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Sergio Amaral

Mercosul vê acordo completar 30 anos em meio a reviravoltas

Com falta de impulso político renovador, bloco tem vácuo de liderança e assédio de novos atores como a China

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Sergio Amaral

Diplomata, foi embaixador do Brasil em Washington e presidente do Conselho Empresarial Brasil-China

A reunião de cúpula do Mercosul realizada em Assunção em 21 de julho marcou o 30º aniversário do acordo regional e suscitou avaliações divergentes sobre seu desempenho. Para muitos, o Mercosul não cumpriu com o seu objetivo, pois não concluiu uma união aduaneira entre os seus membros, tal como acordado em 1995, nem mesmo uma efetiva zona de livre comércio, como preconizado em 1991, com a assinatura do Tratado de Assunção. Para outros, no entanto, o julgamento não deve ser tão severo.

O acordo ensejou uma ampla expansão do comércio, incluindo um volume significativo de produtos industriais brasileiros, e estimulou um volume crescente de investimentos entre os seus membros. Mais do que isso, promoveu uma convergência regulatória, nos mais diferentes setores do intercâmbio, permitindo assim mais desimpedida circulação de bens e capitais entre os países-membros.

Os presidentes do Uruguai, Luis Lacalle Pou, do Paraguai, Mario Abdo Benítez, e da Argentina, Alberto Fernández, conversam durante a mais recente cúpula do Mercosul, em Luque - Daniel Duarte - 21.jul.22/AFP

No âmbito dessa avaliação, certamente superficial, cabe realçar a melhoria de qualidade no relacionamento político, que evoluiu de tensões recorrentes à época da construção de Itaipu para uma distensão generalizada na ação política e internacional. Em célebre discurso no Quai D'Orsay, em 1950, Robert Schuman, um dos "pais da Europa", sublinhou em tom premonitório que o motor da integração está no sopro da política, mais do que nos fluxos de comércio e de investimentos.

O Mercosul, nos últimos anos, ressentiu-se da falta de um impulso político renovador, indispensável para consolidar-se e oferecer ao Brasil o esteio firme para exercer a natural liderança que nossos vizinhos esperam de nós.

A Cúpula de Assunção trouxe um fato positivo, que foi a conclusão do acordo para a redução da Tarifa Externa Comum (TEC). Por outro lado, introduziu uma nota de preocupação, que foi a decisão do Uruguai (com velado incentivo brasileiro) de iniciar a negociação de um acordo de livre comércio com a China, sem a participação dos demais membros do Mercosul.

Isso viola o espírito e a letra do acordo de 1995 —ou seja, a negociação de uma tarifa externa comum—, além de se conflitar claramente com os interesses brasileiros, ao poder formar um corredor para a entrada de produtos chineses no Brasil sem qualquer contrapartida.

O mais provável é que a iniciativa de Montevidéu não resulte em nada, pois um eventual acordo bilateral com a China poderia exigir inclusive a ratificação pelo Congresso dos países-membros. Como diria Shakespeare, "much ado about nothing" [muito barulho por nada]. Tudo isso no momento em que o Mercosul mais precisa de um sopro político positivo e de iniciativas construtivas.

Um entendimento comercial entre Montevidéu e Pequim acentuaria um processo já em curso de incremento do intercâmbio entre China e América do Sul, que já chegou a representar 18% ao ano, em comparação com o intercâmbio intra-Mercosul, que era da ordem de 10% a 12%. A prosseguir essa tendência, os países do Cone Sul estariam se integrando com a China em vez de promoverem a integração intrarregional.

Mais recentemente, a visita de Alberto Fernández a Xi Jinping marcou notável aproximação de Buenos Aires e Pequim. Os dois países assinaram acordos para a construção e o financiamento de obras de infraestrutura, a construção conjunta de uma nova central nuclear, Atucha 3, e a adesão da Argentina ao programa chinês da Nova Rota da Seda.

Não cabe ao Brasil criticar esse passo, porque promoveu uma cooperação com a China ainda mais estreita. Mas a expansão da presença econômica chinesa e suas implicações geopolíticas sugerem o interesse e mesmo a necessidade de negociar um modus vivendi no Cone Sul. A liderança dessa iniciativa só pode caber ao Brasil, como indiscutível líder regional, queiramos ou não.

A China até agora guarda a esse respeito um discreto silêncio. ​Os EUA, ao contrário, já manifestaram repetidas vezes um visível mal-estar com o avanço de seu "rival estratégico" em nosso continente.

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