Madri desbanca Miami como destino de latino-americanos mais ricos

Venezuelanos, por exemplo, formam o maior contingente de migrantes novos na Espanha

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Raphael Minder
Madri | The New York Times

Antonio Ledezma é ex-prefeito de Caracas. Ele comenta, brincando, que às vezes esquece que Madri não é a capital da Venezuela, de onde fugiu cinco anos atrás.

"Sempre que caminho pela cidade ou ando de ônibus topo com dois ou três venezuelanos", diz. "É um pouco estranho, mas às vezes sinto como se esse lugar fosse Sabana Grande [avenida de Caracas]."

Não é de hoje que latino-americanos buscam trabalho na Espanha, frequentemente em empregos mal remunerados. Mas a turbulência dos últimos anos na América Latina atraiu uma onda de exilados destacados e ricos para o país. Hoje a capital espanhola rivaliza com Miami como ponto de atração para latino-americanos —e, em muitos casos, também para seu dinheiro.

O ex-prefeito de Caracas Antonio Ledezma, exilado em Madri e representante de uma leva de latino-americanos atraídos à capital espanhola - Samuel Aranda/The New York Times

Ledezma e vários outros políticos oposicionistas venezuelanos de alto perfil chegaram a Madri fugidos do regime repressor de Nicolás Maduro. Outros latinos ricos estão começando a transferir recursos para fora dos países onde presidentes de esquerda foram eleitos recentemente, incluindo o México em 2018, o Peru no ano passado e, mais recentemente, o Chile, onde Gabriel Boric, 36, tomou posse em março como o presidente mais jovem do país. Boric prometeu tornar a sociedade chilena mais igualitária.

A reação na Espanha parece estar sendo estender o tapete vermelho. Quando Ledezma desembarcou em Madri, em novembro de 2017, foi recebido pelo então primeiro-ministro Mariano Rajoy, que lhe ofereceu cidadania espanhola de imediato. Ledezma recusou, mas muitos outros latino-americanos, especialmente os que têm dinheiro, têm pedido ou já receberam cidadania espanhola. Alguns receberam o chamado visto dourado que a Espanha dá a quem gasta ao menos € 500 mil (R$ 2,57 milhões) na compra de um imóvel.

Madri permite que latino-americanos peçam cidadania após dois anos de residência legal —menos que os dez anos normalmente exigidos de pessoas de outras nacionalidades ou dos cinco para refugiados.

"A Espanha vem sendo realmente muito generosa com os venezuelanos, abrindo suas portas e oferecendo a eles múltiplas maneiras de conseguir residência legal", diz o venezuelano Jorge Neri, dono de uma empresa de mídia em Madri. Ele destaca que a capital espanhola tem oferecido oportunidades de investimento melhores que as de Miami —"onde os preços estão altíssimos".

O consultor de negócios Gilberto Carrasquero é um dos muitos que venderam um imóvel em Miami e adquiriram um em Madri —um apartamento no bairro de Salamanca, onde empresários venezuelanos e mexicanos andam comprando e reformando edifícios inteiros. "Quando a Venezuela entrou em crise e nós começamos a partir, pareceu que nosso destino natural era Miami, e foi para lá que eu fui. Mas hoje me sinto muito mais em casa em Madri", diz. Ele já deu entrada num pedido de cidadania espanhola.

Hoje há cerca de 200 mil venezuelanos oficialmente cadastrados como residentes na Espanha, mas especialistas dizem que o número real é bem mais alto —porque as estatísticas não abrangem pessoas que não são oficialmente residentes ou que entraram no país ilegalmente. Cerca de um quarto da migração latino-americana à Espanha é feita de maneira ilegal, segundo estudo publicado em 2020.

Os venezuelanos formam o maior contingente de migrantes novos na Espanha, e o número voltou a subir mais de 50% em 2020, não obstante empecilhos a viagens decorrentes da pandemia, segundo o governo espanhol. Mas Neri diz que agora também anda vendo mais pessoas vindas de outros países da América Latina, muitas preocupadas com a "política esquerdista" que vem ganhando terreno na região.

A Colômbia pode se tornar o próximo nesse rumo: na eleição presidencial, em maio, o favorito é Gustavo Petro, ex-prefeito de Bogotá. Petro tem uma mensagem clara aos ricos: paguem mais impostos.

A corretora imobiliária peruana Bruna Denegri Iglesias, há 18 anos em Madri, conta que sua clientela peruana mais que quintuplicou desde julho, quando o esquerdista Pedro Castillo foi eleito presidente.

"Há gente que encara Madri como seu pouso de emergência. Essas pessoas querem comprar um apartamento de € 1 milhão, conseguir residência e então, se acabarem realmente passando a maior parte do tempo aqui, talvez adquirir um imóvel maior e melhor." Iglesias diz que hoje pelo menos 80% de seus clientes são peruanos, enquanto antes "havia meses em que não recebia uma única ligação do Peru".

A pandemia limitou fortemente a mobilidade das pessoas, mas a suspensão recente das restrições às viagens permitiu que muitos latino-americanos com alto poder aquisitivo voltassem para um estilo de vida envolvendo residências múltiplas, tendo a Espanha como uma de suas escalas.

O argentino Dani Levinas, diretor do conselho do museu Phillips Collection, em Washington, divide seu tempo entre a capital dos EUA, Miami e Madri, onde comprou um apartamento seis anos atrás. Ele conta que cogitou viver na capital espanhola depois de ir à feira de arte Arco. "Sinto-me bem mais à vontade com a cultura e o estilo de vida de Madri que de Miami", diz. "Em Madri, moro perto de oito teatros. Posso assistir a um espetáculo diferente a cada semana sem tomar um táxi. Isso não existe em Miami."

Frequentadores em unidade de rede de restaurantes do peruano César Figari, que emprega 45 pessoas, todas latino-americanas, em Madri - Samuel Aranda/The New York Times

Os latino-americanos também andam ampliando a presença de negócios, adquirindo imóveis comerciais e hotéis, incluindo o cinco-estrelas Rosewood Villa Magna, reaberto em outubro após uma reforma paga pelos proprietários mexicanos. Alguns empreendedores estão levando funcionários latino-americanos para Madri.

Embora a Espanha venha enfrentando alto índice de desemprego, o governo reconhece que o país precisa de centenas de milhares de novos migrantes anualmente para contrabalançar sua população em processo de envelhecimento e evitar a escassez de mão de obra em setores-chave.

Ledezma diz que ainda está determinado a ajudar a afastar Maduro do poder, mas que agora também quer ajudar venezuelanos de poder aquisitivo mais baixo a estabelecer-se em Madri.

"É evidente que eu me senti muito acolhido, mas a questão é se os venezuelanos que entregam comida de bicicleta também estão se saindo bem", explica. "Enquanto eu estiver aqui, também quero demonstrar solidariedade àqueles para quem essa migração vem sendo uma luta enorme."

Tradução de Clara Allain

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