Com apoio do Brasil, Assembleia-Geral da ONU aprova resolução contra Rússia

Documento que pede retirada de tropas teve 141 votos a favor e 5 contrários

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Washington

A Assembleia-Geral da ONU aprovou nesta quarta-feira (2) uma resolução condenando a invasão da Ucrânia pela Rússia, por 141 votos a favor, 5 contra e 35 abstenções.

Os votos contrários foram de Belarus, Coreia do Norte, Eritreia, Rússia e Síria. O grupo que se absteve inclui China, Índia, África do Sul, Irã, Cuba, El Salvador, Nicarágua, Sudão e Uganda.

A resolução foi proposta conjuntamente por 95 dos 193 países do colegiado. O Brasil não se juntou ao grupo dos proponentes, mas votou a favor da medida.

Reunião da Assembleia-Geral da ONU, em Nova York, na quarta (2) - Spencer Platt/Getty Images/AFP

Outros 12 países, incluindo a Venezuela, não participaram da votação por estarem ausentes da sessão ou porque têm dívidas elevadas nas contribuições para a manutenção da ONU e estão com o direito ao voto suspenso.

Além de condenar a invasão da Ucrânia pela Rússia, o documento defende que nenhuma aquisição de território por ameaça ou uso da força deve ser reconhecida como legal e expressa grave preocupação com os relatos de ataques a civis.

A resolução reafirma a independência da Ucrânia e sua integridade territorial, deplora nos termos mais fortes a agressão da Rússia contra o país vizinho e demanda que Moscou retire suas forças da Ucrânia imediatamente. Rechaça, ainda, o envolvimento da Belarus no conflito.

A Assembleia-Geral, no entanto, não pode aplicar medidas como sanções ou envio de missões de paz; só o Conselho de Segurança tem autoridade para tal. Essa instância das Nações Unidas é formada por 15 países, cinco dos quais com assentos permanentes e com poder de veto e outros dez em vagas rotativas —o Brasil atualmente ocupa uma posição temporária. Como a Rússia é membro fixo, pode barrar medidas contra si mesma, o que aliás já fez nesse conflito.

Assim, a resolução tem como principal função deixar claro como os demais países veem as ações da Rússia e mostrar o isolamento internacional do país, bem maior do que em casos anteriores.

Em 2014, a Assembleia-Geral também aprovou uma resolução condenando a anexação da Crimeia, até então parte da Ucrânia, pela Rússia. Naquele ano, 100 países apoiaram a medida, 11 foram contra e 58 se abstiveram.

A resolução atual foi aprovada em uma reunião emergencial da Assembleia-Geral, a 11ª convocada desde a criação da ONU, em 1945. O encontro começou na segunda (28) e teve discursos de mais de 120 representantes.

Em sua fala após a votação, Ronaldo Costa Filho, representante brasileiro na ONU, disse que a medida foi bem-vinda, mas fez ponderações. "A resolução não vai longe o suficiente em ressaltar que o fim das hostilidades é só um primeiro passo para atingir a paz. A paz sustentável precisa de passos adicionais. A paz requer mais do que silenciar as armas e retirar as tropas. Requer trabalho amplo sobre as preocupações de segurança das partes. A única precondição deveria ser um cessar-fogo imediato", disse.

"A resolução não pode ser vista como permissiva em relação à aplicação indiscriminada de sanções e ao envio de armas. Essas iniciativas não são condizentes com a retomada do diálogo diplomático construtivo. E geram risco de maior escalada das tensões, com consequências imprevisíveis."

Na segunda (28), também na Assembleia-Geral, o brasileiro havia questionado o envio de armas, ao mesmo tempo que condenou a invasão russa e pediu por um cessar-fogo.

"Nos últimos anos, temos visto uma deterioração progressiva da situação de segurança e do balanço de poder na Europa Oriental. O enfraquecimento dos Acordos de Minsk por todas as partes e o descrédito das preocupações com a segurança vocalizadas pela Rússia prepararam o terreno para a crise que estamos vendo. Deixe-me ser claro: essa situação não justifica o uso da força contra o território de um Estado membro", disse na ocasião. O presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, entretanto, tem defendido a neutralidade do país em relação ao conflito.

