Ação russa na Ucrânia avança pouco, mas bombardeios persistem em dia de negociações

Chanceleres tiveram primeiro encontro desde início da guerra; cidades portuárias ao sul seguem cercadas

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​O avanço russo sobre o território da Ucrânia estagnou nesta quinta-feira (10), dia em que a guerra entrou na terceira semana, mas os bombardeios em áreas estratégicas do país não cessaram. Analistas apontam que os movimentos indicam que ataques podem voltar a acontecer em Kiev e outros grandes centros.

Uma autoridade militar americana disse à rede CNN que as avaliações indicavam tropas russas 5 km mais perto da capital, e imagens de satélite da empresa Maxar mostraram a movimentação de um comboio de Moscou a noroeste de Kiev.

Tropas russas seguiram pressionando Mikolaiv, cidade-chave para acessar Odessa, importante território na costa do mar Negro, e Mariupol, área portuária onde ocorreu um ataque a uma maternidade na quarta (9).

Os principais diplomatas dos países tiveram a primeira reunião desde que a invasão russa teve início, mas não houve avanço em direção ao fim do conflito.

Soldados da Ucrânia embarcam em trem na cidade de Lviv a caminho da capital Kiev - Aleksey Filippov - 9.mar.22/AFP

Serguei Lavrov, chanceler russo, e seu homólogo ucraniano, Dmitro Kuleba, encontram-se em Antália, na Turquia, país-membro da Otan (aliança militar ocidental) que ofereceu sediar negociações após três rodadas de conversas frustradas entre delegações dos dois países envolvidos no conflito.

Kuleba, que levou para a mesa da reunião mais um pedido de cessar-fogo e de respeito aos corredores humanitários, disse que não houve progresso. Kiev acusou Moscou de desprezar os apelos para retirada de civis de áreas constantemente atacadas.

O principal exemplo é Mariupol. Segundo as autoridades locais, nenhum civil conseguiu deixar a cidade nesta quinta-feira, e já há falta de água, comida e energia. "Eles [russos] querem apagar totalmente nossa cidade, apagar nosso povo", disse Petro Andrushenko, assessor do prefeito.

Os ucranianos afirmam ainda que soldados russos atacaram inclusive rotas de comboios que levavam ajuda humanitária. Em pronunciamento à noite, o presidente Volodimir Zelenski repetiu a acusação, chamando em seguida os russos de terroristas experientes. "O mundo precisa saber disso. Tenho que admitir: estamos lidando com um Estado terrorista", disse.

Segundo ele, os ataques à retirada de civis impedem a chegada de comida, água e remédios para Mariupol, sitiada há dias.

Já Lavrov voltou a atacar o Ocidente e a reivindicar as demandas de desmilitarização da Ucrânia e distanciamento do país da Otan, cartas que Moscou tem colocado na mesa em conversas bilaterais.

Ele já havia afirmado que a maternidade atacada em Mariupol vinha sendo usada por soldados ucranianos e estava sem pacientes havia dias, o que contraria imagens feitas no local, que mostram grávidas sendo retiradas.

Horas após o encontro, a Rússia anunciou que abriria sem coordenação com o governo de Volodimir Zelenski corredores humanitários para retirar civis da Ucrânia que quisessem ir em direção a cidades russas. A saída da população tendo a Rússia como destino já havia sido rejeitada anteriormente pelos ucranianos.

O governo ucraniano estima que mais de 400 mil pessoas já tenham sido retiradas de áreas de combate desde o início do conflito. Em Kiev, cercada por tropas russas, metade da população já se retirou, de acordo com o governo local.

O número de refugiados da guerra ultrapassa 2,4 milhões, de acordo com estimativas das Nações Unidas, que projeta que outros 4 milhões devem deixar a Ucrânia nos próximos seis meses. A maior fatia tem como destino a Polônia, onde já entraram pelo menos 1,43 milhão de pessoas, segundo a última contagem da guarda da fronteira.

Dos 2,4 milhões, pelo menos 1 milhão é formado por crianças, de acordo com o Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância). E muitas das vítimas do conflito também são crianças. Pelo menos 37 teriam morrido até aqui, e outras 50 estariam feridas. Ao todo, o saldo de mortos ultrapassava 516, de acordo com estimativas reconhecidamente subestimadas de quarta.

