"Se você fosse argentino, seria peronista", disse o presidente da Argentina, Alberto Fernández, ao líder chinês numa visita a Pequim há poucos dias. Fiquei pensando em como o intérprete se virou com "peronista" na tradução do gracejo. Mas Xi Jinping terá entendido a mensagem, Fernández o vê como alguém do mesmo time.
Não à toa. A China se torna um sócio incontornável de uma Argentina em crise, escrevi aqui em 2020. E como a crise argentina não termina nunca, Pequim vai ganhando espaço. Na viagem, Fernández anunciou investimentos chineses da ordem de US$ 23 bilhões no país. Em 2021, a China passou a ser a principal origem das importações da Argentina, superando o Brasil.
Fernández estava em Pequim com a cabeça também em Washington. Negocia com o FMI a reestruturação da dívida argentina, equilibra-se entre as tratativas com o fundo e com a China e lança mão de movimentos paralelos para valorizar sua posição negociadora.
Exercer autonomia estratégica para uma Argentina em crise é como andar em corda bamba: se se desequilibrar, resta-lhe a bancarrota. Funcionando, há um novo acerto com o FMI e mais recursos chineses; dando errado, fica sem um nem outro. E, no passado, mesmo investimentos chineses anunciados em visita presidencial não se materializaram.
Como nenhum outro país, a China tem condições de financiar projetos de infraestrutura numa Argentina assombrada pelo risco do calote e em busca de investimentos. Além disso, num momento de escassez de dólares em Buenos Aires, um novo acordo de swap cambial é costurado com os chineses. O objetivo é aumentar o uso das moedas locais para comércio e investimentos —um alívio para o país de reservas limitadas, mas também algo que Pequim, com interesse na internacionalização do yuan, quer promover.
No entanto, nada do que Fernández tivesse a oferecer teria tanto valor quanto à adesão da Argentina à Nova Rota da Seda. O projeto dos olhos de Xi Jinping ganhou tração no mundo em desenvolvimento, mas, na América Latina, encontra resistência de Brasil, México e Colômbia.
Ao ampliar o número de endossos à iniciativa, Pequim busca especialmente algo de valor político. A China vê a adesão como um sinal de reconhecimento e prestígio internacional, um atestado de país capaz de moldar a governança global. A Argentina de Alberto Fernández fez as contas e chegou à conclusão de que valia a pena conferir a Pequim essa chancela agora. Operador experiente, o peronista também capitaliza com os chineses diante da relutância de outros grandes países da região.
Mas ele sabe que também precisa dos EUA nas tratativas com o FMI. Prometeu uma relação de respeito com Washington diretamente de Pequim, após receber duras críticas internas quanto ao momento da sua viagem, com escala também na Rússia. Fernández, o equilibrista, ainda obteve há poucos dias o sinal verde da OCDE para iniciar (como o Brasil) seu processo de ingresso ao foro em que os EUA têm grande influência.
O presidente argentino acena ao mesmo tempo para a China e para o FMI, para os EUA e para a Nova Rota da Seda, para a OCDE e para o Brics (sim, pediu apoio chinês para entrar no grupo). Com tudo isso, ainda precisa fazer malabarismo para administrar sua própria base aliada em Buenos Aires.
Calculado mas arriscado, o hiperativismo no flerte tem o objetivo de maximizar o poder de barganha de um país sem muitas opções. A realidade, no entanto, se impõe: aumenta a influência da China na Argentina.
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