O pequeno país que ficará ainda mais rico graças à guerra na Ucrânia

Dependência energética entre Europa e Rússia não era problema até fevereiro, quando Moscou decidiu invadir o vizinho

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BBC News Brasil

Com menos de 3 milhões de habitantes, o Qatar se tornou um país crucial para a Europa, que está em uma busca frenética para substituir as importações de energia russa.

Juntamente com a Austrália, este pequeno país do Oriente Médio é o maior exportador de gás natural liquefeito (GNL) do mundo e um potencial aliado comercial dos países da União Europeia, que até agora importam cerca de 40% do GNL do mercado russo.

Essa dependência energética entre a Europa e a Rússia não era um grande problema até fevereiro, quando o Kremlin decidiu invadir a Ucrânia, tornando a relação comercial cada vez mais insustentável.

O primeiro-ministro do Catar, Khalid bin Khalifa bin Abdul Aziz Al Thani
O primeiro-ministro do Qatar, Khalid bin Khalifa bin Abdul Aziz Al Thani - Getty Images

A Europa já começou a assinar acordos de longo prazo para aumentar as importações de gás de outros países, mas isso não tem sido suficiente para compensar a perda das importações de gás russo.

Na Alemanha, por exemplo, 55% do gás consumido vem da Rússia. O ministro da Economia do país, Robert Habeck, recentemente disse que são necessárias medidas sem precedentes para reduzir a dependência e neutralizar o que ele vê como "chantagem energética do Kremlin". Não basta que a Alemanha receba navios com gás natural liquefeito de outras latitudes, pois precisa construir as instalações para processá-lo, algo que pode levar de três a cinco anos, segundo cálculos do governo.

Apesar das dificuldades logísticas e dada a urgência das circunstâncias, Habeck disse: "Temos que tentar o impraticável". E o país colocou o pé no acelerador com a aprovação de recursos para a criação de terminais flutuantes de GNL, com capacidade para receber o produto de lugares como EUA ou Qatar.

É assim que o Qatar entra na mesa de negociações em boa posição após o início da guerra, num momento em que já havia feito investimentos significativos para aumentar a produção de gás e a infraestrutura.

"Certamente há uma oportunidade para o Qatar", diz à BBC Mundo Karen Young, pesquisadora sênior e diretora do Programa de Economia e Energia do think tank Middle East Institute, em Washington, nos EUA.

Planos de expansão

O Qatar tinha planos de expandir a capacidade de exportação em cerca de 64% até 2027 antes do início da guerra, então a oportunidade de médio prazo para fornecer GNL para a Europa "será uma bênção, tanto economicamente, se os negócios forem fixados a preços atuais, quanto politicamente", diz Young.

Sendo uma monarquia semiconstitucional com o emir como chefe de Estado e o primeiro-ministro como chefe de governo, o Qatar não precisa passar por processos complexos de tomada de decisões ou obter apoio político de diferentes partidos. O sistema político do país tem sido considerado por organizações ocidentais como um "regime autoritário", uma descrição que o governo do Qatar rejeita. A Anistia Internacional denunciou práticas que considera "exploração e abuso" de trabalhadores migrantes.

As ambições do Qatar

Refrigerado, o GNL tem a vantagem de que é mais fácil de transportar. Ele pode ser carregado em navios e não requer a construção de grandes gasodutos com investimentos de milhões de dólares a longo prazo.

O plano do Qatar para aumentar suas exportações de GNL em 64% até 2027 foi anunciado em 2019.

Sob esse plano, a empresa estatal Qatargas fechou um acordo para expandir a exploração da reserva do Campo Norte, uma reserva gigante no mar que se estende até as águas iranianas e um dos maiores depósitos de gás natural do mundo. A expansão permitiria ao país aumentar sua capacidade de produção de GNL de 77 milhões para 110 milhões de toneladas até 2025.

Vários países vizinhos da Alemanha estão conversando com o Qatar para garantir importações adicionais de GNL. A urgência de obter novas fontes de energia tornou-se mais aguda nas últimas semanas, depois que a Rússia cortou o fornecimento para a Polônia e a Bulgária em meio à ofensiva de guerra.

Um país rico cada vez mais rico

Com mais riqueza per capita do que Suíça ou Estados Unidos, o Qatar parece estar no caminho para se tornar ainda mais rico. Isso porque a demanda também está crescendo em outras partes do planeta.

Atualmente, quase 80% das exportações de GNL do Qatar vão para a Ásia, sendo Coreia do Sul, Índia, China e Japão os principais compradores. E em volume de mercado, a China se tornou o maior importador de GNL do mundo após assinar um acordo com o Qatar por um período de 15 anos.

O GNL pode ser exportado em navios - Getty Images

Com a crescente demanda dos mercados asiático e europeu, especialistas afirmam que o Qatar tem todas as condições para conquistar contratos rentáveis. Embora nem tudo vá dar resultados imediatos, a gigante estatal Qatar Energy está funcionando a todo vapor. A atual capacidade está comprometida sob contratos plurianuais que Doha diz que não cancelará para desviar suprimentos para a Europa.

Ainda assim, algumas empresas, como Morgan Stanley, esperam que a decisão da Europa de importar gás de outras nações impulsione um aumento de 60% no consumo global de GNL até 2030. Enquanto esse cenário continuar tomando forma, a economia do Qatar crescerá mais de 4% neste ano, segundo o Citigroup —o maior crescimento desde 2015.

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