemos esperar para o futuro é que as ameaças à paz não evoluam na direção de conflitos, que a comunidade internacional explore melhor a capacidade de entabular discussões globais relevantes e que os rumos da economia internacional não nos sejam muito desfavoráveis.

Isso só acontecerá se os países poderosos privilegiarem a contenção ao conflito, se as decisões econômicas tomadas nos grandes centros tiverem em conta não apenas as economias nacionais e se países com alguma capacidade de voz, como o Brasil, posicionarem-se com expressividade, equilíbrio e isenção.

Dado o desgaste que o Brasil acumulou recentemente, não é possível esperar muito de 2022 mas, num ano de eleições e de reflexões sobre o futuro, não podemos perder a ideia de, mais adiante, voltarmos a ter alguma influência sobre os rumos da realidade mundial.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.