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Guerra na Ucrânia faz 6 semanas com nova fase e Europa em crise

Países pagam 35 vezes mais a Putin do que a Kiev; Rússia muda tom e fala em tragédia

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São Paulo

A guerra na Ucrânia entrou na sua sétima semana nesta quinta-feira (7) com uma nova fase militar em pleno andamento e a crescente dificuldade da Europa em manter na prática o discurso de apoio a Kiev contra a invasão russa de seu território.​

Ao mesmo tempo, pela primeira vez a Rússia adotou um tom dramático acerca do conflito e suas perdas humanas e econômicas, sinalizando um desgaste antes só presumido.

As forças de Vladimir Putin atacaram, nesta madrugada, cinco grandes depósitos de combustível nas regiões de Kharkiv, Mikolaiv e Donbass que abasteciam o esforço de guerra dos ucranianos no leste do país. Na véspera, ocorrera o mesmo em Dnipro.

Tanque russo passa por prédios queimados na cidade de Mariupol
Tanque russo passa por prédios queimados na cidade de Mariupol - Alexander Ermotchenko - 5.abr.22/Reuters

Essa é a senha para o novo foco da guerra, anunciado pela Rússia na semana passada e confirmado na quarta (6) pelo presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, que pediu a retirada dos moradores da parte sob seu controle das duas províncias do Donbass, Lugansk e Donetsk.

Situadas no leste do país e russófonas, elas estão no centro da justificativa oficial de Putin para a mais sangrenta guerra ocorrida na Europa desde 1945: após reconhecer as áreas tomadas por rebeldes pró-Kremlin em 2014 como países, o russo prometeu protegê-las militarmente.

Com o desmoronamento da campanha russa no nordeste da Ucrânia, fracassando em cercar Kiev por mau planejamento, insuficiência de forças e por ter subestimado a resistência, Moscou afirmou que faria uma "redução drástica" das operações por lá, alegando que isso favoreceria negociações de paz.

Kiev e o Ocidente disseram que era mentira, mas o fato é que não há mais forças ofensivas significativas em toda a área, tanto que a desocupação de cidades como Butcha levou à comoção mundial em torno das cenas de horror nas ruas. Desta vez, se dissimulou o motivo, Moscou falou a verdade sobre o que faria.

No caso, concentrar forças no Donbass para a nova fase da operação, como o Ministério da Defesa anunciou, evitando o erro de ter poucos soldados à disposição em múltiplas frentes. O apelo de Zelenski para a retirada dos moradores indica que seu governo leva a sério a noção de que uma grande batalha se avizinha, e ele quer evitar a repetição das cenas da obliteração de Mariupol.

Antes da guerra, moravam na parte rebelde do Donbass cerca de 3,8 milhões de pessoas. Na parte ucraniana, pouco mais de 2 milhões. A área de Lugansk já foi quase completamente tomada até as fronteiras históricas da região, enquanto em Donetsk os russos falam em 60%.

A Ucrânia tem 44 milhões de habitantes, 10% dos quais já refugiados fora do país e quase 20% deslocados internamente. Números de mortos são incertos, mas na casa dos milhares até aqui.

A dúvida é se Zelenski vai retirar suas forças para evitar um colapso de parte importante de sua tropa ou as trará para perto de Kiev, onde estariam mais bem protegidas. Diferentemente da defesa da capital, eficaz com o uso de infantaria leve armada com letais mísseis antitanque, a batalha no Donbass precisará de uso de forças mecanizadas.

Os russos dizem ter destruído 1.987 tanques e blindados ucranianos até aqui, quase dois terços do total que o Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (Londres) contabilizava antes da guerra. E o Ocidente não fornece esse tipo de arma para Kiev —pelo menos não ainda.

A batalha, disse nesta quinta o chanceler ucraniano, Dmitro Kuleba, ocorrerá com "grandes manobras operacionais e milhares de tanques, aeronaves e veículos blindados". "Ou vocês nos ajudam agora ou sua ajuda chegará tarde demais e muitos morrerão", disse, dirigindo-se à Otan, a aliança militar ocidental.

