Angolanos no exterior votam pela 1ª vez em eleição crucial para democracia no país

Imigrantes no Brasil relatam desejo de mudança após décadas sem alternância de poder em nação africana

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Guarulhos

Lúcia Destineza, 29, não diz publicamente em qual partido vai votar nas eleições de Angola marcadas para a próxima quarta-feira (24) —o voto, afinal, é secreto, diz. Mas frisa o que espera: "Queremos mudança".

A angolana vive no Brasil há sete anos, onde se formou técnica de enfermagem e segue estudando na área. Esta será a primeira vez que vai votar nas eleições de seu país, algo que só será possível porque, de maneira inédita, a diáspora angolana terá acesso ao voto.

Lúcia Destineza na Barra Funda, perto da instituição de ensino onde cursou técnico em enfermagem - Bruno Santos - 23.set.21/Folhapress

Serão 22.560 angolanos no exterior participando do pleito —cerca de 0,15% do eleitorado total do país. Pessoas que levarão para as urnas a avaliação que fazem de Angola muitas vezes com base em uma consciência que só foram adquirir no exterior a partir da troca de experiências.

"Quando vim para o Brasil, comecei a ter outra visão; amadureci", diz Lúcia. "Acho que temos ainda muita coisa para trabalhar, necessidades básicas. O povo está animado para fazer uma escolha boa."

O anúncio de possibilidade de votação na diáspora animou cidadãos ansiosos por participar do processo de escolha. Mas, quando foram divulgados os números de pessoas registradas, houve certa frustração.

Levantamento do Observatório das Migrações Internacionais (OBMigra) feito a pedido da Folha mostra que quase 22 mil imigrantes de Angola foram registrados no Brasil desde 2010. Apenas 1.660, no entanto, estão inscritos para votar, e a maioria se registrou no Consulado Geral em São Paulo (1.181).

O número do OBMigra considera residentes permanentes e temporários e solicitantes de refúgio. Não é possível aferir quantos, de fato, seguem no Brasil, mas o dado ajuda a ter uma dimensão da ausência no pleito.

A Embaixada de Angola em Brasília tem conhecimento de 10 mil cidadãos do país no Brasil, disse o embaixador Florêncio Almeida à Folha. Mesmo a cifra, reconhecidamente subnotificada, mostra a discrepância. O diplomata diz que o modesto número de inscritos tem relação com o fato de ser a primeira vez em que a diáspora poderá votar, mas também sugere outros fatores.

A impossibilidade de se ausentar do trabalho para realizar o registro ou mesmo a dificuldade financeira para arcar com o transporte entram na equação. Também pesam as distâncias: de janeiro a abril, angolanos puderam se registrar somente nos consulados em São Paulo e no Rio de Janeiro ou na embaixada no Distrito Federal.

O diplomata explica que quatro mesas de votação serão abertas nesses locais. Para possibilitar que angolanos de outras regiões —como a Bahia, onde estão muitos estudantes universitários— compareçam às urnas, a representação pensa em organizar uma espécie de mutirão de transporte. Ele frisa a relevância de participar: "Isso reforça a nossa democracia."

Em Portugal, país do qual Angola foi colônia, está o maior número da diáspora registrada para votar —mais de 7.700, mostram dados oficiais. Depois vêm Namíbia (2.487), França (2.228), República do Congo (2.174), República Democrática do Congo (1.938) e, enfim, o Brasil.

Eleitores terão a missão de escolher o partido no qual mais confiam e preencher a Assembleia Nacional com base na lista de candidatos das legendas. O presidente e o vice serão, respectivamente, o primeiro e o segundo da sigla mais votada, um modelo que agrada pouco aos movimentos sociais.

Assim como para Lúcia, essa será a primeira vez participando de um pleito para muitos dos angolanos no Brasil, que constituem uma comunidade jovem. Por já estar no Brasil em 2017, ela não votou nas eleições que alçaram à Presidência João Lourenço, líder do MPLA —o partido está no poder desde a independência, em 1975. Nas eleições de 2012, já estava apta a votar, mas o local designado era muito longe de casa.

Já para Euclides Victorino Silva Afonso, 26, será a segunda vez. No Brasil desde 2018, ele cursa mestrado na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, depois de se graduar em história pela Unilab.

Ele avalia que a administração de JLo, como o líder angolano é conhecido, deixou a desejar. "Quando elegemos um presidente, queremos ver mudanças nas zonas mais vulneráveis; mas o governo não mostra melhorias para esses setores." De uma lista de oito candidatos, o que parece ser o maior rival ao atual presidente é Adalberto Costa Júnior, da Unita, principal sigla da oposição.

Euclides, porém, acha que a diáspora e a população jovem darão peso crítico à cédula eleitoral. "Possivelmente nasceu uma nova era que fez com que a população jovem ficasse mais atenta na política do país."

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