Tatiana Prazeres

Executiva na área de relações internacionais e comércio exterior, trabalhou na China entre 2019 e 2021

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Tatiana Prazeres
Descrição de chapéu China Ásia Mercosul

Hiperativismo de Alberto Fernández não esconde dependência crescente da China

Presidente da Argentina tenta maximizar o poder de barganha de um país sem muitas opções

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

"Se você fosse argentino, seria peronista", disse o presidente da Argentina, Alberto Fernández, ao líder chinês numa visita a Pequim há poucos dias. Fiquei pensando em como o intérprete se virou com "peronista" na tradução do gracejo. Mas Xi Jinping terá entendido a mensagem, Fernández o vê como alguém do mesmo time.

Não à toa. A China se torna um sócio incontornável de uma Argentina em crise, escrevi aqui em 2020. E como a crise argentina não termina nunca, Pequim vai ganhando espaço. Na viagem, Fernández anunciou investimentos chineses da ordem de US$ 23 bilhões no país. Em 2021, a China passou a ser a principal origem das importações da Argentina, superando o Brasil.

Fernández estava em Pequim com a cabeça também em Washington. Negocia com o FMI a reestruturação da dívida argentina, equilibra-se entre as tratativas com o fundo e com a China e lança mão de movimentos paralelos para valorizar sua posição negociadora.

Alberto Fernández e Xi Jinping se encontram em reunião bilateral em Pequim - Presidência da Argentina

Exercer autonomia estratégica para uma Argentina em crise é como andar em corda bamba: se se desequilibrar, resta-lhe a bancarrota. Funcionando, há um novo acerto com o FMI e mais recursos chineses; dando errado, fica sem um nem outro. E, no passado, mesmo investimentos chineses anunciados em visita presidencial não se materializaram.

Como nenhum outro país, a China tem condições de financiar projetos de infraestrutura numa Argentina assombrada pelo risco do calote e em busca de investimentos. Além disso, num momento de escassez de dólares em Buenos Aires, um novo acordo de swap cambial é costurado com os chineses. O objetivo é aumentar o uso das moedas locais para comércio e investimentos —um alívio para o país de reservas limitadas, mas também algo que Pequim, com interesse na internacionalização do yuan, quer promover.

No entanto, nada do que Fernández tivesse a oferecer teria tanto valor quanto à adesão da Argentina à Nova Rota da Seda. O projeto dos olhos de Xi Jinping ganhou tração no mundo em desenvolvimento, mas, na América Latina, encontra resistência de Brasil, México e Colômbia.

Ao ampliar o número de endossos à iniciativa, Pequim busca especialmente algo de valor político. A China vê a adesão como um sinal de reconhecimento e prestígio internacional, um atestado de país capaz de moldar a governança global. A Argentina de Alberto Fernández fez as contas e chegou à conclusão de que valia a pena conferir a Pequim essa chancela agora. Operador experiente, o peronista também capitaliza com os chineses diante da relutância de outros grandes países da região.

Mas ele sabe que também precisa dos EUA nas tratativas com o FMI. Prometeu uma relação de respeito com Washington diretamente de Pequim, após receber duras críticas internas quanto ao momento da sua viagem, com escala também na Rússia. Fernández, o equilibrista, ainda obteve há poucos dias o sinal verde da OCDE para iniciar (como o Brasil) seu processo de ingresso ao foro em que os EUA têm grande influência.

O presidente argentino acena ao mesmo tempo para a China e para o FMI, para os EUA e para a Nova Rota da Seda, para a OCDE e para o Brics (sim, pediu apoio chinês para entrar no grupo). Com tudo isso, ainda precisa fazer malabarismo para administrar sua própria base aliada em Buenos Aires.

Calculado mas arriscado, o hiperativismo no flerte tem o objetivo de maximizar o poder de barganha de um país sem muitas opções. A realidade, no entanto, se impõe: aumenta a influência da China na Argentina.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.