Descrição de chapéu Guerra da Ucrânia Rússia

Putin diz ter tomado Mariupol, mas Ucrânia e EUA contestam narrativa de vitória da Rússia

Kiev reitera que soldados não estão dispostos a se render, e Biden promete enviar mais armas e dinheiro

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Moscou | AFP e Reuters

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, afirmou nesta quinta-feira (21) que suas tropas tomaram o controle da cidade portuária de Mariupol após dois meses de cerco, apesar de centenas de soldados ucranianos ainda resistirem dentro de uma grande siderúrgica.

"O fim do trabalho de libertação de Mariupol é um sucesso", afirmou Putin, recorrendo a um eufemismo acerca da ação russa na cidade no sudeste da Ucrânia, ao ministro da Defesa, Serguei Choigu. O encontro foi exibido pela TV russa e celebrou o que seria uma importante vitória para Moscou.

A narrativa, no entanto, foi contestada por Kiev e pelos Estados Unidos, que acusaram Putin e Choigu de tentar aplicar um golpe midiático.

Cena de vídeo divulgado pela prefeitura de Mariupol no dia 19 de abril mostra explosão perto da usina de Azovstal - Mariupol City Council-19.abr.22/AFP

Após quase dois meses de cerco e bombardeios, as últimas tropas ucranianas estão escondidas no complexo de siderúrgicas Azovstal. Mariupol é estratégica no plano de Moscou de unir os territórios pró-russos do Donbass e a península da Crimeia, já anexada em 2014.

Os ultimatos lançados pela Rússia não levaram à rendição dos soldados ucranianos. Um de seus comandantes, Sviatoslav Palamar, pediu aos países ocidentais garantias de segurança para deixar o complexo onde, segundo Kiev, também há cerca de 1.000 civis.

A Ucrânia não diz quantos militares permanecem nas instalações. O Ministério da Defesa russo afirma que são quase 2.000.

Putin ordenou nesta quinta o cerco à fábrica, mas sem um ataque, indicando que uma ofensiva provocaria muitas mortes. "Considero que o ataque proposto na zona industrial não é apropriado. Ordeno o cancelamento", disse.

"Precisamos pensar na vida de nossos soldados e oficiais. Não há necessidade de entrar nessas catacumbas e rastejar no subsolo através das instalações industriais. Bloqueiem toda a área industrial para que nem mesmo uma mosca possa escapar."

Putin também prometeu salvar a vida dos que se renderem. "Proponho mais uma vez a todos aqueles que não entregaram as armas que o façam. O lado russo garante a vidas e que serão tratados com dignidade."

Por sua vez, Oleksi Arestovich, assessor da Presidência da Ucrânia, disse que a Rússia decidiu bloquear a siderúrgica porque não consegue tomá-la à força.

"Eles fisicamente não podem tomar Azovstal, eles entenderam isso, sofreram grandes perdas lá. Nossos defensores continuam segurando", disse. "Também pode ser explicado pelo fato de terem deslocado parte de suas forças [de Mariupol] para o norte, a fim de reforçar as tropas que tentam cumprir seu objetivo principal: avançar para os limites administrativos das regiões de Donetsk e Lugansk."

Em nota, o Departamento de Estado dos EUA disse que o discurso de vitória da Rússia em Mariupol é um golpe midiático. "Entendemos que as forças ucranianas continuam se mantendo firmes, e há todos os motivos para acreditar que o show do presidente Putin e de seu ministro da Defesa para a mídia é ainda mais desinformação de seu roteiro já batido", disse o porta-voz Ned Price.

Na terça (19), o comandante da 36ª Brigada de Fuzileiros Navais da Ucrânia, força remanescente em Mariupol, afirmou que eles não iriam se render. "Vamos continuar conduzindo e completando as operações militares que nos forem enviadas e não vamos depor nossas armas", afirmou Serhii Volina ao jornal americano The Washington Post.

Ele argumentou que sua brigada não poderia repetir o erro de outras tropas ucranianas que acreditaram nas garantias de cessar-fogo de Moscou. "Ninguém acredita nos russos", disse. Volina foi enviado para Mariupol no início da invasão russa.

A pressão sobre a cidade no sudeste da Ucrânia é o símbolo de uma nova fase da guerra e compõe o que Kiev já chama de Batalha do Donbass, em referência à ofensiva de Moscou para tomar as duas províncias no leste do país das quais reconheceu a independência dias antes do início da invasão.

