Shinzo Abe adotou políticas econômicas ousadas no Japão e fortaleceu as Forças Armadas

Ex-premiê foi assassinado a tiros durante discurso em ato de campanha eleitoral

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Tóquio | Reuters

O ex-premiê Shinzo Abe ficou conhecido pelas políticas para tirar a economia japonesa da deflação crônica, pelo fortalecimento das Forças Armadas do país e pelo combate à crescente influência da China.

Morto nesta sexta (8), aos 67, após ser baleado em um ato de campanha eleitoral, ele foi primeiro-ministro pela primeira vez em 2006, aos 52 anos, tornando-se o mais jovem no cargo desde a Segunda Guerra.

O ex-primeiro-ministro do Japão Shinzo Abe durante encontro na Bratislava
O ex-primeiro-ministro do Japão Shinzo Abe durante encontro na Bratislava - Vladimir Simicek - 25.abr.19/Jiji Press/AFP

Foi, porém, um mandato permeado de escândalos e que durou apenas um ano. As crises provocaram a renúncia de quatro ministros, e um quinto se suicidou, após ser pego inflando as despesas de sua pasta.

A esse contexto somou-se a má gestão de um problema de contabilidade no sistema previdenciário, o que levou à derrota de seu partido na eleição seguinte. Mas Abe voltaria ao poder em 2012, com a promessa de reviver a economia, afrouxar os limites de uma Constituição pacifista e restaurar valores tradicionais.

O ex-premiê também foi crucial para levar as Olimpíadas para Tóquio, evento que não acompanhou como chefe de governo devido à Covid, que adiou os Jogos para 2021, e porque renunciou em agosto de 2020 em razão de problemas de saúde. Antes, porém, protagonizou um momento marcante, ao surgir com a boina do personagem de videogame Mario na festa de encerramento das Olimpíadas do Rio, em 2016.

A marca de primeiro-ministro a mais tempo no cargo na história do Japão foi atingida em novembro de 2019, mas o período que se seguiu foi de crises. Em 2020, Abe perdeu apoio devido à gestão durante a pandemia de coronavírus e enfrentou escândalos, incluindo a prisão de seu ex-ministro da Justiça.

Renunciou em setembro de 2020 sem alcançar o objetivo de revisar a Constituição ou de presidir os Jogos, mas seguiu como uma presença dominante no Partido Liberal Democrático (LDP). No momento em que foi assassinado, participava da campanha para a eleição da Câmara Alta, marcada para domingo (10).

Da ala conservadora da política japonesa, ele ficou conhecido no exterior pela estratégia de recuperação econômica batizada de Abenomics, iniciada em 2012. A operação mesclava a oferta de dinheiro barato, tentativa de desregulamentação corporativa e grandes gastos do governo em projetos de estímulo. A combinação deu resultado nos primeiros anos, reavivando uma economia estagnada havia duas décadas.

Outro fator importante na plataforma econômica foi o esforço para aumentar o número de mulheres no mercado de trabalho, já que a participação feminina poderia contrabalançar o crescimento populacional em declínio e uma sociedade cada vez mais velha do país, devido às baixas taxas de natalidade.

Contudo, uma de suas promessas, a de elevar o percentual de mulheres em cargos de gestão e no governo, não se concretizou. A deflação também se mostrou teimosa, e sua estratégia de crescimento sofreu em 2019 com o aumento do imposto sobre vendas e a guerra comercial entre China e EUA.

Em linhas gerais, a Abenomics impulsionou o crescimento, mas não no ritmo do boom do pós-guerra e abaixo da meta estabelecida pelo ex-primeiro-ministro para 2020, ano em que a pandemia desencadeou a mais profunda crise econômica do Japão. Ao renunciar, em setembro daquele ano, citou a volta de uma colite ulcerativa, doença intestinal inflamatória crônica que ajudou a tirá-lo do poder em 2007.

Abe veio de uma família rica e tradicional da política japonesa. Seu pai foi chanceler, e o tio-avô, Nobusuke Kishi, primeiro-ministro de 1957 a 1960, quando renunciou em razão do furor público provocado por um pacto de segurança renegociado entre EUA e Japão. Kishi também foi ministro do gabinete de guerra e chegou a ser preso, mas nunca foi julgado como criminoso de guerra após a Segunda Guerra Mundial.

O tio-avô de Abe tentou, sem sucesso, revisar a Constituição de 1947, redigida pelos EUA, para se tornar um parceiro de segurança mais próximo de Washington e adotar uma diplomacia mais assertiva –questões centrais na agenda do então futuro premiê. Em seu governo, Abe aumentou os gastos com defesa e se aliou a nações asiáticas para combater uma China cada vez mais forte, aprovando leis para permitir que o Japão exerça o direito de "autodefesa coletiva" e ajude militarmente parceiros sob ataque.

A revisão da Constituição pacifista continuou sendo uma das suas prioridades, um objetivo controverso, já que muitos japoneses veem a Carta como responsável pelo histórico de paz do país no pós-guerra. Fora do escopo legislativo, também adotou nova postura em relação às ações do Japão na Segunda Guerra, dizendo que as gerações futuras não deveriam continuar se desculpando pelos erros do passado.

Desde o primeiro mandato, implementou uma campanha para trazer o patriotismo de volta ao currículo escolar —em 2006, o Parlamento revisou uma lei que estabelece as metas de educação para incluir o "amor ao país" e o respeito pela tradição e pela cultura no aprendizado. Também alterou livros escolares para apresentar o que os críticos chamam de uma versão rósea da participação do Japão em guerras.

Em outra frente, o ministro das Relações Exteriores, Taro Kondo, pediu em 2019 à mídia estrangeira que passasse a escrever os nomes próprios japoneses no estilo usado no país, ou seja, com o sobrenome primeiro. Shinzo Abe se tornaria "Abe Shinzo", por exemplo. Seu argumento era o de que essa já era a prática com outros nomes asiáticos, como no caso do líder chinês Xi Jinping, em que Xi é o sobrenome.

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