Família de foto que resumiu horror da guerra viu história se repetir na Ucrânia

Os Perebinis já tinham sido deslocados por conflitos em 2014, quando viviam em Donetsk

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Andrew E. Kramer
Kiev (Ucrânia) | The New York Times

Eles se conheceram no colégio, mas se tornaram um casal anos mais tarde, depois de se reencontrarem na pista de dança de uma boate na Ucrânia. Casados em 2001, viviam num apartamento em um subúrbio em Kiev com seus dois filhos e seus cachorros, Benz e Cake. Ela era contadora; ele, programador de computadores.

Serhi e Tetiana Perebinis tinham uma minivan Chevrolet. Dividiam uma casa de campo com amigos. Tetiana Perebinis fazia jardinagem e adorava esquiar. Tinha acabado de voltar da Geórgia, onde havia ido esquiar.

Serhiy Perebyinis segura retrato de sua mulher, Tetiana, e seus filhos Mykyta, 18, e Alisa, 9
Serhi Perebinis segura retrato de sua mulher, Tetiana, e seus filhos Mikita, 18, e Alisa, 9 - Lynsey Addario - 10.mar.2022/The New York Times

Então, no final do mês passado, a Rússia invadiu a Ucrânia e em pouco tempo os combates se deslocaram para a capital, Kiev. Não demorou para a cidade deles ser atingida por projéteis de artilharia. Uma noite uma bomba caiu sobre o edifício deles, levando Tetiana Perebinis e seus filhos a se refugiarem no subsolo. Finalmente, com seu marido tendo viajado para o leste do país para dar assistência à sua mãe, que estava doente, Tetiana decidiu que era hora de fugir dali com seus filhos.

Eles não conseguiram. Tetiana, 43 anos, e seus filhos Mikita, 18 anos, e Alisa, 9, morreram no domingo quando atravessavam correndo os resquícios de uma ponte danificada em Irpin, sua cidade, tentando chegar a Kiev. Morreu com eles um voluntário de igreja que os estava ajudando, Anatoly Berezhnyi, 26 anos.

Soldados ucranianos tentam salvar o amigo de uma família de quatro pessoas atingida por bombardeios russos em Irpin
Soldados ucranianos tentam salvar o amigo de uma família de quatro pessoas atingida por bombardeios russos em Irpin - Lynsey Addario - 6.mar.22/The New York Times

Sua bagagem —uma mala azul com rodinhas, uma mala cinza e algumas mochilas— estava espalhada perto dos corpos, juntamente com uma gaiola verde para transportar um cãozinho, que latia sem parar.

Eles foram quatro entre as muitas pessoas que tentaram atravessar aquela ponte no último fim de semana, mas a morte deles repercutiu muito além de seu subúrbio ucraniano. Uma foto da família e Berezhni estirados no chão, ensanguentados e mortos, feita pela fotógrafa do The New York Times Lynsey Addario, resume bem o massacre indiscriminado cometido por um exército russo invasor que tem cada vez mais atacado áreas civis densamente povoadas.

A vida e as horas finais da família Perebinis foram descritas em entrevista dada por Serhi Perebinis e a madrinha de um de seus filhos, Polina Nedava. Serhi, que também tem 43 anos, soube da morte de sua família pelo Twitter, em posts feitos por ucranianos.

Debulhado em lágrimas, Perebinis disse que na noite antes de sua mulher morrer ele lhe disse que lamentava demais não estar com ela.

"Falei: ‘Me perdoe por não estar podendo defender vocês’", ele contou. " ‘Tentei cuidar de uma pessoa e por isso não consigo proteger vocês.’"

Ela disse: "Não se preocupe, vamos sair daqui."

Quando isso não aconteceu, Perebinis disse que achou importante o fato da morte deles ter sido registrada em fotos e vídeo. "O mundo inteiro precisa saber o que está acontecendo aqui", ele disse.

A família Perebinis já havia sido deslocada pela guerra uma vez, em 2014, quando vivia em Donetsk, no leste da Ucrânia, e a Rússia fomentou um levante separatista. Eles se mudaram para Kiev para escapar dos combates e começaram a reconstruir a vida. Serhi contou que quando tanques russos começaram a invadir a Ucrânia, no mês passado, eles mal conseguiram acreditar que a história estava se repetindo.

Tetiana Perebiinis trabalhava para a SE Ranking, empresa de software com escritórios na Califórnia e em Londres. A empresa incentivou seus funcionários a deixarem a Ucrânia assim que os combates começaram. Chegara a alugar um lugar para eles se hospedarem na Polônia, contou Serhi. Mas sua mulher adiou a partida porque não tinha certeza de como poderia evacuar sua mãe, que tem a doença de Alzheimer.

