Brasil paga metade da dívida com órgãos internacionais e garante voto na ONU

Repasse foi possível após remanejamento de recursos no fim de 2021; país acaba de assumir assento no Conselho de Segurança

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Brasília

O Ministério da Economia conseguiu quitar metade das dívidas acumuladas pelo governo brasileiro com organismos internacionais, graças a um remanejamento de recursos feito no apagar das luzes de 2021.

Os pagamentos, que totalizam R$ 3,64 bilhões, se deram dias antes de o Brasil assumir um assento como membro não permanente no Conselho de Segurança da ONU, no sábado (1º) —a cerimônia de posse foi nesta terça (4). A ONU era um dos organismos em que o Brasil corria o risco de perder o direito a voto devido aos débitos.

A falta de pagamento já constrangeu o país e arranhou sua imagem no exterior. Antes do repasse, a dívida acumulada era da ordem de R$ 7,8 bilhões, de acordo com fontes da área econômica.

4 de Janeiro de 2022. An installation ceremony of the national flags of the countries of the newly elected non-permanent members to serve on the United Nations Security Council for the term 2022-2023 is held today at UN Headquarters. The five new non-permanent members are Albania, Brazil, Gabon, Ghana, and United Arab Emirates.Ronaldo Costa Filho, Permanent Representative of Brazil to the United Nations, stands next to the flag of his country. Foto: Eskinder Debebe/Divulgação ONU
O embaixador do Brasil nas Nações Unidas, Ronaldo da Costa Filho, em cerimônia de instalação das bandeiras dos membros não permanentes do Conselho de Segurança, no prédio da ONU, em Nova York - Eskinder Debebe/Divulgação ONU

Nesta terça, o Ministério das Relações Exteriores enviou ofício à Economia para agradecer o "pronto desembolso" dos recursos. "Os pagamentos efetuados na última semana de 2021 evitaram perda de voto em diversos organismos internacionais, de que é exemplo mais notório a Organização das Nações Unidas, em cujo Conselho de Segurança o Brasil acaba de voltar a ocupar assento", diz o documento, assinado pelo secretário-geral substituto, Paulino Franco de Carvalho Neto, e obtido pela Folha.

"O país também manterá sua plena atuação na Organização Mundial do Comércio, na Organização Internacional do Trabalho e na Organização para a Proibição das Armas Químicas, entre outros."

O dinheiro foi liberado por meio de uma portaria da Secretaria Especial de Tesouro e Orçamento do Ministério da Economia, publicada em edição extra do Diário Oficial da União em 21 de dezembro.

Apenas à ONU o governo pagou R$ 394,8 milhões. Outros R$ 2,7 bilhões foram para a integralização de cotas em instituições como o NDB (Novo Banco de Desenvolvimento, conhecido como banco do Brics), presidido por um brasileiro, o ex-secretário de Comércio Exterior e Assuntos Internacionais Marcos Troyjo.

Também houve repasses ao Tribunal Penal Internacional, ao Mercosul e à Organização dos Estados Americanos. O espaço para o remanejamento de gastos foi apontado pelo Ministério da Economia em um relatório extemporâneo de avaliação de receitas e despesas do Orçamento, publicado sem alarde em 20 de dezembro. O documento indicou a possibilidade de elevar despesas discricionárias em R$ 4,4 bilhões.

Técnicos explicaram à Folha que o espaço fiscal surgiu porque o governo recebeu autorização do Congresso para bancar despesas retroativas do auxílio emergencial pago a famílias chefiadas por pais solteiros com recursos de crédito extraordinário. Esse tipo de valor fica fora do teto de gastos —regra que limita o avanço das despesas à inflação.

Assim, R$ 3,74 bilhões que sobraram do Bolsa Família —benefício que deixou de ser pago a algumas famílias em boa parte de 2021 para ser substituído pelo auxílio emergencial— puderam ser direcionados a outras despesas, entre as quais as contribuições a organismos internacionais.

Em algumas situações, o repasse de uma dotação a outra requer autorização do Congresso. No entanto, em setembro de 2021, os parlamentares avalizaram uma mudança na Lei Orçamentária Anual que deu maior flexibilidade ao Poder Executivo.

Pelo texto, o Ministério da Economia poderia fazer, por conta própria, a ampliação de dotações de despesas discricionárias (que incluem custeio e investimentos), desde que fossem efetuadas após o último relatório programado do Orçamento, publicado em 22 de novembro. Outra condição era que as portarias de abertura dos novos créditos fossem editadas até 31 de dezembro de 2021.

A aprovação desse dispositivo foi considerada uma vitória pela pasta, após o Congresso ter, no fim de 2020, desviado boa parte dos recursos destinados à regularização de dívidas com organismos internacionais para turbinar obras em redutos eleitorais de parlamentares.

À época, a articulação foi comandada pelo Ministério do Desenvolvimento Regional, chefiado por Rogério Marinho (PL), desafeto do titular da Economia, Paulo Guedes. O remanejamento colocou o Brasil em uma situação embaraçosa, já que o país quase perdeu o direito a voto na ONU e ficou inadimplente com o NDB.

A estratégia deu ao governo maior liberdade para reduzir o passivo bilionário com essas instituições. O tema já havia sido alvo de alertas do TCU (Tribunal de Contas da União), pois o governo assumiria despesas sem que elas estivessem previstas no Orçamento, violando a Constituição.

Apesar do alívio, a situação das dívidas com organismos internacionais ainda preocupa, pois nem todo o passivo foi regularizado. No ofício enviado à Economia, o Itamaraty alerta, por exemplo, que a variação na cotação de moedas estrangeiras inviabilizou o pagamento integral de dívidas com a AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica) e com a FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura). Apesar de quitar parte das pendências, há ainda dívidas remanescentes com instituições como o NDB. Nesses organismos, portanto, o Brasil ainda está sob ameaça de perder o direito a voto.

Além disso, o Congresso promoveu cortes significativos nas dotações previstas para esse segmento no Orçamento de 2022. Segundo técnicos, o valor deixado pelos parlamentares não é suficiente nem sequer para honrar as contribuições previstas para o ano —indicando o risco de novo aumento da dívida.

Uma medida para tentar mitigar o peso dessas contribuições foi a redução da participação do Brasil no orçamento da ONU, que passará dos atuais 2,948% para 2,013% de 2022 a 2024, segundo o ofício do MRE.

Procurado, o Ministério da Economia afirmou, por meio da Secretaria de Assuntos Internacionais, que não poderia detalhar os dados. "Em vista do término da execução orçamentária referente a pagamentos a organismos internacionais ter-se dado em 31 de dezembro de 2021, os dados solicitados ainda não foram processados", diz a nota. Segundo a pasta, o país ainda espera confirmação de recebimento dos repasses por parte dos organismos internacionais. A expectativa é divulgar as informações a partir de 10 de janeiro.

O Itamaraty não respondeu até a publicação desta reportagem.

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