Ex-braço direito de 2 papas, cardeal acusado de encobrir abusos morre aos 94

Angelo Sodano estava internado com complicações da Covid; ele teria sido próximo da ditadura de Pinochet e barrado investigação contra abusadores

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Roma | Reuters e AFP

O cardeal italiano Angelo Sodano, número dois da Igreja Católica nos pontificados de João Paulo 2º e Bento 16 e protagonista de várias controvérsias que abalaram a instituição, morreu na sexta-feira (27), aos 94 anos, anunciou o Vaticano neste sábado (28).

Sodano morreu em um hospital de Roma, onde estava internado desde o dia 9 de maio após apresentar complicações da Covid-19, de acordo com o Vatican News, site da Santa Sé.

O papa Bento 16 (à dir.) com o cardeal Angelo Sodano, no Vaticano
O papa Bento 16 (à dir.) com o cardeal Angelo Sodano, no Vaticano - Max Rossi - 4.abr.10/Reuters

Nomeado por João Paulo 2º secretário de Estado em 1990, ele permaneceu no cargo, que equivale ao de ministro das Relações Exteriores, até 2006. Em 2005, tornou-se também decano do Colégio dos Cardeais, que dirigia quando Bento 16 deixou o pontificado, em fevereiro de 2013. Como ele já tinha mais de 80 anos à época, porém, não pôde participar do conclave que escolheu o papa Francisco.

Acreditava-se amplamente que Sodano, junto com o secretário de João Paulo, o então arcebispo Stanislaw Dziwisz, dirigia a igreja nos últimos anos da vida desse papa, à medida que a saúde dele se deteriorava —o pontífice teve Parkinson e outras doenças e morreu em 2005.

Nascido em 23 de novembro de 1927 na região italiana de Piemonte, Sodano fez parte do corpo diplomático da Santa Sé em países como Equador, Chile e Uruguai. Em 1977, foi nomeado por Paulo 6º núncio apostólico no Chile, onde manteve postura muito tolerante com a ditadura de Augusto Pinochet.

À época, participou da mediação para resolver os problemas territoriais entre Argentina e Chile. Além das relações com o regime militar e do alto padrão de vida que levava em Roma, Sodano se envolveu em outra controvérsia: foi acusado de encobrir um dos mais notórios abusadores sexuais da igreja —ele negava.

Legionários de Cristo

Em uma série de denúncias no National Catholic Reporter em 2010, o autor Jason Berry, um dos principais especialistas na crise de abusos sexuais da igreja, escreveu como Sodano bloqueou o Vaticano de investigar o padre Marcial Maciel, fundador da ordem religiosa Legionários de Cristo.

Após a morte de João Paulo, o papa Bento 16 intensificou as investigações sobre Maciel e o tirou em 2006, quando o Vaticano reconheceu serem verdadeiras as alegações descartadas por décadas.

A ordem Legionários de Cristo, cujas regras proibiam criticar seu fundador ou questionar seus motivos, mais tarde admitiu que Maciel, que morreu em 2008, viveu uma vida dupla como pedófilo, assediador de mulheres e viciado em drogas. Sodano negou várias vezes as alegações de que estava ciente do histórico e de que havia encoberto Maciel —um doador que passava valores generosos ao Vaticano.

Em 2010, em outra acusação, o cardeal Christoph Schoenborn disse que Sodano bloqueou uma grande investigação sobre o ex-cardeal austríaco Hans Hermann Groer, que deixou o cargo de arcebispo de Viena em 1995, após alegações de que havia abusado sexualmente de jovens seminaristas. Ele morreu em 2003, nunca tendo admitido culpa ou enfrentado acusações. Sodano também negou essas acusações.

Em 2010, vítimas de abuso sexual por membros do clero criticaram Sodano após ele dizer, em um discurso público de Páscoa, que a questão das denúncias eram principalmente "fofocas mesquinhas".

Ordenado sacerdote em 1950, ele ingressou no serviço diplomático vários anos depois. Serviu nas embaixadas do Vaticano no Equador, no Uruguai e no Chile, antes de ser chamado de volta ao Vaticano para cargos administrativos seniores. Fontes da igreja disseram à agência de notícias Reuters que, mesmo depois de se aposentar, o cardeal exerceu influência significativa nas carreiras dos funcionários do Vaticano ao longo do restante do pontificado de Bento 16 —ele renunciou em 2013.

Após a morte de Sodano, o papa Francisco referiu-se a ele como "homem estimado da igreja, que viveu o sacerdócio com generosidade ao serviço da Santa Sé", em telegrama à família e publicado pelo Vaticano.

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