Mercado de fertilizantes pode agravar disputa geopolítica no Leste Europeu

Lituânia compra briga com Belarus e Rússia com rota de exportação de commodity

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Andrew Higgins
Klaipeda (Lituânia) | The New York Times

Há quase duas décadas, o maior porto da Lituânia no mar Báltico recebe compridos trens cheios de uma espécie de areia marrom e avermelhada. A carga funciona como uma tábua de salvação econômica para Aleksandr Lukachenko, ditador da vizinha Belarus.

A tábua, porém, será retirada a partir desta terça (1º). O governo lituano decidiu barrar a chegada dos vagões que trazem a maior fonte de dinheiro de Lukachenko: potassa (material que é componente de fertilizantes) exportada por meio do porto de Klaipeda para a Europa e outros destinos.

Mina em Salihorsk, na Belarus, que pertence à estatal Belaruskali, uma das maiores produtoras de potassa no mundo
Mina em Salihorsk, na Belarus, que pertence à estatal Belaruskali, uma das maiores produtoras de potassa no mundo - James Hill - 12.abr.19/The New York Times

Os adversários do ditador aplaudem a decisão, mas outros receiam que ela tenha uma consequência não pretendida. A suspensão beneficia a Rússia, que deve passar a assumir o transporte do produto belarusso e assim controlar parte substancial da oferta mundial da commodity pouco conhecida, mas indispensável.

Também produzida pela Rússia, a potassa pode não parecer grande coisa, mas é altamente valorizada como nutriente agrícola vital para a segurança alimentar mundial. Ela mais que dobrou de preço no último ano, gerando bilhões de dólares de renda adicional para Lukachenko e outros produtores. O fechamento do que era a única rota de exportação pelo Báltico deve fazer o preço subir ainda mais.

Boa parte da receita da ferrovia estatal lituana e do porto de Klaipeda vem da potassa. As discussões entre a elite política e econômica lituana sobre o que fazer em relação à restrição comercial esquentaram tanto que em dezembro o governo se propôs a renunciar.

A divergência explodiu quando o presidente do Comitê de Relações Exteriores do Parlamento, Zygimantas Pavilionis, acusou o governo de trair os Estados Unidos —aliado-chave da Lituânia que no ano passado impôs sanções à produtora estatal de potassa da Belarus— e favorecer um ditador. Ex-embaixador em Washington, Pavilionis disse que a questão ficou muito tensa "porque envolve muito dinheiro".

Em carta enviada em dezembro à ferrovia estatal lituana, o Tesouro americano explicou que as sanções sobre uma grande produtora de potassa da Belarus não se aplicam a entidades de outros países, mas exortou que fosse adotada uma abordagem "baseada nos riscos" à compliance, sugerindo a possibilidade de problemas futuros.

A líder oposicionista belarussa Svetlana Tikhanovskaia, exilada na Lituânia e que há muito tempo luta pela interrupção do transporte do produto, se disse muito satisfeita de ver o fim do que descreveu como um negócio imoral, que vai ajudar a esvaziar "o bolso mais profundo do ditador".

No caso, a grande estatal Belaruskali, galinha dos ovos de ouro de Lukachenko. Maior exportadora e maior fonte de impostos do país, a empresa é responsável por 20% da oferta mundial de potassa.

Mas o esforço liderado pelos EUA para levar Lukachenko à falência também preocupa, devido aos benefícios resultantes para a Rússia. O Canadá, maior produtor mundial da commodity, também deve ser favorecido pelo aumento previsto nos preços, mas os benefícios para Moscou vão muito além.

"A Rússia está aplaudindo", diz Algis Latakas, diretor do porto de Klaipeda. O mais provável, segundo ele, é que a Belaruskali passe a usar trens russos e envie o produto para Ust-Luga, porto russo próximo a São Petersburgo e cujo desenvolvimento é há muito tempo um dos projetos de estimação de Vladimir Putin.

Ao longo do último ano, enquanto a União Europeia e os EUA impuseram várias rodadas de restrições econômicas à Belarus, o valor do comércio entre a Europa e o país quase dobrou. Isso ocorreu em grande parte devido ao aumento dos preços das commodities exportadas por Lukachenko, principalmente potassa e derivados de petróleo, cujo valor subiu muito graças, em parte, à incerteza crescente da oferta, resultante das sanções. "Lukachenko está simplesmente ganhando mais dinheiro", afirma Laurynas Kasciunas, presidente do Comitê de Segurança e Defesa Nacional do Parlamento lituano.