Falta de água, comida e eletricidade

Praticamente desde o início do conflito, em 24 de fevereiro, Mariupol é um dos lugares onde se concentra a ofensiva russa. As autoridades locais temem a morte de mais de 20 mil pessoas na cidade —devido aos bombardeios, mas também a falta de água, comida e eletricidade.

O Exército russo controla grande parte de Mariupol há dias e até permitiu a entrada de alguns jornalistas ocidentais que puderam ver suas ruas devastadas.

Durante o cerco, as retiradas de civis eram raras e muitas vezes perigosas. Mesmo assim, nesta quinta-feira a vice-primeira-ministra ucraniana, Irina Vereschuk, disse que quatro ônibus com moradores conseguiram deixar a cidade. A prefeitura afirmou que 200 pessoas aguardavam para sair, mas nenhum ônibus havia chegado até o meio da tarde.

Segundo o presidente Volodimir Zelenski, porém, há cerca de 120 mil civis sendo impedidos de deixar Mariupol —embora ele não tenha apresentado dados que corroborem essa estimativa.

Em discurso ao Parlamento de Portugal, o ucraniano implorou para que o Ocidente envie mais armas a Kiev e imponha mais sanções contra Moscou. "Estamos lutando não apenas por nossa independência, mas por nossa sobrevivência, por nosso povo, para que eles não sejam mortos, torturados e estuprados", disse, reiterando acusações de crimes de guerra contra a Rússia.

Desde o final de março, quando a Rússia retirou suas tropas do norte e ao redor de Kiev, o leste e o sul da Ucrânia se tornaram o principal cenário do conflito.

As forças russas "mantêm seu fogo de artilharia em toda a linha de frente", disseram autoridades ucranianas na manhã desta quinta-feira.

Os combates são particularmente intensos em torno de Izium (nordeste), há "incessantes bombardeios" em Popasna e Rubijne, na região de Lugansk (leste), e novos ataques em Mikolaiv (sul), na estrada para Odessa, que deixaram um morto e dois feridos, segundo o governador Vitali Kim.

"A situação está se tornando mais complicada a cada hora", escreveu o governador de Lugansk, Serguei Gaidai, no Telegram. "Saiam em segurança. Saiam!"

Ajuda militar dos EUA

Também nesta quinta, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, autorizou o envio de mais US$ 800 milhões (R$ 3,6 bilhões) em ajuda militar para a Ucrânia, citando uma "janela crítica" no conflito, enquanto a Rússia prepara o terreno para a próxima fase da guerra.

A Casa Branca informou que o novo pacote incluirá artilharia pesada, 144 mil cartuchos de munição e drones táticos, e acrescentou que o russo Vladimir Putin "nunca terá sucesso" na ocupação da Ucrânia.

No dia 13 de abril, Biden já havia anunciado outro auxílio militar no mesmo valor para o governo ucraniano, com o envio de veículos blindados, artilharia e helicópteros.

No campo diplomático, o Kremlin disse nesta quinta que Moscou aguarda a resposta da Ucrânia à última proposta escrita da Rússia nas negociações de paz entre os dois lados e questionou por que o presidente ucraniano disse não ter conhecimento do documento.

Zelenski afirmou na quarta-feira que não viu ou ouviu falar sobre o texto que Moscou disse ter enviado. O porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, por sua vez, alegou que a última versão da proposta fora entregue à delegação negociadora ucraniana.

Já o primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, disse que é vital que o Ocidente continue armando a Ucrânia e acrescentou que qualquer negociação de paz provavelmente fracassará, pois conversar com Putin, é como negociar com "um crocodilo com sua perna na boca".

Num ato de represália, a Rússia ampliou nesta quinta a proibição de entrada de autoridades dos EUA para incluir a vice-presidente do país, Kamala Harris, e 28 outras autoridades, empresários e jornalistas americanos. A lista de sanções, publicada pelo Ministério das Relações Exteriores da Rússia, inclui o fundador do Facebook, Mark Zuckerberg, a vice-secretária de Defesa, Kathleen Hicks, e o porta-voz do Pentágono, John Kirby, entre outros.

"Esses indivíduos são impedidos de entrar na Federação Russa indefinidamente", disse a diplomacia russa em comunicado.

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