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É preciso mudança, Bolsonaro está destruindo a Amazônia, diz candidato à Presidência da Colômbia

Sergio Fajardo, ex-prefeito de Medellín, não vê cooperação possível com atual governo brasileiro em caso de vitória

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Buenos Aires

O matemático e ex-prefeito de Medellín Sergio Fajardo, 65, disputará o primeiro turno da eleição presidencial colombiana em 29 de maio com base no histórico de gestão de uma das cidades mais violentas da América Latina, mas que, por meio de reformas sociais e urbanísticas, virou modelo na região.

De acordo com a pesquisa mais recente do Centro Nacional de Consultoría, Fajardo está em terceiro lugar, empatado com o empresário Rodolfo Hernández —que se vende como outsider—, ambos com 10% das intenções de voto. Lidera a corrida o esquerdista Gustavo Petro, com 36,5%, à frente do direitista Federico "Fico" Gutiérrez, com 24,5%.

Na disputa de 2018, Fajardo ficou em terceiro lugar. Ele falou à Folha por videoconferência.

O candidato à Presidência da Colômbia Sergio Fajardo durante debate realizado em Bogotá
O candidato à Presidência da Colômbia Sergio Fajardo durante debate realizado em Bogotá - Luisa Gonzalez - 21.mar.22/Reuters

A fronteira com a Colômbia está entre as mais extensas do Brasil, mas em grande parte se trata de uma fronteira verde, marcada pela região amazônica. Como vê a relação entre os dois países hoje e como poderia ser em um eventual governo liderado pelo senhor? Não existe na Colômbia nenhuma sensação de competição com o Brasil. Mas essa fronteira fica, em geral, em uma área muito estratégica para nossa aposta na biodiversidade e na defesa do planeta frente à mudança climática. Porém, a política do Brasil em relação ao tema hoje vai na contramão do que queremos para a zona. O que se faz no Brasil em termos de desmatamento e de destruição nos causa um dano e uma tristeza gigantesca.

Tanto que a parte mais conservada da floresta se encontra, de modo geral, do lado colombiano. Sim, e a Colômbia é consciente da riqueza de sua biodiversidade. O atual governo do Brasil não age como se tivesse a mesma percepção. Nossa proposta de desenvolvimento econômico passa pelo desenvolvimento ambiental, que entende a região amazônica como parte fundamental de nosso país e do mundo.

Temos propostas nessa área muito diferentes das do atual governo do Brasil. Não creio que exista nenhuma cooperação possível entre nós, e isso é uma tremenda pena. [O atual presidente da Colômbia, Iván] Duque tem afinidade ideológica com Bolsonaro, mas não vemos políticas de cooperação entre os países que sejam de fato importantes na área de preservação ambiental.

É importante que a Colômbia tenha uma boa relação com o Brasil, e nós podemos interagir de muitas formas no mundo do desenvolvimento rural e da agricultura sustentável. Tenho a sensação de que no Brasil é preciso haver uma mudança de governo, porque Bolsonaro está destruindo a Amazônia e não é compatível com o que nós queremos. Esperamos que exista uma mudança de governo no Brasil.

Um dos temas na campanha colombiana é a relação com a Venezuela, especialmente porque há um problema de violência na fronteira, entre grupos criminosos, causando tensões. Como tratará o assunto? Continuaria considerando Juan Guaidó presidente do país, por exemplo? Não, comigo isso de Guaidó, não. Entre as coisas muito mal feitas na gestão Duque estão as relações exteriores. Entre elas, a relação com a Venezuela, porque Duque chegou ao poder com uma postura agressiva com esse vizinho, o que lhe rendeu frutos eleitorais e políticos, ajudou a construir um discurso de medo do que poderia ocorrer na Colômbia se a esquerda vencesse. Nunca fui nem nunca serei um defensor do que ocorre na Venezuela, sou muito crítico do regime de Maduro, mas relações internacionais não são apenas para dialogar com seus amigos, mas para resolver diferenças e discrepâncias que tenhamos.

Minha proposta é estabelecer canais de comunicação e começar a tratar de problemas da seguinte natureza: na Venezuela há cerca de 5 milhões de colombianos, e nesse momento todas as fronteiras estão fechadas para eles. Essas pessoas estão com um problema gigantesco e não têm a atenção de seu país.

