Pressionada, a Rússia voltou a propor nesta quarta (8) o estabelecimento de corredores marítimos para escoar toneladas de grãos bloqueadas na Ucrânia. A paralisia nas exportações de um dos maiores fornecedores mundiais de trigo tem levado à alta dos preços e acelerado a iminente crise alimentar.
O chanceler Serguei Lavrov disse que Moscou está disposta a garantir a segurança dos navios desde que Kiev retire as minas colocadas nos portos. Ele falava de Ancara, onde se reuniu com seu homólogo turco, Mevlut Cavusoglu. A Turquia, a pedido da ONU, busca mediar tratativas sobre o assunto.
Lavrov chegou a dizer que as garantias foram dadas pelo próprio presidente russo, Vladimir Putin, mas a Ucrânia prontamente rechaçou a proposta. Kiev teme que Moscou aproveite o alívio da presença militar nos portos para atacar o território ucraniano, em especial Odessa, uma importante cidade no sul do país.
Oleg Nikolenko, porta-voz da chancelaria ucraniana, disse que as palavras de Lavrov são vazias. "É necessário ter equipamento militar para proteger a costa, além de uma missão da Marinha para patrulhar as exportações", afirmou. "A Rússia não pode usar corredores marítimos para atacar o sul da Ucrânia."
Mais cedo, Serguei Bratchuk, porta-voz do governo regional de Odessa, corroborou a posição contrária à retirada das minas. "A frota russa do mar Negro vai fingir uma retirada para a Crimeia e, enquanto desminamos o local para o acesso ao porto, nos atacará ali", escreveu ele num aplicativo de mensagens.
A Turquia chamou a proposta russa de razoável e pediu que Kiev e Moscou concordem. O país, membro da Otan, a aliança militar ocidental, e também próximo à Rússia, chegou a sediar uma negociação presencial entre delegações dos dois países um mês depois o início da invasão, que já dura mais de cem dias.
Ainda assim, não há consenso sobre o papel da Turquia como mediadora. Serhii Ivaschenko, diretor da Associação de Produtores e Exportadores de Grãos da Ucrânia, disse nesta quarta que o país não tem força suficiente no mar Negro para garantir a segurança das cargas, segundo a agência Reuters.
Antes do início do conflito, que eclodiu na última semana de fevereiro, a Ucrânia representava cerca de 12% das exportações globais de trigo e 15% das de milho. O presidente Volodimir Zelenski afirmou na segunda (7) que o país conta com cerca de 25 milhões de toneladas de grãos bloqueadas. No outono do Hemisfério Norte (primavera no Hemisfério Sul), esse número pode subir para 75 milhões, acrescentou.
A pressão para que a Rússia permita as exportações tem crescido. O chanceler da Itália, Luigi Di Maio, voltou a afirmar nesta quarta que o bloqueio "significa condenar milhões de crianças, mulheres e homens à morte", especialmente em países da África e do Oriente Médio, grandes importadores da Ucrânia. "Esperamos sinais claros e concretos da Rússia", disse ele, durante entrevista coletiva em Roma.
O próprio governo italiano sente os impactos econômicos da guerra. Com poucos recursos energéticos, o país importa a maior parte do gás que consome, e 40% vem da Rússia. A Itália chegou a propor, em maio, um plano de paz, com intermédio das Nações Unidas, tentando ampliar sua atuação na frente diplomática.
O assunto chegou a gerar desconforto no Conselho de Segurança da ONU na segunda, quando o presidente do Conselho Europeu, o belga Charles Michel, dirigiu-se diretamente para o embaixador russo Vassili Nebenzia para dizer que Moscou era a única responsável pela iminente crise alimentar global. Nebenzia deixou o espaço na hora e, mais tarde, disse que os comentários foram "muito rudes".
A África também já buscou atuar diplomaticamente. O presidente do Senegal, Macky Sall, que preside a União Africana (UA), reuniu-se com Putin na semana passada. "Vim para pedir que [ele] esteja ciente de que nossos países, mesmo longe da guerra, são vítimas desta crise econômica", escreveu em rede social.
Após o encontro, o senegalês disse que o líder do Kremlin havia lhe dito estar disposto a facilitar a exportação de cereais ucranianos e aberto a exportar trigo e fertilizantes russos para nações da África.
O porta-voz do governo russo, Dmitri Peskov, afirmou nesta quarta que, para que os grãos voltem a circular no mercado internacional, será necessário que o Ocidente retire as sanções impostas a Moscou, mas acrescentou que não há conversas substanciais sobre o assunto por ora. Peskov também disse que qualquer conversa entre Putin e Zelenski terá de ser "muito bem preparada".
No front, a Ucrânia admitiu que pode ser obrigada a recuar na cidade de Severodonetsk, palco de intensos combates há semanas. O governador regional, Serhii Haidai, em entrevista a um canal local, disse porém que o recuo não equivale ao abandono definitivo da cidade industrial, localizada em Lugansk, no Donbass.
Moscou alega controlar 97% do território da província de maioria russófona "Há bombardeios por todas as partes, 24 horas por dia, e a Rússia concentra todas as suas forças na região", disse ele.
Da Europa, um novo pacote de ajuda militar foi enviado a Kiev. O Ministério da Defesa da Noruega anunciou o envio de 22 obuses autopropulsados M109, além de peças de reposição e munições. Disse ainda que já treinou soldados ucranianos na Alemanha para que saibam como usar o armamento.
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