Retrato de Tetiana Perebyinis, morta em bombardeio russo
Retrato de Tetiana Perebinis, morta em bombardeio russo - Lynsey Addario/The New York Times

No sábado, depois de passar dois dias no subsolo, a família fez uma primeira tentativa de partir. Mas quando estavam carregando seus pertences na minivan, um tanque chegou na rua diante do prédio. Eles decidiram esperar.

Na manhã seguinte eles já estavam de pé às 7h, preparando-se para partir. Tetiana discutira o plano minuciosamente com seu marido. Ela, seus dois filhos e os pais dela, que viviam ali perto, se juntariam a um grupo de fiéis de uma igreja e tentariam partir para Kiev, para então tentar chegar a algum lugar mais seguro a partir da capital.

Eles foram de carro o mais longe que conseguiram em Irpin, mas então Tetiana foi obrigada a abandonar a minivan. Eles partiram a pé em direção à ponte danificada sobre o rio Irpin.

Para escapar, tiveram que atravessar cerca de cem metros de rua exposta em um lado da ponte. Quando forças russas dispararam contra a área, muitas pessoas tentaram proteger-se atrás de um muro de tijolos.

Berezhni, o voluntário da igreja, havia evacuado sua própria família antes mas retornara para ajudar outras. Ele estava com Tetiana Perebinis e os filhos dela quando começaram a correr para o outro lado.

Ao longo da noite Serhi Perebinis tentara monitorar onde sua mulher estava, usando o aplicativo localizador dos celulares deles. Mas o app não mostrava nada: a família estava num subsolo, sem sinal de celular.

Ele contou que por volta do amanhecer viu um "ping" mostrando o endereço da família. Mas não havia nada que os mostrasse em movimento. A recepção de celulares ficara muito irregular na cidade.

O pingue localizador seguinte no telefone de Serhi chegou às 10h do domingo. O telefone estava no Hospital Clínico Nº 7, em Kiev. Alguma coisa dera errado.

Ele ligou para o número de sua esposa. O telefone tocou, mas ninguém atendeu. Sergei ligou para os telefones de seus filhos e teve o mesmo resultado.

Meia hora mais tarde, ele viu um post no Twitter dizendo que uma família morrera num ataque de morteiro contra a rota de evacuação de Irpin. Pouco depois apareceu outro post no Twitter, este com uma foto. "Reconheci as malas e foi assim que eu fiquei sabendo do que acontecera", ele contou.

Quando pedimos que descreva sua mulher, Serhi Perebinis se deixa cair na cadeira. Polina Nedava disse que Tetiana tinha um espírito leve, que gostava de fazer brincadeiras e costumava alegrar o ambiente em volta.

Ao longo dos muitos anos que passaram casados, disse Serhi, "reformamos três apartamentos e não tivemos um único desentendimento".

Anatoly Berezhni havia levado sua esposa para o oeste da Ucrânia, mas retornado a Irpin para ajudar com a evacuação organizada por sua igreja, a Igreja Bíblica de Irpin, segundo o pastor Mikola Romaniuk.

Ele disse que quando o ataque de morteiro começou, com projéteis inicialmente caindo a algumas centenas de metros de distância, outros voluntários da igreja viram Berezhni correr para ajudar Tetiana Perebinis. "Ele pegou a mala dela e começaram a correr."

Segundo o pastor, Berezhni era um homem quieto e generoso. "Era o tipo de amigo que está sempre preparado para ajudar, sem que seja preciso dizer nada", disse Romaniuk. "Não sei como Deus pode perdoar crimes como estes."

Em meados de fevereiro, antes do início da guerra, Serhi Perebinis viajara à sua cidade natal, Donetsk, no leste da Ucrânia, para cuidar de sua mãe, que estava doente com Covid. Quando as hostilidades começaram, o posto de travessia foi fechado, e ele ficou impossibilitado de sair do leste do país.

Para retornar a Kiev do leste da Ucrânia, controlado por separatistas, após a morte de sua família, Serhi viajou à Rússia e embarcou num avião para a cidade de Kaliningrado, para atravessar uma fronteira terrestre com a Polônia. Ele contou que na fronteira entre Rússia e Polônia, guardas russos o interrogaram, tiraram suas impressões digitais e pareciam dispostos a prendê-lo por razões que não ficaram claras. Mas acabaram permitindo que ele seguisse viagem.

Ele contou que disse aos guardas: "Minha família inteira morreu em algo que vocês chamam de operação especial e nós chamamos de guerra. Podem fazer o que vocês quiserem comigo. Não tenho mais nada a perder."

Tradução de Clara Allain

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.