Ao justificar a abstenção na votação desta quarta, o representante da China, Zhang Jun, disse que a resolução não leva em consideração a história e a complexidade da situação atual. "A resolução da crise na Ucrânia requer abandonar a mentalidade da Guerra Fria, a lógica de garantir a segurança de um às custas da segurança dos outros e a busca de segurança regional por meio da expansão de blocos militares", discursou.

Ele também criticou as medidas contra a Rússia. "Exercer pressão cegamente, impor sanções e criar divisão e confronto só irá complicar mais a situação e resultar em um transbordamento rápido da crise, que afetará mais países." Na terça, a chancelaria de Pequim havia mudado o tom e indicado esforços diplomáticos para o fim da guerra, ao falar com o governo de Kiev.

Em um último apelo antes da votação, Serguei Kislitsia, representante da Ucrânia na ONU, voltou a comparar as ações da Rússia com as da Alemanha nazista. "Eles [soldados russos] vieram resolver o que chamam de 'problema ucraniano'. Há mais de 80 anos, outro ditador tentou resolver de forma final o 'problema' de outro povo. Ele falhou porque o mundo respondeu de forma unida", disse Kislitsia.

O ucraniano também acusou a Rússia de conduzir um genocídio em seu país e pediu ações internacionais mais firmes. "É fácil assinar a Carta da ONU em tempos de paz. Venha assiná-la em tempos de guerra."

Ao pedir voto contra a resolução, o representante russo na ONU, Vasili Nebenzia, disse que a maioria dos países sofre pressão de potências do Ocidente para se posicionar contra Moscou. Ele voltou a acusar o governo ucraniano de usar civis como escudo e de perseguir a própria população. "Votar contra a resolução é votar por uma Ucrânia livre do radicalismo e do neonazismo", afirmou Nebenzia.

Uma das últimas a falar antes da votação, a embaixadora dos EUA Linda Thomas-Greenfield disse que Moscou está se preparado para aumentar a brutalidade de sua campanha militar na Ucrânia. "A Rússia está destruindo serviços vitais que levam gás e água potável para a população. Agora, parece que está se preparando para aumentar a brutalidade", disse Greenfield, citando vídeos que mostram forças militares transportando armamentos que, segundo ela, são banidos pela Convenção de Genebra.

A embaixadora acusou as forças de Vladimir Putin de atacarem civis e prédios públicos que incluem orfanatos, hospitais, jardins de infância e memoriais.

À noite, horas após a decisão, o presidente americano Joe Biden disse que a votação na ONU "demonstra a extensão da indignação global com a terrível invasão da Rússia a um vizinho soberano e uma unidade global sem precedentes".

Na votação, representantes de países como Alemanha, Luxemburgo, Guatemala e Estônia colocaram bichinhos de pelúcia e brinquedos em suas mesas. "A crucial resolução de hoje apoia uma ordem de regras e valores que servem à paz, também para as futuras gerações. A invasão é uma ameaça real para as crianças, já presente na Ucrânia, mas potencialmente além dela", explicou a missão da Alemanha.


Países que discordaram da resolução

Votaram contra (5)
Belarus
Coreia do Norte
Eritreia
Rússia
Síria

Abstiveram-se (35)
África do Sul
Argélia
Angola
Armênia
Bangladesh
Bolívia
Burundi
Cazaquistão
China
Congo
Cuba
El Salvador
Guiné Equatorial
Índia
Irã
Iraque
Laos
Madagascar
Mali
Mongólia
Moçambique
Namíbia
Nicarágua
Paquistão
República Centro-Africana
Quirguistão
Senegal
Sri Lanka
Sudão
Sudão do Sul
Tadjiquistão
Tanzânia
Uganda
Vietnã
Zimbábue

Não votaram (12)
Azerbaijão
Burkina Fasso
Camarões
Eswatini
Etiópia
Guiné
Guiné-Bissau
Marrocos
​Togo
Turcomenistão
Uzbequistão
Venezuela

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.