Ao pedido de "armas, armas e armas" de Kuleba, a chanceler britânica, Liz Truss, disse que haverá "mais equipamento e mais pesado" para o país, sem detalhar.

Se reconquistar o Donbass e finalizar o domínio da ponte terrestre que o liga à Crimeia, com a virtual destruição de Mariupol, Putin terá uma vitória para vender ao público doméstico. Poderá dizer que "libertou", aspas obrigatórias, as áreas da chamada Nova Rússia no vizinho e degradou o poder de combate dele.

Assim, ganham relevância as inéditas observações pessimistas feitas no Kremlin nesta quinta. "Nós temos perdas significativas de soldados. É uma enorme tragédia para nós", disse o porta-voz Dmitri Peskov. "A Rússia está enfrentado a mais difícil situação econômica em três décadas devido às sanções ocidentais", afirmou o premiê Mikhail Michustin.

Por outro lado, nada garante que tudo não seja uma preparação para uma guerra mais longa. Assim como a eventual tomada do Donbass não seja o início de algo maior, como tentar dominar a costa toda do mar Negro, se não um conflito perene contra Kiev. É isso que se ouve de comentaristas nacionalistas na TV estatal russa, o que não quer dizer que seja verdade.

Também é unânime a crítica às sanções, que até aqui não se refletiram em redução do esforço de guerra do Kremlin —Putin auferiu um recorde de popularidade desde o começo da invasão, 83% de aprovação, de acordo com o independente Centro Levada.

Elas também entraram em nova etapa nesta quarta, com o anúncio de uma nova rodada de restrições americanas e britânicas. Mas o nó se encontra na Europa, que vive um dilema sobre como punir Putin e não ser prejudicada em demasia por isso. A questão central é o mercado energético, já que 40% do gás natural consumido no continente é russo, além de fatias expressivas do petróleo e do carvão. Na quarta, o chefe da diplomacia europeia, Josep Borrell, deu um número chocante para ilustrar o problema.

"Nós demos quase € 1 bilhão [R$ 5,1 bilhões hoje] para a Ucrânia [se armar desde a invasão]. Parece muito, mas estamos pagando € 1 bilhão por dia para Putin pela energia que ele nos fornece. Desde o começo da guerra, nós demos a ele € 35 bilhões [R$ 180 bilhões], comparado com o € 1 bilhão que demos para a Ucrânia", afirmou o espanhol ao Parlamento Europeu.

A questão é que o aumento nos preços de energia na crise já está afetando as perspectivas de inflação no continente, e isso tem impacto político relevante. Aliados históricos de Putin, o premiê Viktor Orbán (Hungria) e o presidente Aleksandr Vucic (Sérvia), venceram eleições importantes na semana passada.

Mas os olhos estão na França, onde a ultradireita de Marine Le Pen está se aproximando do presidente Emmanuel Macron. O primeiro turno da disputa ocorre no domingo (10). Le Pen é uma aliada discreta de Putin, e Macron tem misturado críticas duras a Moscou a tentativas frustradas de mediar negociação. Com o combustível em alta devido à guerra, corre riscos antes vistos como improváveis.

A saída encontrada foi anunciada nesta quinta, com o embargo à compra de carvão russo, o que afeta menos gigantes como a Alemanha. Além disso, navios da Rússia ficam proibidos de aportar na Europa.

Isso desagrada os membros a leste do continente, como Polônia, temerosos de serem os próximos da lista de Putin. Mas há também um ponto: se vetarem o gás, além do impacto econômico, terá sido gasta talvez a última bala não militar contra o Kremlin, o que implica o risco de não ter efeito.

Com tudo isso, Borrell e sua chefe, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, devem ir a Kiev para demonstrar apoio a Zelenski. Eles terão trabalho. O ucraniano já se queixou da ineficácia das novas sanções e pediu mais armas, criticando o fato de que o Ocidente não fornece equipamento considerado pesado ou ofensivo demais para não melindrar os russos e arriscar uma Terceira Guerra.

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