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Jaime Spitzcovsky

Preocupações com futuro de Hong Kong surgiram desde 1º dia da transição

Há 25 anos, China se ufanava em despedida do colonialismo, enquanto Reino Unido via o ocaso de um império

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Jaime Spitzcovsky

Jornalista, foi correspondente da Folha em Moscou e Pequim.

A troca das bandeiras parecia hipnotizar as testemunhas de um momento histórico. Na cerimônia de devolução de Hong Kong, em 30 de junho de 1997, o estandarte chinês subia o mastro para ocupar o local segundos antes reservado à insígnia britânica, imposta após as guerras do século 19.

Discursaram no evento o príncipe Charles e o então dirigente chinês, Jiang Zemin. O primeiro, num tom de melancolia, moldado pelo ocaso de um império. O segundo, a ufanar-se da ascensão de uma potência e a despedir-se do colonialismo.

Acompanhei a transição de poder em Hong Kong, na última cobertura jornalística em meus três anos em Pequim como correspondente da Folha. Encerrava assim um período de sete anos entre a capital chinesa e, antes, Moscou, onde havia acompanhado a desintegração da URSS em 1991.

Bandeiras da China e de Hong Kong hasteadas em porto da ex-colônia britânica
Bandeiras da China e de Hong Kong hasteadas em porto da ex-colônia britânica - Dale de La Rey - 1º.jul.22/AFP

A debacle soviética e a devolução de Hong Kong tornaram-se símbolos de transições, pontes entre o mundo da Guerra Fria e do eurocentrismo e a era da globalização e das decolagens asiáticas.

Emblemático, o vaivém de bandeiras ocorreu num abarrotado Centro de Convenções de Hong Kong. Selou o momento cerimonioso, a antecipar a chegada de mais de 4.000 militares enviados por Pequim.

Antes do deslocamento das tropas, a primeira demonstração de força do Partido Comunista, zarpei para o centro da cidade em busca da pioneira manifestação do Partido Democrático honconguês sob a sombra da mão pesada de Pequim. Já ouvi preocupações com o futuro da fórmula "um país, dois sistemas".

Um economista britânico, trajando smoking, comentou, sardônico: "Saio de um banquete e venho a um comício; isso não parece a China". Uma estudante prognosticou: "Estou preocupada com a possibilidade de, um dia, não podermos mais fazer manifestações como essa". Jiang Zemin também antecipou tendências em sua fala oficial. Prometeu manter o esquema negociado com Londres, mas advertiu sobre a impossibilidade de Hong Kong se transformar, na visão governista, em uma "base de subversão".

A melancolia e a apreensão apresentadas por adversários do regime comunista contrastavam com a euforia e o nacionalismo alimentados por Pequim. Ao embarcar no metrô, ao final do protesto liderado por Martin Lee, líder pró-democracia, avistei vários passageiros empunhando bandeiras de papel da China. "É um momento de glória para nós, o fim de uma era de injustiça", ouvi de um deles.

Das paredes envidraçadas de um dos hotéis de Hong Kong, acompanhei outro esforço propagandístico. Um impressionante show pirotécnico, tradição milenar chinesa, iluminou o céu sobre o porto Victoria, região a receber antes um público de 10 mil pessoas para shows de dança e apresentações musicais.

Charles e o governador em despedida, Chris Patten, compareceram ao festival multicultural, sob forte chuva. A aparição ressaltava os esforços reais de tentar minimizar o sentimento de languidez diante do avanço do Partido Comunista.

Naqueles dias de efervescência histórica, acompanhei um passeio de Patten com o então primeiro-ministro Tony Blair por Pacific Place, à época o mais sofisticado centro de compras de Hong Kong. Os líderes britânicos distribuíam sorrisos e apertos de mão a chineses e estrangeiros, multidão a disputar milimetricamente espaços nos corredores do shopping center.

O cenário de afluência e de consumismo ajudava a afastar dúvidas sobre o futuro econômico da ex-colônia. Mas já fervilhavam preocupações sobre os rumos de sua autonomia e da sua democracia.

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