Chile esquenta clima para plebiscito de nova Constituição com manifestações

Pesquisas indicam rejeição da proposta, e governo de Gabriel Boric já trabalha em plano B

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Buenos Aires

A uma semana da votação em que os chilenos decidirão se aprovam ou rejeitam a nova Constituição, as ruas das principais cidades do país tornaram-se palco de manifestações. São esperados 15 milhões de votos no plebiscito, no qual a participação é obrigatória.

Com a população dividida —porém inclinada a votar contra a proposta, segundo as pesquisas mais recentes—, o que se vê nos atos são grupos focados em discutir questões pontuais do novo texto. Nos últimos dias, por exemplo, milhares foram às ruas de Santiago pedindo o "sim" para a Carta pela garantia de acesso à habitação.

Chilenos participam de protesto em apoio à nova Constituição do país
Chilenos participam de protesto em apoio à nova Constituição do país - Martin Bernetti - 20.ago.22/AFP

Foram realizadas marchas de mulheres defendendo os artigos da nova Constituição que preveem acesso ao aborto e a paridade de gênero na administração pública. Estudantes e indígenas se organizaram em passeatas em apoio à cláusula que define o Chile como um Estado plurinacional e intercultural e reconhece a soberania das nações indígenas —os povos nativos correspondem a 12% da população, mas nem sequer são mencionados na Constituição vigente, herdada da ditadura de Augusto Pinochet.

Grupos de ambientalistas se manifestaram andando de bicicleta, e muitos portavam bandeiras defendendo a aprovação do texto, com reivindicações de pautas ecológicas e símbolos dos mapuches, o grupo indígena mais numeroso do país. A redação da nova Carta preconiza que "a natureza tem direitos" e que "o Estado e a sociedade têm o dever de protegê-los e respeitá-los".

Os que afirmam rejeitar a proposta também fazem campanha nas ruas do Chile. Em Puente Alto, um dos bairros mais pobres de Santiago, um grupo de mulheres carregou faixas em que se liam frases contra o texto.

"Nossa vontade não está expressa na Carta", afirma Marcela Sepúlveda, líder da Corporação de Mulheres e das Tradições Chilenas. "Não aprovamos as novas leis de gênero e queremos deixar isso claro, queremos nossas tradições respeitadas."

O texto que pode se tornar a nova Constituição também encontra forte oposição no sul do país, onde há conflitos violentos entre grupos mapuches e proprietários de terra. As marchas na região marcam posição contra artigos relacionados à soberania indígena, acesso à educação nos idiomas originários e a Justiça indígena, que permitiria a grupos nativos manter sistemas jurídicos ligados a tradição ancestral de cada tribo —modelo semelhante ao adotado na Bolívia, por exemplo.

Para a cientista política Claudia Heiss, há um descompasso entre o "sim" e o "não" no que tange à maneira como essas pautas são apresentadas à opinião pública.

"A campanha pela aprovação carece de verbas, há poucas doações e pouca propaganda pública, mas isso está sendo compensado pelas manifestações nas ruas, pela ação de organizações civis e estudantis, que estão promovendo eventos culturais e de conscientização." Já o movimento pela rejeição, segundo Heiss, conta com forte apelo de propaganda nas ruas e nos meios de comunicação.

Esse pode ser um dos fatores que explicam a mudança nas intenções de voto nos últimos meses. Em janeiro, 56% dos chilenos diziam que votariam a favor da nova Carta, ante 33% que votariam contra, de acordo com pesquisa do instituto Cadem. A diferença foi diminuindo e, desde abril, o cenário se inverteu, com o "não" em vantagem sobre o "sim" —o último levantamento permitido pela legislação eleitoral aponta 46% contra, 37% a favor e 17% indecisos.

Há nuances, porém, de ambos os lados. Entre os eleitores que querem enterrar de vez a Constituição da era Pinochet, há grupos defendendo que, depois da promulgação do novo texto, alguns pontos sejam reformados. Movimento semelhante se dá também no outro campo: parte dos que devem votar pela rejeição não se opõe a todas as cláusulas, de modo que há uma intersecção entre os dois extremos.

"A rejeição deve ganhar, não para que se enterre todo o esforço, mas para que voltem a ser debatidos temas que foram colocados no texto às pressas, quase como um rascunho", diz Carol Brown, legisladora que pertence ao partido de direita UDI.

O governo do esquerdista Gabriel Boric, que se posiciona a favor da proposta, foi forçado a pensar em um plano B diante da potencial rejeição. Uma vez que a Constituição atualmente em vigor já foi reprovada no plebiscito de 2020, o mandatário afirma que há espaço para negociar uma nova redação do texto —movimento que já recebeu o aval dos principais partidos da direita chilena.

Quem vem explicando como será o plano é o secretário da Presidência, Giorgio Jackson. "Teremos de chegar a um consenso, por meio do Congresso, para estabelecer o mecanismo para a renegociação dos artigos que causam rejeição, além de um novo sistema de aprovação. Haverá ajustes necessários que devem ser debatidos e aprovados pelas vias institucionais", afirmou.

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