Ainda que não tenha assumido o controle de Mariupol, a defesa russa alega que suas tropas tomaram vários bairros da cidade, informação que não pôde ser confirmada de forma independente. A pasta diz, ainda, que o saldo de destruição deixado em território ucraniano inclui mais de 2.900 instalações de infraestrutura militar.

Enquanto a alta diplomacia dos países estava reunida na Turquia, os ataques à cidade portuária persistiram. Uma universidade, um teatro e diversas casas teriam sido bombardeadas, segundo o governo local.

Autoridades afirmam que 1.207 civis morreram na cidade desde o início do cerco russo. Pelo menos 47 vítimas foram enterradas em uma vala comum, já que não foi possível transportar os corpos para locais de sepultamento fora da cidade, disse o vice-prefeito à rede BBC, acrescentando que nem todos foram identificados.

Tropas de Vladimir Putin também avançam no entorno da capital, Kiev, em cidades como Irpin e Tchernihiv.

Segundo o jornal americano The New York Times, o governo de Tchernihiv divulgou relatório nesta quinta-feira (10) em que acusa forças russas de abrir fogo contra áreas residenciais, e diz que ao menos 10 casas foram queimadas.

o comboio russo com 64 km de extensão organizado nos primeiros dias da invasão na direção da capital parece não avançar. A poucos quilômetros da cidade, a caravana de tanques pouco ou nada se move há pelo menos uma semana. Analistas ouvidos pela BBC mencionam problemas como avarias mecânicas e pouca disponibilidade de combustível como os motivos.

O chanceler da Rússia, Serguei Lavrov, e seu homólogo ucraniano, Dmitro Kuleba (este de costas), durante o encontro na Turquia - 10.mar.22/Ministério das Relações Exteriores da Turquia via AFP

Organizações internacionais seguem denunciando o agravamento da crise humanitária. O Comitê Internacional da Cruz Vermelha anunciou que enviou mais equipes para a Ucrânia após descrever o cenário como "cada vez mais terrível e desesperador". A organização também enviou uma equipe de descontaminação do território, para ajudar os civis a limparem a artilharia de guerra não detonada.

Sasha Volkov, chefe-adjunta da subdelegação da Cruz Vermelha no local, descreveu a situação em Mariupol em áudio divulgado nesta quinta. Segundo ela, sem formas de aquecimento, muitos têm adoecido devido ao frio. Também há poucas maneiras de coletar água, já que a distribuição de garrafas feita pela prefeitura é insuficiente para atender à demanda.

Lojas e farmácias foram saqueadas. "As pessoas começaram a brigar umas com as outras por comida", relata Volkov. "Muitos estão saqueando o carro dos outros para tentar obter gasolina."

Também nesta quinta, a diplomacia russa anunciou que está deixando o Conselho da Europa, órgão voltado para a promoção dos direitos humanos e que reúne 47 países-membros. O país já havia sido advertido na instância, que suspendeu a participação russa após o início da guerra. Como justificativa, a chancelaria acusou países-membros de serem hostis com Moscou.

Em outra frente diplomática, a vice-presidente dos Estados Unidos, Kamala Harris, esteve na Polônia nesta quinta para conversar com o premiê Mateusz Morawiecki e o presidente Andrzej Duda. Era esperado que o ponto central da conversa fossem as divergências entre os países sobre como armar a Ucrânia para combater a invasão russa.

Na véspera, os EUA rejeitaram a oferta feita pela Polônia de transferir sua frota de caças MiG-29 para uma base americana na Alemanha e, daí, para reforçar a Força Aérea da Ucrânia, pedido que havia sido feito pelo presidente ucraniano, Volodimir Zelenski.

Em entrevista coletiva concedida após a reunião, porém, Kamala e Duda desconversaram. Enquanto a vice de Joe Biden se concentrou em listar a ajuda financeira enviada pelos EUA para a Ucrânia e a vizinhança, para onde estão indo os refugiados, o presidente polonês descreveu as ações russas como "bárbaras".

Líderes do Congresso americano chegaram a um acordo bipartidário na quarta para alocar US$ 13,6 bilhões (R$ 68 bilhões) em ajuda emergencial para a Ucrânia. O valor é dividido entre ajuda militar e humanitária e é mais que o dobro do que foi originalmente proposto.

Com Reuters e The New York Times

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