Em vez de ser persuadido a libertar presos políticos, como se esperava, o ditador deteve ainda mais pessoas. Segundo o grupo Viasna, que monitora os direitos humanos na Belarus, hoje há 980 pessoas atrás das grades no país por atividades políticas. É mais que o dobro do informado em junho, quando um jato comercial da Ryanair fez um pouso forçado em Minsk levando um jovem dissidente, que foi detido imediatamente —ao incidente se seguiu a rodada atual de sanções.

Tikhanovskaia reconheceu "o paradoxo que as sanções impuseram, mas a receita da Belarus cresceu".

Para ela, o arrocho sobre Lukachenko precisa ser reforçado, com o uso de uma "pressão insuportável" que consiga acabar com a lealdade de funcionários e empresários dos quais o ditador depende para permanecer no poder. Um elemento crucial para a sobrevivência econômica de Lukachenko é a potassa. Juntas, Rússia e a Belarus produzem 40% do suprimento mundial do fertilizante.

Há anos os produtores dos dois países competem fortemente pelos mercados de exportação. Mas, agora, com a probabilidade de a Belaruskali passar a depender de ferrovias e portos russos, Moscou ganhará grande influência sobre a estatal belarussa. Isso lhe possibilitará o mesmo uso que faz de reservas enormes de gás natural para manipular o mercado e colocar pressão sobre europeus.

"Todos têm um discurso bonito sobre democracia, mas o resultado será o exato oposto do que querem", diz Igor Udovickij, acionista de um terminal de carga no porto de Klaipeda que pertence em parte à Belaruskali. "Quem controla a potassa controla o suprimento mundial de alimentos. Estamos entregando uma arma nuclear nas mãos de Putin, mas uma que ele poderá usar de fato."

Udovickij tem interesse evidente em manter os trens de carga da Belarus indo para Klaipeda. Mas outros, sem interesse econômico em jogo, também receiam que a Rússia será a maior beneficiária dos esforços para barrar a passagem do produto pela Lituânia —país que no passado foi parte da União Soviética, contra sua vontade, e hoje é membro da União Europeia e da Otan.

"Precisamos tomar muito cuidado quando impomos sanções, para não simplesmente criar oportunidades para outros", diz Kasciunas. Para ele, como aliada incondicional dos EUA, a Lituânia tem o dever de apoiar sanções impostas pelo Tesouro americano à Belarus, mas o país também tem outros motivos de preocupação —ou seja, a Rússia. "Ninguém aqui é a favor de Lukachenko, mas todo o mundo se preocupa sobretudo com a Rússia. Há questões geopolíticas muito complexas em jogo."

A Rússia vem se esforçando há anos, até agora em vão, para ganhar controle na Belaruskali, "joia da coroa" da decrépita base industrial de Lukachenko. Diferentemente da outra principal fonte de receita da Belarus (produtos de petróleo baseados em suprimentos de óleo cru da Rússia), a estatal não depende de Moscou para operar. Ou, pelo menos, não dependia até este mês.

Tendo pedido ajuda ao Kremlin para reprimir enormes protestos desencadeados pela eleição fraudada de agosto de 2020, Lukachenko vem desde então perdendo a capacidade de resistir às exigências de Moscou. E agora a Belaruskali parece cada vez mais vulnerável. Tikhanovskaia rejeita receios de que as sanções vão apenas fazer seu país aproximar-se mais da Rússia, dizendo que são um argumento promovido por Lukachenko para tentar sustar ações movidas por princípios. "Tudo não passa de blefe."

Mesmo assim, a Lituânia vai perder centenas de milhões de dólares por interromper a passagem das exportações belarussas por Klaipeda. E, segundo uma avaliação de prejuízos potenciais feita pelo governo, o país pode enfrentar ações legais pedindo indenizações de até US$ 15 bilhões por contratos rompidos. Udovickij, por exemplo, diz que pretende processar o governo e pedir uma indenização polpuda.

Mas o ministro dos Transportes Marius Skuodis disse que, para um país pequeno que depende dos EUA para segurança contra uma Rússia cada vez mais assertiva, há muito mais em jogo do que apenas dinheiro. "É uma questão geopolítica muito difícil."

Tradução de Clara Allain

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