Descrição de chapéu Guerra na Ucrânia Rússia

Neutralidade do Brasil na guerra da Ucrânia dificulta acolhida de refugiados, diz ex-embaixatriz

Em debate realizado pela Folha, especialistas discutem impactos humanitários, sociais e econômicos do conflito

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São Paulo

A falta de posicionamento do Brasil em relação à guerra na Ucrânia é um obstáculo à acolhida de refugiados que fogem do conflito com a Rússia, afirma Fabiana Tronenko, ex-embaixatriz ucraniana no Brasil.

Ela está geograficamente longe do conflito, mas seu marido, Rostislav Tronenko, continua na Ucrânia. O país entra na quarta semana de guerra com a Rússia e acumula consequências humanitárias, sociais e econômicas que foram tema de debate promovido pela Folha nesta quinta-feira (17).

Ucranianos em fila para centro de acolhida de refugiados, em Paris, nesta quinta (17)
Ucranianos em fila para centro de acolhida de refugiados, em Paris, nesta quinta (17) - Alain Jocard/AFP

Segundo Tronenko, a alegada neutralidade do governo Jair Bolsonaro (PL) acaba resultando em dificuldades na adoção de medidas que poderiam amenizar os impactos sofridos pelos ucranianos que buscam refúgio no Brasil.

As ações de acolhimento, por consequência, ficam dependentes principalmente de ações da iniciativa privada, de entidades do terceiro setor e igrejas em parceria com a comunidade ucraniana presente em cidades como Prudentópolis (PR).

"A sociedade civil está se mostrando muito forte. Além de receber os ucranianos de braços abertos, todos estão fazendo vaquinhas virtuais e doações para que esse dinheiro chegue não só para apoiar o Exército ucraniano, mas também às famílias que estão em situação de vulnerabilidade e precisam de ajuda humanitária urgente", diz a ex-embaixatriz.

Para Duval Fernandes, professor do programa de pós-graduação em geografia da PUC Minas, o Estado brasileiro deve ir além da liberação da concessão de vistos humanitários a ucranianos e organizar políticas que pensem, mais do que na oferta de moradia, na integração à sociedade, com ações como o ensino de idiomas e oportunidades de emprego.

"É sempre a sociedade civil que está tentando auxiliar os imigrantes. Se a sociedade civil não estivesse presente com a imigração haitiana, por exemplo, nós teríamos tido uma crise humanitária nas fronteiras do Brasil", analisa.

De acordo com a estimativa mais recente da ONU, a guerra na Ucrânia já fez com que 3,1 milhões de refugiados deixassem o país. A crise migratória desencadeada pelo conflito está entre as mais aceleradas da história recente da Europa, e esse fluxo quase sem precedentes aumenta a responsabilidade dos países que os recebem.

Os ataques às cidades ucranianas ainda estão ocorrendo, mas negociadores e diplomatas de Kiev e de Moscou têm dado sinais de que caminham para um acordo —embora ainda seja prematuro pensar no conflito como um evento com fim agendado.

Mesmo que a guerra seja interrompida nos próximos dias, há uma série de pendências a serem resolvidas antes que os cidadãos ucranianos retornem a algo parecido com a normalidade. Para Fernandes, ainda será necessário, por exemplo, reconstruir a infraestrutura básica das cidades bombardeadas.

Além disso, o retorno das pessoas que deixaram o país fugindo do conflito, cuja maioria é composta por mulheres e crianças, dependerá do cenário político desenhado com o fim da guerra. Diante da hipótese de instalação de um governo pró-Rússia, os refugiados temeriam retaliações e poderiam permanecer nos locais em que foram acolhidos, avalia o professor.

Outro obstáculo que deve persistir mesmo quando Rússia e Ucrânia fizerem um acordo de paz é o impacto provocado pelas sanções econômicas, cujo objetivo é desestabilizar o governo de Vladimir Putin, avalia Simão Davi Silber, professor de economia internacional da Universidade de São Paulo (USP).

Ele exemplifica o efeito das medidas aplicadas contra a Rússia com o fechamento do McDonald's, uma das mais de 70 empresas globais que suspenderam suas atividades em território russo —o que representa perda de mais de 66 mil empregos no país.

A estimativa, segundo o professor, é de que o PIB da Rússia caia de 5% a 10% em 2022. O impacto será sentido sobretudo pelos cidadãos do país, que perdem poder de compra com a desvalorização do rublo e as incertezas provocadas pelo conflito.

"Todas as vezes em que ocorreram sanções, elas foram muito duradouras. A própria Rússia não vai ter ilusão de voltar para uma vida normal muito facilmente. Isso tem um custo econômico, social e humano bastante elevado para o povo russo. Os déspotas ficam nos palácios e quem sofre é o cidadão comum", afirma Silber.

As consequências econômicas também reverberam no Brasil. Elas estão presentes na alta da inflação, na diminuição do poder aquisitivo e no aumento de preço das commodities, importantes para a produção de alimentos como o pão francês e para a alimentação de animais no setor agrícola —sem falar no petróleo, que afeta o preço da gasolina.

O especialista também exemplifica o impacto do conflito para os brasileiros com o aumento da taxa básica de juros para 11,75%, o maior patamar desde 2017, anunciado nesta quarta pelo Copom. Em um cenário de elevação da taxa de juros e da inflação, as projeções são de desemprego e recessão econômica mundial, diz.

O evento promovido pela Folha teve mediação de Daigo Oliva, editor de Mundo. O embaixador da Rússia no Brasil, Alexei Labetski, foi convidado a participar do debate e havia confirmado presença, mas cancelou sua participação na véspera.

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