Isso não quer dizer que eu reconheça o governo de Maduro como legítimo, mas o tema ​Guaidó já é passado. Quando tentou levar ajuda humanitária e foi feito todo um circo em Cúcuta, em 2019, não avançou em nada e foi uma vergonha. Duque dizia que Maduro estava com os "dias contados" e veja só...

O senhor apoiou o acordo de paz firmado durante a gestão de Juan Manuel Santos entre o Estado colombiano e as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia). Por que o andamento da implementação do acordo está tão lento e cheio de obstáculos? Fomos a favor do acordo de paz desde o primeiro dia das negociações. Apoiamos o tratado e acreditamos na necessidade de implementá-lo, até porque hoje se trata de um mandato constitucional, que qualquer presidente que assuma deve cumprir.

O que ocorre é que esse governo ganhou as eleições confrontando o acordo de paz. Duque fez avanços pontuais, cosméticos, porque filosoficamente é contra o acordo. Com isso, perdemos quatro anos na construção da paz. Aumentaram os níveis de insegurança, foram permitidas dissidências, tivemos um incremento de violência numa grande quantidade de áreas devido à associação dessas dissidências com o crime organizado, centenas de assassinatos de líderes sociais e de ex-combatentes.

A eleição tem novidades. A esquerda liderando, uma direita não diretamente apadrinhada por Álvaro Uribe e outros candidatos crescendo e ainda com chances. Como o senhor se classifica ideologicamente nesse cenário? Como centro, mas o centro na Colômbia é amplo. Fui prefeito de Medellín, governador de Antioquia, e fizemos em ambos transformações sociais profundas que incorporam as preocupações sociais da Colômbia. Esse é um país com profundas desigualdades, pobreza e desemprego.

Reconhecemos essa realidade social e sabemos que temos de transformá-la. Temos ideias liberais no que diz respeito à economia e às liberdades individuais, com uma proposta de mudança do modelo de desenvolvimento produtivo do país. Um desenvolvimento que reconheça o país profundamente desigual que somos e que proteja os mais pobres e que seja mais inclusiva.

Tenho um espírito pragmático baseado em minhas gestões anteriores que pode ser aplicado em todo o país. Venho de uma escola política de tradição cívica, a mesma de Antanas Mockus [ex-prefeito de Bogotá], e que na época se chamou de "onda verde", traduzida numa pauta baseada fortemente na proteção do planeta contra a mudança climática.

Um dos símbolos de sua gestão em Medellín foi o sistema de teleféricos que liga o centro a partes mais pobres da cidade. Como esse mecanismo representa o que pensa para todo o país? Os teleféricos nunca foram apenas teleféricos. A cada teleférico havia uma maneira de engajar a sociedade. Havia praças, bibliotecas, centros culturais, elementos que convocavam as comunidades a participar. Esse espírito de fazer política com a população é o que defendo e que pode ser aplicado no país de modo amplo.

Em 2018, faltaram poucos votos para que o senhor fosse ao segundo turno. Seu desempenho foi muito forte nos grandes centros urbanos, mas não tanto no interior. O que faltou? Somos conscientes de que somos mais fortes em regiões urbanas, porque é a nossa origem, mas também há que se pensar que a Colômbia é um país cada vez mais urbano, com quase 80% da população vivendo em cidades.

Mas fui governador de Antioquia, departamento que tem uma área rural enorme, com dimensões de um país latino-americano pequeno, com 6,5 milhões de habitantes. E lá a base do meu governo foi rural. Então é equivocada a propaganda dos meus rivais que reafirmam que sou um "candidato da capital".

Uma boa conexão com o mundo rural é necessária porque a desconexão do rural com o urbano foi responsável em grande medida pela guerra na Colômbia [referência ao conflito entre guerrilhas e Estado que existiu desde os anos 1960 até 2016]. A Colômbia não avançou como poderia e deveria ter avançado nas últimas décadas devido à falta de integração do mundo rural ao progresso e ao desenvolvimento produtivo do país. Conjugar esses dois mundos é uma das nossas propostas mais importantes.


Sergio Fajardo, 65

Nascido em Medellín, em 1956, é formado em matemática pela Universidade dos Andes, de Bogotá, com doutorado na Universidade de Wisconsin (EUA) e pós-doutorado na Universidade Menéndez Pelayo, na Espanha. Lecionou nas universidades dos Andes e de Monterrey (México) até abandonar a docência para dedicar-se à política. Foi prefeito de Medellín (2004-2007) e governador de Antioquia (2012-2015).

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