Como a Força Aérea da Ucrânia está combatendo jatos da Rússia

Piloto ucraniano descreve batalhas no ar, para as quais decola sem ter muitas informações prévias

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Maria Varenikova Andrew E. Kramer
Lviv (Ucrânia) | The New York Times

Pilotos ucranianos como Andri ficam à espera todas as noites num hangar de aeronaves, em local não revelado, até a tensão ser rompida com um comando aos gritos: "Ao ar!".

Andri embarca correndo em seu jato supersônico Su-27, vai para a pista e levanta voo imediatamente. Ele decola tão rapidamente que ainda nem sabe qual será sua missão para aquela noite, ainda que o contexto geral seja sempre o mesmo: combater uma força aérea russa vastamente superior em números, mas que ainda não conseguiu ganhar o controle do céu ucraniano.

Coluna de fumaça após explosão provocada por ataque russo em Lviv, na Ucrânia
Coluna de fumaça após explosão provocada por ataque russo em Lviv, na Ucrânia - Iuri Diatchichin - 18.mar.22/AFP

"Não faço verificações de segurança", disse Andri, piloto da Força Aérea ucraniana que, como condição para dar a entrevista, não foi autorizado a informar seu sobrenome ou patente. "Simplesmente decolo."

Passado quase um mês desde o início dos combates, uma das maiores surpresas da guerra na Ucrânia vem sendo o fato de a Rússia não ter derrotado a Força Aérea ucraniana. Analistas militares previam que Moscou destruísse ou paralisasse as defesas aéreas ucranianas em pouco tempo, mas não ocorreu nem uma coisa nem outra. Em vez disso, combates entre aviões inimigos, ao estilo de "Top Gun - Ases Indomáveis", raros em guerras modernas, estão sendo travados nos céus do país.

"Cada vez que decolo é para um combate para valer", afirma Andri, 25, que já atuou em dez missões na guerra. "Não há igualdade de condições nos combates. Eles sempre têm cinco vezes mais" aviões no ar.

O sucesso dos ucranianos tem ajudado a proteger soldados em terra e a evitar bombardeios maiores nas cidades, porque os pilotos já interceptaram alguns mísseis de cruzeiro russos. Autoridades de Kiev dizem que as forças do país já derrubaram 97 aeronaves russas de asas fixas. Esse número não pôde ser verificado, mas destroços de caças russos já caíram sobre rios, campos e casas.

A Força Aérea ucraniana opera em sigilo quase total. Seus caças podem decolar de pistas no oeste do país e de aeroportos bombardeados que conservam pista suficiente para permitir aterrissagens ou decolagens. Podem até decolar de rodovias. Estão em desvantagem numérica imensa: acredita-se que a Rússia coloque no ar cerca de 200 missões aéreas por dia, enquanto a Ucrânia lança de cinco a dez.

Mas os pilotos ucranianos possuem uma vantagem. Na maior parte do país, os aviões russos sobrevoam território controlado por militares ucranianos, que podem deslocar mísseis antiaéreos para atacar aviões.

"A Ucrânia tem sido eficaz no céu porque operamos em nosso país", diz o porta-voz Yuri Ihnat. Ele descreveu a estratégia como sendo a de atrair aviões russos para armadilhas de defesa aérea.

Dave Deptula, diretor do Instituto Mitchell de Estudos Aeroespaciais e planejador principal dos ataques da campanha aérea Tempestade no Deserto, no Iraque, afirma que o desempenho impressionante dos pilotos ucranianos tem ajudado a compensar a desvantagem numérica. Segundo ele, a Ucrânia hoje possui cerca de 55 caças operacionais, número que vem diminuindo devido aos aviões derrubados e a falhas mecânicas que ocorrem porque os pilotos "exigem performance máxima" de seus aviões.

O presidente Volodimir Zelenski tem feito apelos a governos ocidentais para reabastecerem a Força Aérea ucraniana e pedido que a Otan imponha uma zona de exclusão aérea sobre o país, medida que os líderes se negam a adotar. Eslováquia e Polônia estudam enviar caças MiG-29, que pilotos ucranianos poderiam usar com treinamento adicional mínimo, mas ainda não foi feita qualquer transferência.

"As tropas russas já dispararam quase mil mísseis e bombas incontáveis contra a Ucrânia", disse Zelenski em 16 de março, falando por vídeo ao Congresso americano e apelando por mais aviões. "E vocês sabem que eles existem e que vocês os possuem, mas estão em terra, não na Ucrânia —no céu da Ucrânia."

Deptula acha a transferência desses jatos crucial. "Se não receberem novos aviões, os deles vão acabar antes que se acabem os pilotos." Drones não pilotados também são uma ferramenta do arsenal militar ucraniano, mas não participam da batalha pelo controle do espaço aéreo.

A Ucrânia usa um drone de fabricação turca, o Bayraktar TB-2, uma aeronave lenta, de hélice, que é letalmente eficaz na destruição de tanques ou canhões de artilharia em terra, mas não consegue atingir alvos no ar. Se as defesas aéreas ucranianas falharem, os jatos russos poderão derrubar os drones.

Como é o caso de outros aspectos do esforço de guerra ucraniano, voluntários desempenham um papel nas batalhas aéreas. Uma rede observa e escuta os jatos russos, informando coordenadas, velocidade e altitude estimadas. Outros pilotos comerciais tiraram modernos equipamentos de navegação civil de seus aviões e os entregaram à Força Aérea.

Combates ar-ar são raros em guerras modernas, e houve exemplos isolados disso nas últimas décadas. Pilotos americanos, por exemplo, não realizam missões extensas de combate aéreo desde a primeira Guerra do Iraque, em 1991 —desde então, caças americanos travaram combates ar-ar em poucas ocasiões, tendo derrubado dez aviões nas Guerras dos Bálcãs e um na Síria, de acordo com Deptula.

Andri diz que nas missões noturnas ele usa instrumentos para detectar as posições de aviões inimigos e afirma já ter derrubado jatos russos, mas não foi autorizado a informar quantos ou de qual tipo. Conta que seu sistema de direcionamento é capaz de disparar contra aviões a dezenas de quilômetros de distância. "Geralmente sou encarregado de atingir alvos que estão voando, de interceptar jatos inimigos", diz. "Espero meu míssil identificar o alvo. Então pressiono ‘disparar’."

Segundo ele, quando derruba um jato russo, fica feliz, "porque esse avião não vai mais bombardear minhas cidades pacíficas".

Os enfrentamentos aéreos na Ucrânia têm sido na maioria dos casos noturnos, já que os aviões russos atacam no escuro, quando ficam menos vulneráveis às defesas antiaéreas. Andri disse que nos combates na Ucrânia os russos vêm usando uma série de jatos modernos Sukhoi, como Su-30, Su-34 e Su-35.

"Já estive em situações em que estava esperando meu míssil identificar o alvo, ao mesmo tempo que o controle em terra me avisava que um míssil já tinha sido disparado contra mim", afirma.

Ele diz ter feito uma série de manobras extremas de inclinação, mergulho e subida com seu jato para esgotar o suprimento de combustível dos mísseis que estavam vindo contra ele.

Mesmo assim conta ainda sentir "uma onda enorme de adrenalina no corpo, porque cada voo é um combate". Andri decidiu tornar-se piloto quando era adolescente e se formou na Escola da Força Aérea em Kharkiv. "Nem eu nem meus amigos jamais pensamos que teríamos que encarar uma guerra de verdade", comenta. "Mas as coisas não saíram como prevíamos."

Ele levou sua mulher para viver numa região mais segura da Ucrânia, e ela passa o tempo costurando redes de camuflagem caseira para o Exército. Andri diz que nunca conta a familiares quando está saindo numa missão e que só telefona a eles quando retorna de um voo noturno.

"Só preciso usar minhas habilidades para vencer", diz. "Sou mais hábil que os russos. Por outro lado, muitos de meus amigos, mesmo os que tinham mais experiência que eu, já morreram."

Tradução de Clara Allain

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.